Os Parlamentares e o Banco Mundial na Finlândia
Eduardo Matarazzo Suplicy
Fui convidado para fazer uma palestra sobre a evolução do Programa Bolsa-Família à Renda Básica de Cidadania, na Conferência Anual da Rede Parlamentar do Banco Mundial, em Helsinki, capital da Finlândia. Havia cerca de 180 parlamentares de 86 países. Dialogamos com Paul Wolfowitz e Pascal Lamy, presidentes do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio, respectivamente..
Dois dias antes, no Seminário promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no Itamarati, em Brasília, Paul Wolfowitz havia transmitido, em tele-conferência para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e demais presentes, uma avaliação positiva do Programa Bolsa-Família. Em função de seus efeitos para a erradicação da pobreza, oportunidades de educação e atenção à saúde, o programa poderia servir de exemplo e ser seguido por outros países. Economistas brasileiros como Marcelo Neri e Ricardo Paes de Barros, destacaram os aspectos positivos do Bolsa-Família, inclusive seu caráter focalizador, isto é, o fato de atingir as famílias com renda até certo patamar, no caso, R$ 100 per capita por mês. Coube à socióloga Amélia Cohn questionar esse enfoque, e defender o caráter universalista a ser seguido gradualmente.
O ministro Patrus Ananias ressaltou a expansão vigorosa do programa que atinge 8 milhões de famílias, devendo chegar a 11,2 milhões em meados de 2006. Estima o governo que até lá atenderá a todas as famílias com renda de até R$ 100 mensais per capita. É o principal instrumento, ao lado de diversos outros, pelo qual o governo pretende atingir a meta de garantir que todas as pessoas no Brasil tenham pelo menos três refeições ao dia. É possível que haja a necessidade de se aumentar um pouco mais o benefício mensal que hoje é de R$ 50 - mais R$ 15, 30 ou 45, dependendo do número de crianças - no caso de a renda mensal da família ser de até R$ 50 per capita - ou de receber apenas a parte das crianças quando a renda familiar per capita estiver no intervalo de R$ 50 a R$ 100.
O presidente Lula observou que o Bolsa Família beneficia a todos, na medida em que as famílias mais pobres garantam a freqüência de suas crianças à escola, tornando-as mais distantes da eventual iniciação ao crime.
Mas será que a universalização do direito à renda básica é um propósito saudável para que toda a sociedade de fato se beneficie? É justamente a Finlândia, um dos países em que o princípio da universalização dos direitos – no caso o da educação – que nos dá demonstração inequívoca de como ela pode ser bem sucedida.
Conforme nos relatou em Helsinki o diretor do Instituto de Pesquisa da Economia finlandesa, Pekka Ylä-Antilla, a Finlândia se transformou num período relativamente curto. De uma economia baseada em recursos naturais passou para a economia baseada em conhecimento. A transformação aconteceu em meio a crises macroeconômicas profundas, ocorridas no começo dos anos 90, que exigiram uma transformação estrutural.
Depois do período pós-guerra até os anos 60, em que a Finlândia procurou recuperar seu atraso importando tecnologias e explorando suas reservas florestais, o país investiu bastante em equipamentos. Nas últimas décadas passou a investir fortemente em conhecimento, com uma das maiores taxas de gastos em pesquisa e desenvolvimento do mundo, cerca de 3,5% do seu Produto Interno Bruto. Nos anos 90 investiu sobretudo em tecnologia de informação e comunicação, o que transforma a Finlândia na mais especializada economia nesta área do mundo.
Para isso, foi fundamental colocar em prática o princípio de igual oportunidade para todos. Todas as pessoas na Finlândia recebem a mesma educação básica, de responsabilidade do poder público, de excelente qualidade, gratuita até o nível universitário.
Na minha volta de Helsinki, encontrei dois brasileiros de Bragança Paulista, que haviam recebido o troféu de melhores jogadores de futebol do país. Estavam voltando após os seis meses de tempo quente que dá para jogar por lá. Queriam encontrar novamente o calor humano dos brasileiros. Mas estavam impressionados com a alta qualidade de todas as escolas finlandesas.
A Finlândia hoje tem um dos melhores índices de desenvolvimento humano do mundo. Passou de 0,841 em 1975, para 0,941 em 2003. No mesmo período, o IDH do Brasil evoluiu de 0,645 para 0,792. A expectativa de vida ao nascer dos finlandeses é de 78,5 anos. A dos brasileiros, 70,5. O índice de educação da Finlândia é de 0,99, o do Brasil é de 0,89. O coeficiente Gini de desigualdade da Finlândia é dos mais baixos do mundo, 0,25 (2000), enquanto do Brasil continua dos mais altos, O,55 (2003).
Os efeitos da educação de alto nível garantida a toda a população pelo governo da Finlândia constituem exemplo para que no Brasil possamos em breve prover tanto a educação quanto a renda básica como um direito à cidadania para todos.
Eduardo Matarazzo Suplicy é senador pelo PT-SP
eduardo.suplicy@senador.gov.br
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domingo, outubro 30, 2005
sábado, outubro 29, 2005
Matéria de Veja
"FUI CONSULTADO POR RALF BARQUETE, A PEDIDO DO PALOCCI, SOBRE COMO FAZER PARA TRAZER 3 MILHÕES DE DÓLARES DE CUBA. DISSE QUE PODERIA SER ATRAVÉS DE DOLEIROS. SEI QUE O DINHEIRO VEIO, MAS NÃO SEI COMO."
ROGÉRIO BURATTI, advogado, ex-assessor de Antonio Palocci, ao confirmar a existência da operação
A história acima, resumida em três tópicos, foi confirmada a VEJA por duas fontes altamente relevantes, dado o pleno acesso que tiveram aos detalhes do caso. A primeira foi o advogado Rogério Buratti, que também trabalhou na prefeitura de Ribeirão Preto na gestão de Palocci. Procurado por VEJA no dia 20 de outubro, uma quinta-feira, Buratti recebeu a revista no restaurante do hotel San Diego, em Belo Horizonte. A entrevista durou duas horas e meia. Reticente, Buratti não queria falar sobre o assunto, mas não se furtou a confirmar o que sabia. "Fui consultado por Ralf Barquete, a pedido do Palocci, sobre como fazer para trazer 3 milhões de dólares de Cuba", disse Buratti. Segundo ele, a consulta sobre a transação cubana ocorreu durante um encontro dos dois no Tennis Park, um clube de Ribeirão Preto onde Buratti e Barquete costumavam jogar tênis pela manhã. Buratti sugeriu internar o dinheiro cubano pela via que lhe parecia mais fácil. "Disse que poderia ser através de doleiros." O advogado relata que, depois disso, não teve mais contato com o assunto, mas dias depois foi informado de seu desfecho. "Sei que o dinheiro veio, mas não sei como." As declarações de Buratti foram gravadas com seu consentimento. VEJA relatou ao ministro Palocci a história contada à revista pelos seus ex-auxiliares. O comentário do ministro: "Nunca ouvi falar nada sobre isso. Pelo que estou ouvindo agora, me parece algo muito fantasioso".
A outra confirmação veio de uma fonte ainda mais qualificada, já que teve participação direta na Operação Cuba: o economista Vladimir Poleto, que hoje trabalha como consultor de empresas. Poleto recebeu VEJA no dia 21 de outubro, uma sexta-feira, no bar do hotel Plaza Inn, em Ribeirão Preto. A conversa estendeu-se das 10 da noite até as 3 da madrugada. Poleto, apesar da longa duração do contato, ficou assustado a maior parte do tempo. "Essa história pode derrubar o governo", disse ele mais de uma vez, sempre passando as mãos pela cabeça, em sinal de nervosismo e preocupação. No decorrer da entrevista, no entanto, Poleto confessou que ele mesmo transportou o dinheiro de Brasília a Campinas, voando como passageiro em um aparelho Seneca em que estavam apenas o piloto e ele. Fez questão de ressalvar que, na ocasião, não sabia que levava dinheiro. Achava que era bebida. "Eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida", disse. "Depois do acontecimento, fiquei sabendo que tinha dinheiro dentro de uma das caixas", completou, acrescentando: "Quem me disse isso foi Ralf Barquete. O valor era 1,4 milhão de dólares".
"EU PEGUEI UM AVIÃO DE BRASÍLIA COM DESTINO A SÃO PAULO COM TRÊS CAIXAS DE BEBIDA. DEPOIS DO ACONTECIMENTO, FIQUEI SABENDO QUE TINHA DINHEIRO DENTRO DE UMA DAS CAIXAS. QUEM ME DISSE ISSO FOI RALF BARQUETE. O VALOR ERA 1,4 MILHÃO DE DÓLARES."
VLADIMIR POLETO, ao admitir sua participação no transporte do dinheiro cubano para a campanha
Poleto conta que, quando recebeu a missão de pegar o dinheiro cubano, foi orientado a ir ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ali, embarcou no Seneca, emprestado por Roberto Colnaghi, um empresário amigo de Palocci e um dos maiores fabricantes de equipamentos para irrigação agrícola do país. O avião decolou cedo de Congonhas, por volta das 6 e meia da manhã, e pousou em Brasília em torno das 10 horas. Ao contrário do que fora combinado, não havia nenhum carro à espera de Poleto no aeroporto da capital federal. Lá pelas 11 da manhã, chegou uma van. Depois de embarcar nela, Poleto foi levado a um apartamento em Brasília, de cujo endereço não se recorda. Foi recebido por um cubano, negro e alto, que lhe entregou as três caixas de "bebida", lacradas com fitas adesivas. "Lembro que era um apartamento simples", diz. De volta ao aeroporto de Brasília, as caixas foram embarcadas no Seneca e iniciou-se a viagem de regresso, que, por causa do mau tempo, terminou no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e não em Congonhas.
Por celular, Poleto avisou o amigo Barquete da alteração de aeroporto e foi orientado a não desgrudar das caixas. Por volta das 7 da noite, Barquete, que vinha de Congonhas, chegou a Viracopos. Estava em um Omega preto, dirigido por Éder Eustáquio Soares Macedo, que hoje trabalha como motorista da representação do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro. O motorista ajudou a colocar as caixas no porta-malas e dirigiu o carro até São Paulo, onde o material foi entregue a Delúbio Soares. "Nunca recebi dinheiro de Ralf Barquete", mandou dizer o ex-tesoureiro do PT. Na semana passada, Éder Macedo confirmou a expedição a VEJA. "Não me lembro do dia em que isso aconteceu, mas aconteceu", disse. Por alguma razão Éder Macedo, pouco depois dessa confirmação, entendeu que não deveria falar do assunto e não atendeu mais os telefonemas de VEJA, impedindo assim que a revista pudesse confirmar com ele outros detalhes. O Omega fora alugado pelo comitê eleitoral do PT. O dono da locadora chama-se Roberto Carlos Kurzweil, outro empresário de Ribeirão Preto. Kurzweil confirmou a VEJA que cedeu os serviços de Éder Macedo, então seu motorista, para o PT.
Um petista que pediu para que sua identidade não fosse revelada contou a VEJA que, da parte do governo de Cuba, quem tomou conta da operação foi Sérgio Cervantes. Ele é cubano, negro e alto, conferindo com a descrição que Poleto faz do sujeito que lhe entregou as três caixas de "bebida" em Brasília. Cervantes morou em um modesto apartamento na capital federal, localizado na Asa Sul, pelo menos até 2003, quando deixou o posto de conselheiro político da embaixada cubana no Brasil. Cervantes é, de fato, o homem das operações delicadas. Foi a primeira autoridade cubana a se encontrar com um funcionário do governo brasileiro para tratar do reatamento das relações diplomáticas entre Brasil e Cuba, que foi, afinal, consumado em 14 de junho de 1986. "Em Cuba, quem trata desse tipo de missão, assim como acontecia na URSS e países comunistas, são espiões. Cervantes é agente do Ministério do Interior", diz um diplomata brasileiro que o conhece pessoalmente. Cervantes também foi cônsul de Cuba no Rio de Janeiro. É íntimo dos petistas.
Em março de 2003, quando deixou o cargo na embaixada, Cervantes, que é amigo de Fidel Castro e dirigente do Partido Comunista de Cuba, fez questão de dar um abraço fraternal de despedida no presidente Lula e no então ministro José Dirceu. A cena foi fotografada e a imagem está publicada nesta página. Cervantes conheceu Lula ainda nos tempos de movimento sindical, no ABC paulista. Tornou-se também grande amigo de José Dirceu. Eles se conheceram ainda no fim da década de 60, quando Dirceu esteve exilado na ilha, e nunca mais perderam contato. Cervantes é quem costuma recepcionar Dirceu em suas visitas à ilha. Em julho do ano passado, por exemplo, quando o então ministro da Casa Civil passou uma semana de descanso em Cuba, Cervantes foi recebê-lo no aeroporto e levou-o para um encontro com Fidel Castro. Em retribuição, o agente cubano ganhou uma caixa com peças de reposição de automóvel, produto escassíssimo em Cuba. Cervantes nega que tenha havido ajuda financeira de Cuba para Lula. "Cuba está é precisando de dinheiro. Como é que pode mandar?", disse. "Isso não é verdade."
A investigação de VEJA, associada às confirmações de duas testemunhas, compõe um quadro sólido a respeito da operação do dinheiro cubano, mas há um ponto que merece reflexão. Buratti e Poleto apresentam depoimentos fortes e comprometedores, mas embasam-nos no que ouviram falar de Ralf Barquete – uma testemunha que não pode mais ser ouvida. Em 8 de junho de 2004, Barquete morreu vítima de câncer, aos 51 anos. Seria possível que Buratti e Poleto estivessem sustentando uma história falsa com base num morto, apenas porque não pode contestá-la? No submundo do dinheiro clandestino e das operações secretas, quase tudo é possível e seria leviano descartar liminarmente a hipótese de que a grande vítima fosse o morto. Os contornos dos fatos e os detalhes dos perfis dos envolvidos, porém, mostram que nem Buratti nem Poleto estão combinados em uma armação. A começar pelo fato de que, entrevistados por VEJA em dias, locais e cidades distintas, contam ambos uma história semelhante, mas não idêntica. Buratti diz que soube que Cuba mandou 3 milhões de dólares. Poleto, 1,4 milhão.
É improvável que numa versão montada haja divergência sobre um detalhe tão central, mas há outro dado mais relevante – o de que Vladimir Poleto, depois de dizer tudo o que disse a VEJA, mudou de idéia. Ele despachou um e-mail para a revista pedindo para que não se fizesse "uso do conteúdo" da conversa. Ali, sugere que não autorizou a gravação do diálogo e dá a entender que, diante de "diversos copos de chope", pode ter caído involuntariamente no "exacerbamento de posicionamentos". VEJA respondeu o e-mail, indagando as razões que o teriam levado a uma mudança tão radical de postura, mas Poleto não respondeu. Por essa razão, a revista mantém, no corpo desta reportagem, os termos do acordo selado com o entrevistado, que autorizou a publicação do conteúdo da conversa e a revelação de sua identidade. Houve, inclusive, uma gravação da entrevista, também devidamente autorizada por Poleto. A gravação, com sete minutos de duração, resume, na voz dele, os trechos mais importantes das revelações que fez em cinco horas de conversa no Plaza Inn. A tentativa de recuo de Poleto é uma expressão do peso da verdade.
O aspecto mais decisivo da sinceridade com que Buratti e Poleto falaram de Barquete talvez seja o fato de que ambos têm profundo respeito pela memória do amigo falecido. Os três foram amigos íntimos até a morte de Barquete. As famílias se conheciam e se visitavam. Poleto, até hoje, é um amigo muito próximo do irmão de Barquete, Ruy Barquete, que trabalha na Procomp, uma grande fornecedora de terminais de loteria para a Caixa Econômica Federal. Até a viúva de Barquete, Sueli Ribas Santos, já comentou o assunto. Foi em um período em que se encontrava magoada com o PT por entender que seu falecido marido estava sendo crucificado. Buratti denunciara que o então prefeito Palocci recebia um mensalão de 50.000 reais de uma empresa de recolhimento de lixo – e quem pegava o dinheiro era o secretário da Fazenda, Ralf Barquete. A viúva desabafou: "Eles pegavam dinheiro até de Cuba!" O desabafo foi feito para um empresário de Ribeirão Preto, Chaim Zaher, dono de uma escola e de uma faculdade, além de uma emissora de rádio. Zaher não foi encontrado por VEJA para falar do assunto. A viúva, que já não tem mágoa do PT, nega.
A amizade entre Barquete, Buratti e Poleto prosseguiu em Brasília, com a posse do governo do PT. Eles todos costumavam freqüentar uma mesma casa, alugada num bairro nobre de Brasília, na qual discutiam eventuais negócios que poderiam ser feitos tendo como gancho a influência que tinham junto ao ministro da Fazenda. O próprio Palocci freqüentou a casa, à qual os amigos chamavam de "central de negócios". A casa foi alugada por Poleto, que pagou adiantado e em dinheiro vivo os primeiros meses de aluguel. Foram 60.000 reais. "Era para ser uma espécie de ponto de referência para quem quisesse fazer negócios em Brasília", diz Poleto. O grupo de amigos de Ribeirão Preto que ia à casa era mais amplo. Incluía o empresário Roberto Colnaghi, o dono do Seneca que voou com os dólares cubanos. E não só: Colnaghi também é um dos sócios do jato Citation, prefixo PT-XAC, que ficava à disposição de Palocci durante a campanha de Lula. A casa era freqüentada ainda por Roberto Kurzweil, o dono do Omega blindado em que Barquete transportou os dólares cubanos. Kurzweil também era dono do blindado usado pelo então tesoureiro Delúbio Soares.
De Cuba, sabe-se que não sai dinheiro privado, pelo menos não em quantidades expressivas. Não há um empresário privado altamente bem-sucedido que possa se interessar em despachar recursos para o PT, ou mesmo uma ONG – política, humanitária, ecológica, o que fosse – que, clandestinamente, pudesse querer ajudar os petistas na sua empreitada para governar o Brasil. Por essa razão, é lícito supor que o dinheiro que chegou ao caixa dois do PT deve ter saído apenas de dois lugares que, no fundo, constituem um só: os cofres do governo cubano ou os cofres do único partido político legalmente organizado, o Partido Comunista Cubano. Isso significa dizer que o Estado cubano, com sua contribuição financeira, seja ela de 3 milhões de dólares, seja de 1,4 milhão, procurou interferir nos rumos da política brasileira. Na história da humanidade, são inúmeros os casos em que um governo estrangeiro tenta influir nos destinos de outro. Mas quem cedeu aos encantos de Cuba cometeu um crime. E grave.
A Lei 9096, aprovada em 1995, informa que é proibido um partido político receber recursos do exterior. Se isso ocorre, o partido fica sujeito ao cancelamento de seu registro na Justiça Eleitoral. Ou seja: o partido precisa fechar as portas. O candidato desse partido – o presidente Lula, no caso – não pode ser legalmente responsabilizado por nada, já que sua diplomação como eleito aconteceu há muito tempo. O recebimento de dinheiro estrangeiro, porém, não se resume a esse quadro simples. "Isso é a coisa mais grave que existe", diz o professor Walter Costa Porto, especialista em direito eleitoral e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "É tão grave, mas tão grave, que é a primeira das quatro situações previstas na lei para cassar o registro de um partido político. Isso é um atentado à soberania do país. É letal", comenta o ex-ministro. Caso as investigações oficiais confirmem que o PT recebeu dinheiro de Cuba, e o partido venha a ter o registro cancelado, o cenário político brasileiro será varrido por um Katrina: isso porque os petistas, sem partido, não poderiam se candidatar na eleição de 2006. Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com reportagem de Alexandre Oltramari, de Brasília; Antonio Ribeiro, de Paris; Daniela Pinheiro, de Ribeirão Preto; e Ronaldo Soares, do Rio de Janeiro
ROGÉRIO BURATTI, advogado, ex-assessor de Antonio Palocci, ao confirmar a existência da operação
A história acima, resumida em três tópicos, foi confirmada a VEJA por duas fontes altamente relevantes, dado o pleno acesso que tiveram aos detalhes do caso. A primeira foi o advogado Rogério Buratti, que também trabalhou na prefeitura de Ribeirão Preto na gestão de Palocci. Procurado por VEJA no dia 20 de outubro, uma quinta-feira, Buratti recebeu a revista no restaurante do hotel San Diego, em Belo Horizonte. A entrevista durou duas horas e meia. Reticente, Buratti não queria falar sobre o assunto, mas não se furtou a confirmar o que sabia. "Fui consultado por Ralf Barquete, a pedido do Palocci, sobre como fazer para trazer 3 milhões de dólares de Cuba", disse Buratti. Segundo ele, a consulta sobre a transação cubana ocorreu durante um encontro dos dois no Tennis Park, um clube de Ribeirão Preto onde Buratti e Barquete costumavam jogar tênis pela manhã. Buratti sugeriu internar o dinheiro cubano pela via que lhe parecia mais fácil. "Disse que poderia ser através de doleiros." O advogado relata que, depois disso, não teve mais contato com o assunto, mas dias depois foi informado de seu desfecho. "Sei que o dinheiro veio, mas não sei como." As declarações de Buratti foram gravadas com seu consentimento. VEJA relatou ao ministro Palocci a história contada à revista pelos seus ex-auxiliares. O comentário do ministro: "Nunca ouvi falar nada sobre isso. Pelo que estou ouvindo agora, me parece algo muito fantasioso".
A outra confirmação veio de uma fonte ainda mais qualificada, já que teve participação direta na Operação Cuba: o economista Vladimir Poleto, que hoje trabalha como consultor de empresas. Poleto recebeu VEJA no dia 21 de outubro, uma sexta-feira, no bar do hotel Plaza Inn, em Ribeirão Preto. A conversa estendeu-se das 10 da noite até as 3 da madrugada. Poleto, apesar da longa duração do contato, ficou assustado a maior parte do tempo. "Essa história pode derrubar o governo", disse ele mais de uma vez, sempre passando as mãos pela cabeça, em sinal de nervosismo e preocupação. No decorrer da entrevista, no entanto, Poleto confessou que ele mesmo transportou o dinheiro de Brasília a Campinas, voando como passageiro em um aparelho Seneca em que estavam apenas o piloto e ele. Fez questão de ressalvar que, na ocasião, não sabia que levava dinheiro. Achava que era bebida. "Eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida", disse. "Depois do acontecimento, fiquei sabendo que tinha dinheiro dentro de uma das caixas", completou, acrescentando: "Quem me disse isso foi Ralf Barquete. O valor era 1,4 milhão de dólares".
"EU PEGUEI UM AVIÃO DE BRASÍLIA COM DESTINO A SÃO PAULO COM TRÊS CAIXAS DE BEBIDA. DEPOIS DO ACONTECIMENTO, FIQUEI SABENDO QUE TINHA DINHEIRO DENTRO DE UMA DAS CAIXAS. QUEM ME DISSE ISSO FOI RALF BARQUETE. O VALOR ERA 1,4 MILHÃO DE DÓLARES."
VLADIMIR POLETO, ao admitir sua participação no transporte do dinheiro cubano para a campanha
Poleto conta que, quando recebeu a missão de pegar o dinheiro cubano, foi orientado a ir ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ali, embarcou no Seneca, emprestado por Roberto Colnaghi, um empresário amigo de Palocci e um dos maiores fabricantes de equipamentos para irrigação agrícola do país. O avião decolou cedo de Congonhas, por volta das 6 e meia da manhã, e pousou em Brasília em torno das 10 horas. Ao contrário do que fora combinado, não havia nenhum carro à espera de Poleto no aeroporto da capital federal. Lá pelas 11 da manhã, chegou uma van. Depois de embarcar nela, Poleto foi levado a um apartamento em Brasília, de cujo endereço não se recorda. Foi recebido por um cubano, negro e alto, que lhe entregou as três caixas de "bebida", lacradas com fitas adesivas. "Lembro que era um apartamento simples", diz. De volta ao aeroporto de Brasília, as caixas foram embarcadas no Seneca e iniciou-se a viagem de regresso, que, por causa do mau tempo, terminou no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e não em Congonhas.
Por celular, Poleto avisou o amigo Barquete da alteração de aeroporto e foi orientado a não desgrudar das caixas. Por volta das 7 da noite, Barquete, que vinha de Congonhas, chegou a Viracopos. Estava em um Omega preto, dirigido por Éder Eustáquio Soares Macedo, que hoje trabalha como motorista da representação do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro. O motorista ajudou a colocar as caixas no porta-malas e dirigiu o carro até São Paulo, onde o material foi entregue a Delúbio Soares. "Nunca recebi dinheiro de Ralf Barquete", mandou dizer o ex-tesoureiro do PT. Na semana passada, Éder Macedo confirmou a expedição a VEJA. "Não me lembro do dia em que isso aconteceu, mas aconteceu", disse. Por alguma razão Éder Macedo, pouco depois dessa confirmação, entendeu que não deveria falar do assunto e não atendeu mais os telefonemas de VEJA, impedindo assim que a revista pudesse confirmar com ele outros detalhes. O Omega fora alugado pelo comitê eleitoral do PT. O dono da locadora chama-se Roberto Carlos Kurzweil, outro empresário de Ribeirão Preto. Kurzweil confirmou a VEJA que cedeu os serviços de Éder Macedo, então seu motorista, para o PT.
Um petista que pediu para que sua identidade não fosse revelada contou a VEJA que, da parte do governo de Cuba, quem tomou conta da operação foi Sérgio Cervantes. Ele é cubano, negro e alto, conferindo com a descrição que Poleto faz do sujeito que lhe entregou as três caixas de "bebida" em Brasília. Cervantes morou em um modesto apartamento na capital federal, localizado na Asa Sul, pelo menos até 2003, quando deixou o posto de conselheiro político da embaixada cubana no Brasil. Cervantes é, de fato, o homem das operações delicadas. Foi a primeira autoridade cubana a se encontrar com um funcionário do governo brasileiro para tratar do reatamento das relações diplomáticas entre Brasil e Cuba, que foi, afinal, consumado em 14 de junho de 1986. "Em Cuba, quem trata desse tipo de missão, assim como acontecia na URSS e países comunistas, são espiões. Cervantes é agente do Ministério do Interior", diz um diplomata brasileiro que o conhece pessoalmente. Cervantes também foi cônsul de Cuba no Rio de Janeiro. É íntimo dos petistas.
Em março de 2003, quando deixou o cargo na embaixada, Cervantes, que é amigo de Fidel Castro e dirigente do Partido Comunista de Cuba, fez questão de dar um abraço fraternal de despedida no presidente Lula e no então ministro José Dirceu. A cena foi fotografada e a imagem está publicada nesta página. Cervantes conheceu Lula ainda nos tempos de movimento sindical, no ABC paulista. Tornou-se também grande amigo de José Dirceu. Eles se conheceram ainda no fim da década de 60, quando Dirceu esteve exilado na ilha, e nunca mais perderam contato. Cervantes é quem costuma recepcionar Dirceu em suas visitas à ilha. Em julho do ano passado, por exemplo, quando o então ministro da Casa Civil passou uma semana de descanso em Cuba, Cervantes foi recebê-lo no aeroporto e levou-o para um encontro com Fidel Castro. Em retribuição, o agente cubano ganhou uma caixa com peças de reposição de automóvel, produto escassíssimo em Cuba. Cervantes nega que tenha havido ajuda financeira de Cuba para Lula. "Cuba está é precisando de dinheiro. Como é que pode mandar?", disse. "Isso não é verdade."
A investigação de VEJA, associada às confirmações de duas testemunhas, compõe um quadro sólido a respeito da operação do dinheiro cubano, mas há um ponto que merece reflexão. Buratti e Poleto apresentam depoimentos fortes e comprometedores, mas embasam-nos no que ouviram falar de Ralf Barquete – uma testemunha que não pode mais ser ouvida. Em 8 de junho de 2004, Barquete morreu vítima de câncer, aos 51 anos. Seria possível que Buratti e Poleto estivessem sustentando uma história falsa com base num morto, apenas porque não pode contestá-la? No submundo do dinheiro clandestino e das operações secretas, quase tudo é possível e seria leviano descartar liminarmente a hipótese de que a grande vítima fosse o morto. Os contornos dos fatos e os detalhes dos perfis dos envolvidos, porém, mostram que nem Buratti nem Poleto estão combinados em uma armação. A começar pelo fato de que, entrevistados por VEJA em dias, locais e cidades distintas, contam ambos uma história semelhante, mas não idêntica. Buratti diz que soube que Cuba mandou 3 milhões de dólares. Poleto, 1,4 milhão.
É improvável que numa versão montada haja divergência sobre um detalhe tão central, mas há outro dado mais relevante – o de que Vladimir Poleto, depois de dizer tudo o que disse a VEJA, mudou de idéia. Ele despachou um e-mail para a revista pedindo para que não se fizesse "uso do conteúdo" da conversa. Ali, sugere que não autorizou a gravação do diálogo e dá a entender que, diante de "diversos copos de chope", pode ter caído involuntariamente no "exacerbamento de posicionamentos". VEJA respondeu o e-mail, indagando as razões que o teriam levado a uma mudança tão radical de postura, mas Poleto não respondeu. Por essa razão, a revista mantém, no corpo desta reportagem, os termos do acordo selado com o entrevistado, que autorizou a publicação do conteúdo da conversa e a revelação de sua identidade. Houve, inclusive, uma gravação da entrevista, também devidamente autorizada por Poleto. A gravação, com sete minutos de duração, resume, na voz dele, os trechos mais importantes das revelações que fez em cinco horas de conversa no Plaza Inn. A tentativa de recuo de Poleto é uma expressão do peso da verdade.
O aspecto mais decisivo da sinceridade com que Buratti e Poleto falaram de Barquete talvez seja o fato de que ambos têm profundo respeito pela memória do amigo falecido. Os três foram amigos íntimos até a morte de Barquete. As famílias se conheciam e se visitavam. Poleto, até hoje, é um amigo muito próximo do irmão de Barquete, Ruy Barquete, que trabalha na Procomp, uma grande fornecedora de terminais de loteria para a Caixa Econômica Federal. Até a viúva de Barquete, Sueli Ribas Santos, já comentou o assunto. Foi em um período em que se encontrava magoada com o PT por entender que seu falecido marido estava sendo crucificado. Buratti denunciara que o então prefeito Palocci recebia um mensalão de 50.000 reais de uma empresa de recolhimento de lixo – e quem pegava o dinheiro era o secretário da Fazenda, Ralf Barquete. A viúva desabafou: "Eles pegavam dinheiro até de Cuba!" O desabafo foi feito para um empresário de Ribeirão Preto, Chaim Zaher, dono de uma escola e de uma faculdade, além de uma emissora de rádio. Zaher não foi encontrado por VEJA para falar do assunto. A viúva, que já não tem mágoa do PT, nega.
A amizade entre Barquete, Buratti e Poleto prosseguiu em Brasília, com a posse do governo do PT. Eles todos costumavam freqüentar uma mesma casa, alugada num bairro nobre de Brasília, na qual discutiam eventuais negócios que poderiam ser feitos tendo como gancho a influência que tinham junto ao ministro da Fazenda. O próprio Palocci freqüentou a casa, à qual os amigos chamavam de "central de negócios". A casa foi alugada por Poleto, que pagou adiantado e em dinheiro vivo os primeiros meses de aluguel. Foram 60.000 reais. "Era para ser uma espécie de ponto de referência para quem quisesse fazer negócios em Brasília", diz Poleto. O grupo de amigos de Ribeirão Preto que ia à casa era mais amplo. Incluía o empresário Roberto Colnaghi, o dono do Seneca que voou com os dólares cubanos. E não só: Colnaghi também é um dos sócios do jato Citation, prefixo PT-XAC, que ficava à disposição de Palocci durante a campanha de Lula. A casa era freqüentada ainda por Roberto Kurzweil, o dono do Omega blindado em que Barquete transportou os dólares cubanos. Kurzweil também era dono do blindado usado pelo então tesoureiro Delúbio Soares.
De Cuba, sabe-se que não sai dinheiro privado, pelo menos não em quantidades expressivas. Não há um empresário privado altamente bem-sucedido que possa se interessar em despachar recursos para o PT, ou mesmo uma ONG – política, humanitária, ecológica, o que fosse – que, clandestinamente, pudesse querer ajudar os petistas na sua empreitada para governar o Brasil. Por essa razão, é lícito supor que o dinheiro que chegou ao caixa dois do PT deve ter saído apenas de dois lugares que, no fundo, constituem um só: os cofres do governo cubano ou os cofres do único partido político legalmente organizado, o Partido Comunista Cubano. Isso significa dizer que o Estado cubano, com sua contribuição financeira, seja ela de 3 milhões de dólares, seja de 1,4 milhão, procurou interferir nos rumos da política brasileira. Na história da humanidade, são inúmeros os casos em que um governo estrangeiro tenta influir nos destinos de outro. Mas quem cedeu aos encantos de Cuba cometeu um crime. E grave.
A Lei 9096, aprovada em 1995, informa que é proibido um partido político receber recursos do exterior. Se isso ocorre, o partido fica sujeito ao cancelamento de seu registro na Justiça Eleitoral. Ou seja: o partido precisa fechar as portas. O candidato desse partido – o presidente Lula, no caso – não pode ser legalmente responsabilizado por nada, já que sua diplomação como eleito aconteceu há muito tempo. O recebimento de dinheiro estrangeiro, porém, não se resume a esse quadro simples. "Isso é a coisa mais grave que existe", diz o professor Walter Costa Porto, especialista em direito eleitoral e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "É tão grave, mas tão grave, que é a primeira das quatro situações previstas na lei para cassar o registro de um partido político. Isso é um atentado à soberania do país. É letal", comenta o ex-ministro. Caso as investigações oficiais confirmem que o PT recebeu dinheiro de Cuba, e o partido venha a ter o registro cancelado, o cenário político brasileiro será varrido por um Katrina: isso porque os petistas, sem partido, não poderiam se candidatar na eleição de 2006. Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com reportagem de Alexandre Oltramari, de Brasília; Antonio Ribeiro, de Paris; Daniela Pinheiro, de Ribeirão Preto; e Ronaldo Soares, do Rio de Janeiro
sexta-feira, outubro 28, 2005
Anular as votações do mensalão
Luciana Genro
Por 13 votos a 1 (da petista Ângela Guadagnin) foi aprovado no Conselho de Ética da Câmara o parecer do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) pela cassação do deputado José Dirceu. O ex-ministro foi abandonado pela própria base governista que deu votos pela cassação. Para além da provável cassação do deputado, é interessante analisarmos as conseqüências desta decisão, que ainda será submetida ao plenário da Câmara, no que diz respeito ao debate sobre a existência real ou não do mensalão. O PT, o PP, o PL e os demais partidos do Governo tem sustentado que o mensalão nunca existiu. O próprio partido do relator Júlio Delgado, o PSB, é um destes. Entretanto o relatório do deputado Delgado é enfático em pedir a cassação do deputado José Dirceu, apontando-o como o autor intelectual do mensalão. Vejamos em sua próprias palavras:
“A Câmara dos Deputados inegavelmente curvou-se a um esquema de corrupção ardilosamente arquitetado com o intuito de manipular a atuação de bancadas e partidos. É lastimável. Mas temos de ter coragem de reconhecer e admitir que este esquema de 'governabilidade de amor remunerado' só alcançaria êxito em ambiente promíscuo”.
A quebra de sigilo bancário permite a conclusão evidente de que os saques nas contas de Marcos Valério coincidiram com votações importantes no Congresso Nacional, como o caso da MP que liberou os transgênicos, citada pelo relator. Ele descreve a “relação entre PT, governo federal e partidos aliados a responsável por este esquema de negociatas denunciado no país e que tinha como objetivo garantir ao PT uma hegemonia de longa duração”. Agregando que era um esquema “atentatório ao livre desenvolvimento da democracia brasileira.” Júlio Delgado conclui afirmando que “a lógica humana nos permite, através de evidências irrefutáveis, afirmar que o deputado José Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem”. Portanto, ele deverá ser cassado por ser o mentor do mensalão, além de outras atitudes anti-éticas, como tráfico de influência. Esta conclusão foi submetida ao voto dos membros do Conselho de Ética, que aprovou-a por quase unanimidade.
É preciso tratar com seriedade este tema. O PSOL tem afirmado constantemente que há indícios muito categóricos de que o mensalão existiu. Por isso defendemos a cassação de todos os deputados envolvidos, defendemos a abertura dos sigilos bancários e telefônicos de todos, não só dos apontados pela CPI, pois certamente o dinheiro foi distribuído entre os deputados da base, e até agora apenas o nome dos líderes apareceu. E, como bem disse o deputado Delgado, esta prática foi atentatória à democracia. As votações foram fraudadas. Que legitimidade existe em uma votação que por escassa margem de votos (a reforma da previdência passou por 40 votos) interferiu na vida de milhares de pessoas, e que está sob a suspeita de ter sido comprada?
É bom lembrar que não foram só os servidores públicos os prejudicados. A reforma tributária prorrogou a DRU, Desvinculação de Receitas da União, permitindo a continuidade do confisco de 20% das receitas que deveriam ir para a seguridade e para a educação, jogando-as para compor o superávit primário e atender a sanha dos banqueiros e dos mercados. Além disso ela também prorrogou a CPMF, um dos impostos mais regressivos pois taxa com a mesma alíquota quem ganha R$500 ou R$ 500 mil.
Basta observar os saques nas contas de Marcos Valério, informados pelo COAF, para perceber a fraude evidente:
· Reforma tributária, aprovado em segundo turno na Câmara em 24 de setembro de 2003; saques efetuados nos dias 23, 25 e 26 de setembro. Total: R$ 1,212 milhão.
A matéria é modificada no Senado em 17 de dezembro de 2003; constam saques nos dias 17 e 19 de dezembro. Total: R$ 470 mil.
· Medida Provisória do salário mínimo, aprovada pela primeira vez na Câmara em 2 de junho de 2004. A matéria é votada novamente na Câmara em 23 de junho, depois de ter sido modificada no Senado.
Saques totais na primeira votação: R$ 500 mil. Na segunda votação: R$ 200 mil.
· Medida Provisória que concedeu status de ministro ao presidente do BC, aprovada na Câmara em 1º de dezembro de 2004.
Saques nos dias 29 e 30 de novembro do mesmo ano. Total: R$ 480 mil.
· Medida Provisória dos Bingos (editada após o episódio Waldomiro Diniz proibindo o funcionamento de bingos no país). Foi aprovada pela Câmara em 30 de março de 2004. O saque foi feito em 29 de março. Total: R$ 200 mil.
· Reforma da Previdência, aprovada em primeiro turno pela Câmara em 5 de agosto de 2003. Saque em 6 de agosto: R$ 200 mil.
Aprovada em segundo turno pela Câmara em 27 de agosto de 2003. Saques entre os dias 25 e 26 de agosto. Total: R$ 200 mil.
No Senado, a matéria é aprovada em 26 de novembro de 2003. Há saques nos dias 26 e 27 no valor total de R$ 400 mil. Aprovada em segundo turno no Senado em 11 de dezembro de 2003. Saque de R$ 120 mil em 10 de dezembro.
Diante disto não resta outra alternativa senão anular estas votações. A grande pizza que está sendo assada no Congresso é esta: cassa-se meia dúzia de deputados, mas mantém-se intocado o resultado essencial do mensalão. Votações fraudadas pela compra de votos continuarão valendo e causando imensos prejuízos ao povo brasileiro.
Luciana Genro é líder do PSOL na Câmara dos Deputados
Por 13 votos a 1 (da petista Ângela Guadagnin) foi aprovado no Conselho de Ética da Câmara o parecer do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) pela cassação do deputado José Dirceu. O ex-ministro foi abandonado pela própria base governista que deu votos pela cassação. Para além da provável cassação do deputado, é interessante analisarmos as conseqüências desta decisão, que ainda será submetida ao plenário da Câmara, no que diz respeito ao debate sobre a existência real ou não do mensalão. O PT, o PP, o PL e os demais partidos do Governo tem sustentado que o mensalão nunca existiu. O próprio partido do relator Júlio Delgado, o PSB, é um destes. Entretanto o relatório do deputado Delgado é enfático em pedir a cassação do deputado José Dirceu, apontando-o como o autor intelectual do mensalão. Vejamos em sua próprias palavras:
“A Câmara dos Deputados inegavelmente curvou-se a um esquema de corrupção ardilosamente arquitetado com o intuito de manipular a atuação de bancadas e partidos. É lastimável. Mas temos de ter coragem de reconhecer e admitir que este esquema de 'governabilidade de amor remunerado' só alcançaria êxito em ambiente promíscuo”.
A quebra de sigilo bancário permite a conclusão evidente de que os saques nas contas de Marcos Valério coincidiram com votações importantes no Congresso Nacional, como o caso da MP que liberou os transgênicos, citada pelo relator. Ele descreve a “relação entre PT, governo federal e partidos aliados a responsável por este esquema de negociatas denunciado no país e que tinha como objetivo garantir ao PT uma hegemonia de longa duração”. Agregando que era um esquema “atentatório ao livre desenvolvimento da democracia brasileira.” Júlio Delgado conclui afirmando que “a lógica humana nos permite, através de evidências irrefutáveis, afirmar que o deputado José Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem”. Portanto, ele deverá ser cassado por ser o mentor do mensalão, além de outras atitudes anti-éticas, como tráfico de influência. Esta conclusão foi submetida ao voto dos membros do Conselho de Ética, que aprovou-a por quase unanimidade.
É preciso tratar com seriedade este tema. O PSOL tem afirmado constantemente que há indícios muito categóricos de que o mensalão existiu. Por isso defendemos a cassação de todos os deputados envolvidos, defendemos a abertura dos sigilos bancários e telefônicos de todos, não só dos apontados pela CPI, pois certamente o dinheiro foi distribuído entre os deputados da base, e até agora apenas o nome dos líderes apareceu. E, como bem disse o deputado Delgado, esta prática foi atentatória à democracia. As votações foram fraudadas. Que legitimidade existe em uma votação que por escassa margem de votos (a reforma da previdência passou por 40 votos) interferiu na vida de milhares de pessoas, e que está sob a suspeita de ter sido comprada?
É bom lembrar que não foram só os servidores públicos os prejudicados. A reforma tributária prorrogou a DRU, Desvinculação de Receitas da União, permitindo a continuidade do confisco de 20% das receitas que deveriam ir para a seguridade e para a educação, jogando-as para compor o superávit primário e atender a sanha dos banqueiros e dos mercados. Além disso ela também prorrogou a CPMF, um dos impostos mais regressivos pois taxa com a mesma alíquota quem ganha R$500 ou R$ 500 mil.
Basta observar os saques nas contas de Marcos Valério, informados pelo COAF, para perceber a fraude evidente:
· Reforma tributária, aprovado em segundo turno na Câmara em 24 de setembro de 2003; saques efetuados nos dias 23, 25 e 26 de setembro. Total: R$ 1,212 milhão.
A matéria é modificada no Senado em 17 de dezembro de 2003; constam saques nos dias 17 e 19 de dezembro. Total: R$ 470 mil.
· Medida Provisória do salário mínimo, aprovada pela primeira vez na Câmara em 2 de junho de 2004. A matéria é votada novamente na Câmara em 23 de junho, depois de ter sido modificada no Senado.
Saques totais na primeira votação: R$ 500 mil. Na segunda votação: R$ 200 mil.
· Medida Provisória que concedeu status de ministro ao presidente do BC, aprovada na Câmara em 1º de dezembro de 2004.
Saques nos dias 29 e 30 de novembro do mesmo ano. Total: R$ 480 mil.
· Medida Provisória dos Bingos (editada após o episódio Waldomiro Diniz proibindo o funcionamento de bingos no país). Foi aprovada pela Câmara em 30 de março de 2004. O saque foi feito em 29 de março. Total: R$ 200 mil.
· Reforma da Previdência, aprovada em primeiro turno pela Câmara em 5 de agosto de 2003. Saque em 6 de agosto: R$ 200 mil.
Aprovada em segundo turno pela Câmara em 27 de agosto de 2003. Saques entre os dias 25 e 26 de agosto. Total: R$ 200 mil.
No Senado, a matéria é aprovada em 26 de novembro de 2003. Há saques nos dias 26 e 27 no valor total de R$ 400 mil. Aprovada em segundo turno no Senado em 11 de dezembro de 2003. Saque de R$ 120 mil em 10 de dezembro.
Diante disto não resta outra alternativa senão anular estas votações. A grande pizza que está sendo assada no Congresso é esta: cassa-se meia dúzia de deputados, mas mantém-se intocado o resultado essencial do mensalão. Votações fraudadas pela compra de votos continuarão valendo e causando imensos prejuízos ao povo brasileiro.
Luciana Genro é líder do PSOL na Câmara dos Deputados
segunda-feira, outubro 24, 2005
O que você precisa saber para ter uma arma
1. Quando entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento? E quando foi regulamentado?
A Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, entrou em vigor no dia seguinte à sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi publicada no Diário Oficial da União. Portanto, começou a vigorar no dia 23 de dezembro de 2003. O decreto que a regulamentou, nº 5.123 de 01/07/2004, foi publicado no Diário Oficial da União no dia 02 de julho de 2004, começando a vigorar naquela data.
2. Por que foi preciso regulamentar o estatuto? Como foi esse processo?
Porque alguns artigos não eram auto-aplicáveis, como por exemplo o teste psicotécnico para a aquisição e porte de armas de fogo, marcação de munição e indenização para quem entregar sua arma. O governo federal constituiu, então, uma comissão especial para elaborar o texto do decreto, pela portaria 388 de 04/02/2004, composta por técnicos dos ministérios da Justiça e da Defesa. Os trabalhos da comissão foram coordenados pela secretária de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Ivete Lund Viegas.
Esse trabalho esteve disponível nas páginas da internet desses ministérios, por 15 dias, com o objetivo de receber sugestões da população (consulta pública), além da audiência pública, realizada no auditório do MJ, e que contou com mais de 100 pessoas representativas dos vários segmentos da sociedade.
Após três meses e meio de discussões, no dia 20 de maio, a comissão entregou o texto proposto aos ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e da Defesa, José Viegas, em solenidade simbólica no Ministério da Justiça.
3. Quais são os principais pontos da nova lei?
Em regra, a lei proíbe o porte de armas por civis, com exceção para casos onde há ameaça à vida da pessoa;
* O porte de arma terá duração previamente determinada, estará sujeita à demonstração de efetiva necessidade, a requisitos para a obtenção de registro;
* O porte poderá ser cassado a qualquer tempo, principalmente se o portador for abordado com sua arma em estado de embriaguez ou sob efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor;
* As taxas cobradas para a emissão de autorização para porte e registro de armas de fogo foram aumentadas, de maneira a dissuadir o pedido de novas permissões. Para novo registro, renovação ou segunda via, a taxa é de R$ 300. Para a expedição de porte, renovação ou segunda via do mesmo, a taxa é de R$ 1 mil.
4. Que órgão é responsável pelo registro da arma?
A Polícia Federal, se a arma for de uso permitido, e o Comando do Exército, se for de uso restrito. Não existe mais o registro estadual.
5. Qual a diferença entre registro e porte de arma?
O registro é o documento da arma, ele deverá conter todos os dados relativos à identificação da arma e de seu proprietário. Esses dados deverão ser cadastrados no Sinarm (Polícia Federal) ou no Sigma (Comando do Exército). O porte é a autorização para o proprietário andar armado.
6. Quem poderá andar armado no Brasil?
Somente poderão andar armados os responsáveis pela garantia da segurança pública, integrantes das Forças Armadas, policiais, agentes de inteligência e agentes de segurança privada. E civis com porte concedido pela Polícia Federal.
7. Quem pode comprar arma de fogo no Brasil?
Somente maiores de 25 anos poderão comprar arma de fogo. As pesquisas sobre vitimização na sociedade brasileira revelam que o número esmagador de perpetradores e vítimas de mortes ocorridas com o uso de arma de fogo é formado por homens jovens entre 17 e 24 anos. Em razão desta constatação empírica, a idade mínima para se adquirir e portar arma de fogo foi elevada de 21 para 25 anos.
8. Como o Estatuto trata o comércio ilegal e o tráfico internacional de arma de fogo?
Houve mudança significativa na legislação penal, que prevê penas mais específicas para condutas até então tratadas da mesma maneira, como o comércio ilegal e o tráfico internacional de armas, até então tipificadas como contrabando e descaminho. As penas para ambos os casos é de reclusão de quatro a oito anos e multa. Se a arma, acessório ou munição comercializada ilegalmente for de uso proibido ou restrito, a pena é aumentada da metade. Se o crime for cometido por integrante dos órgãos militares, policiais, agentes, guardas prisionais, segurança privada e de transporte de valores, ou por entidades desportistas, a pena também será aumentada da metade. Se a arma de fogo for de uso restrito, os crimes de posse ou porte ilegal, o comércio ilegal e o tráfico internacional são insuscetíveis de liberdade provisória, ou seja, o acusado não poderá responder o processo em liberdade.
9. Haverá um cadastro único de controle de armas de fogo?
Não. O que existirá é a integração entre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, gerido pela Polícia Federal, e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma, do Comando do Exército. Isso permitirá ao Estado ter o controle de toda a vida da arma de fogo: desde o momento em que é produzida ou importada, se foi destinada às forças de segurança ou se foi posta à venda no varejo, para quem foi vendida e se aquele que a comprou mantém seu registro atualizado. Toda vez que uma arma ilegal for apreendida, o SINARM será capaz de rastrear o momento em que esta arma saiu da legalidade e iniciar as investigações para apurar eventuais responsabilidades pelo desvio.
10. O que acontecerá com as armas apreendidas ou entregues pela população?
Elas serão destruídas pelo Comando do Exército.
11. Como o cidadão que possui uma arma de fogo deverá proceder daqui para frente?
Os proprietários de armas de fogo registradas terão três anos, a partir da publicação da regulamentação, para renovar o registro, de acordo com os requisitos da nova lei. Aqueles que possuem armas, mas não têm o registro, terão o prazo de 180 dias, a contar de 23 de junho de 2004 (Lei 10.884, de 17/06/04), para regularizar a situação perante a Polícia Federal, ou entregá-las. Nesse sentido, essas pessoas poderão ser indenizadas, se comprovada a boa-fé. As armas registradas poderão ser entregues a qualquer tempo e o Estado irá indenizar seus proprietários.
12. E quem quiser ficar com a arma de fogo, o que deverá fazer?
Registrá-la. E somente poderá tê-la sob sua posse no interior de sua residência.
13. Que requisitos são necessários para o cidadão registrar uma arma de fogo?
A nova lei determina que o interessado em manter uma arma de fogo em seu domicílio deverá declarar sua efetiva necessidade, apresentar certidões de antecedentes criminais, não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, apresentar documento que comprove sua ocupação lícita e residência certa e comprovar sua capacidade técnica e aptidão psicológica para manuseio de arma. Apenas após a apresentação de todos esses requisitos, o interessado em comprar uma arma de fogo receberá do SINARM uma autorização para a compra. Tais medidas visam restringir a emissão de registro de arma apenas àqueles que apresentam todas as condições para manter uma arma sob sua responsabilidade em sua residência.
14. Os portes de armas existentes perdem a validade com a nova lei?
Os portes de arma de fogo já concedidos expiram em 90 dias, a contar do dia 23 de junho de 2004. Aquele que tenha a efetiva necessidade de renovar seu porte deverá encaminhar seu pedido nesse prazo à Polícia Federal e submeter-se às novas regras.
15. O que acontece com quem for pego armado sem o porte?
Será preso. O porte ilegal é crime inafiançável. Só pagará fiança quem for pego portando arma de fogo de uso permitido e esta estar registrada em seu nome. Se o porte ilegal de arma for de uso restrito, além de ser crime inafiançável, o réu não terá direito à liberdade provisória. O mesmo tratamento terá quem praticar o comércio ilegal e o tráfico internacional de arma de fogo.
Fonte : http://www.mj.gov.br/seguranca/desarmamento.htm / Noblat
A Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, entrou em vigor no dia seguinte à sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi publicada no Diário Oficial da União. Portanto, começou a vigorar no dia 23 de dezembro de 2003. O decreto que a regulamentou, nº 5.123 de 01/07/2004, foi publicado no Diário Oficial da União no dia 02 de julho de 2004, começando a vigorar naquela data.
2. Por que foi preciso regulamentar o estatuto? Como foi esse processo?
Porque alguns artigos não eram auto-aplicáveis, como por exemplo o teste psicotécnico para a aquisição e porte de armas de fogo, marcação de munição e indenização para quem entregar sua arma. O governo federal constituiu, então, uma comissão especial para elaborar o texto do decreto, pela portaria 388 de 04/02/2004, composta por técnicos dos ministérios da Justiça e da Defesa. Os trabalhos da comissão foram coordenados pela secretária de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Ivete Lund Viegas.
Esse trabalho esteve disponível nas páginas da internet desses ministérios, por 15 dias, com o objetivo de receber sugestões da população (consulta pública), além da audiência pública, realizada no auditório do MJ, e que contou com mais de 100 pessoas representativas dos vários segmentos da sociedade.
Após três meses e meio de discussões, no dia 20 de maio, a comissão entregou o texto proposto aos ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e da Defesa, José Viegas, em solenidade simbólica no Ministério da Justiça.
3. Quais são os principais pontos da nova lei?
Em regra, a lei proíbe o porte de armas por civis, com exceção para casos onde há ameaça à vida da pessoa;
* O porte de arma terá duração previamente determinada, estará sujeita à demonstração de efetiva necessidade, a requisitos para a obtenção de registro;
* O porte poderá ser cassado a qualquer tempo, principalmente se o portador for abordado com sua arma em estado de embriaguez ou sob efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor;
* As taxas cobradas para a emissão de autorização para porte e registro de armas de fogo foram aumentadas, de maneira a dissuadir o pedido de novas permissões. Para novo registro, renovação ou segunda via, a taxa é de R$ 300. Para a expedição de porte, renovação ou segunda via do mesmo, a taxa é de R$ 1 mil.
4. Que órgão é responsável pelo registro da arma?
A Polícia Federal, se a arma for de uso permitido, e o Comando do Exército, se for de uso restrito. Não existe mais o registro estadual.
5. Qual a diferença entre registro e porte de arma?
O registro é o documento da arma, ele deverá conter todos os dados relativos à identificação da arma e de seu proprietário. Esses dados deverão ser cadastrados no Sinarm (Polícia Federal) ou no Sigma (Comando do Exército). O porte é a autorização para o proprietário andar armado.
6. Quem poderá andar armado no Brasil?
Somente poderão andar armados os responsáveis pela garantia da segurança pública, integrantes das Forças Armadas, policiais, agentes de inteligência e agentes de segurança privada. E civis com porte concedido pela Polícia Federal.
7. Quem pode comprar arma de fogo no Brasil?
Somente maiores de 25 anos poderão comprar arma de fogo. As pesquisas sobre vitimização na sociedade brasileira revelam que o número esmagador de perpetradores e vítimas de mortes ocorridas com o uso de arma de fogo é formado por homens jovens entre 17 e 24 anos. Em razão desta constatação empírica, a idade mínima para se adquirir e portar arma de fogo foi elevada de 21 para 25 anos.
8. Como o Estatuto trata o comércio ilegal e o tráfico internacional de arma de fogo?
Houve mudança significativa na legislação penal, que prevê penas mais específicas para condutas até então tratadas da mesma maneira, como o comércio ilegal e o tráfico internacional de armas, até então tipificadas como contrabando e descaminho. As penas para ambos os casos é de reclusão de quatro a oito anos e multa. Se a arma, acessório ou munição comercializada ilegalmente for de uso proibido ou restrito, a pena é aumentada da metade. Se o crime for cometido por integrante dos órgãos militares, policiais, agentes, guardas prisionais, segurança privada e de transporte de valores, ou por entidades desportistas, a pena também será aumentada da metade. Se a arma de fogo for de uso restrito, os crimes de posse ou porte ilegal, o comércio ilegal e o tráfico internacional são insuscetíveis de liberdade provisória, ou seja, o acusado não poderá responder o processo em liberdade.
9. Haverá um cadastro único de controle de armas de fogo?
Não. O que existirá é a integração entre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, gerido pela Polícia Federal, e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma, do Comando do Exército. Isso permitirá ao Estado ter o controle de toda a vida da arma de fogo: desde o momento em que é produzida ou importada, se foi destinada às forças de segurança ou se foi posta à venda no varejo, para quem foi vendida e se aquele que a comprou mantém seu registro atualizado. Toda vez que uma arma ilegal for apreendida, o SINARM será capaz de rastrear o momento em que esta arma saiu da legalidade e iniciar as investigações para apurar eventuais responsabilidades pelo desvio.
10. O que acontecerá com as armas apreendidas ou entregues pela população?
Elas serão destruídas pelo Comando do Exército.
11. Como o cidadão que possui uma arma de fogo deverá proceder daqui para frente?
Os proprietários de armas de fogo registradas terão três anos, a partir da publicação da regulamentação, para renovar o registro, de acordo com os requisitos da nova lei. Aqueles que possuem armas, mas não têm o registro, terão o prazo de 180 dias, a contar de 23 de junho de 2004 (Lei 10.884, de 17/06/04), para regularizar a situação perante a Polícia Federal, ou entregá-las. Nesse sentido, essas pessoas poderão ser indenizadas, se comprovada a boa-fé. As armas registradas poderão ser entregues a qualquer tempo e o Estado irá indenizar seus proprietários.
12. E quem quiser ficar com a arma de fogo, o que deverá fazer?
Registrá-la. E somente poderá tê-la sob sua posse no interior de sua residência.
13. Que requisitos são necessários para o cidadão registrar uma arma de fogo?
A nova lei determina que o interessado em manter uma arma de fogo em seu domicílio deverá declarar sua efetiva necessidade, apresentar certidões de antecedentes criminais, não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, apresentar documento que comprove sua ocupação lícita e residência certa e comprovar sua capacidade técnica e aptidão psicológica para manuseio de arma. Apenas após a apresentação de todos esses requisitos, o interessado em comprar uma arma de fogo receberá do SINARM uma autorização para a compra. Tais medidas visam restringir a emissão de registro de arma apenas àqueles que apresentam todas as condições para manter uma arma sob sua responsabilidade em sua residência.
14. Os portes de armas existentes perdem a validade com a nova lei?
Os portes de arma de fogo já concedidos expiram em 90 dias, a contar do dia 23 de junho de 2004. Aquele que tenha a efetiva necessidade de renovar seu porte deverá encaminhar seu pedido nesse prazo à Polícia Federal e submeter-se às novas regras.
15. O que acontece com quem for pego armado sem o porte?
Será preso. O porte ilegal é crime inafiançável. Só pagará fiança quem for pego portando arma de fogo de uso permitido e esta estar registrada em seu nome. Se o porte ilegal de arma for de uso restrito, além de ser crime inafiançável, o réu não terá direito à liberdade provisória. O mesmo tratamento terá quem praticar o comércio ilegal e o tráfico internacional de arma de fogo.
Fonte : http://www.mj.gov.br/seguranca/desarmamento.htm / Noblat
Entrevista: João Moreira Salles
"É uma imensa decepção", diz documentarista da vitória de Lula
Por Sérgio DÁvila:
João Moreira Salles, 42, está decepcionado. Um dos principais documentaristas do país, reconhecido e premiado mundialmente, filmou 180 horas dos meses finais da campanha vitoriosa do candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2002, que se transformaram no documentário "Entreatos".
Hoje, assim como o público vem fazendo ao assistir de novo a seu filme, Salles repensa aquele momento com olhos críticos. "De um modo geral, o filme virou mais melancólico, se tornou um filme triste. Não era um filme triste, e se tornou", disse ele, em entrevista exclusiva à Folha, que ele concedeu a princípio para falar de um lançamento em sua produtora e da revista que prepara.
Hoje, "Entreatos" se torna quase profético quanto ao principal problema do futuro governo, o despreparo e a falta de um projeto para o Brasil, sufocado por um projeto para a vitória. "Ali, se elegia muito mais um símbolo e muito menos um projeto de país", diz. A seguir, os trechos da entrevista que tratam de política.
Folha - O que você acha desse fenômeno que vem acontecendo com seu "Entreatos", de pessoas querendo revê-lo com outros olhos hoje? Você já reviu sem a cortina da vitória, ou seja, pós-denúncias?
João Moreira Salles - Não. Logo no início das denúncias, como você chama, ainda eram os Correios [em maio, o ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material, Maurício Marinho, foi filmado ao aceitar propina de R$ 3.000 de empresários], estava no início da história [da primeira entrevista] do Roberto Jefferson à Folha. Eu fui a um seminário na Unicamp, e o organizador exibiu trechos do filme.
Ali, de fato, percebi que não é que o filme virou outra coisa. O Brasil virou outra coisa, é um pouco diferente. E porque o Brasil virou outra coisa, determinadas seqüências do filme ganham sentido diferente. O filme virou mais melancólico, um filme triste. Não era um filme triste, e se tornou.
Folha - E os telespectadores assistiram quase com olhos de detetive, tentando achar o Delúbio Soares em atitude suspeita?
Salles - É um fenômeno quase compreensível, porque aquilo é um documento que eu julgo importante sobre a vida política brasileira, não tem nada a ver com a qualidade ou a falta de qualidade do filme, simplesmente pelo fato de uma câmera ter existido ali, tão de perto, naqueles últimos 30 dias. Você está ali diante do fato histórico em andamento. É normal que as pessoas queiram voltar a vê-lo para saber o que o Silvinho [Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT] dizia no avião, que queiram saber o que o José Dirceu dizia, mas fica um pouco do jogo dos sete erros, sabe?
Folha - Se quando o Dirceu pergunta "O que esse pessoal está fazendo aqui?" é um traço dele de autoritarismo...
Salles - Exato, vira um pouco isso. Eu não quis que o filme fosse lançado no "Carnaval da Vitória" - e ali havia um impedimento concreto, eu não conseguiria montar um filme em dois, três meses, mas digamos que conseguisse -, era muito claro para mim que não seria bom para o filme que ele fosse lançado imediatamente após a vitória. Houve uma conversa de co-produção entre a VideoFilmes e a Globo, que teria sido muito bom à VideoFilmes, até como ensaio de parceria. Eu poderia ter aceitado, mas o filme seria visto de forma carnavalesca.
Com o sinal trocado, fenômeno idêntico acontece agora: uma exibição hoje é em primeiro lugar oportunista e, em segundo, produz-se uma leitura viciada do filme. Do mesmo modo que não é o "Carnaval da Vitória", como seria visto se exibido naquele momento, não acho que seja antecipatório da crise, que seria visto dessa maneira hoje.
Daí minha decisão de não relançar o filme. Tem também uma questão de lealdade. O filme foi exibido, as pessoas que quiseram assistir assistiram, e poderão assistir de novo quando for relançado em DVD no ano que vem. Então, cumpriu o seu papel. Um relançamento agora é desleal e oportunista, e você tem de ser leal com qualquer pessoa, no caso o Lula e as pessoas que estavam em torno do Lula e que foram filmadas naquele momento.
O filme vai ficar mais interessante com o tempo. A cena famosa do Dirceu, em que ele diz "Quem são vocês e porque vocês estão filmando?", hoje em dia é vista como um claro indício de seu caráter autoritário.
É uma leitura equivocada, ele está sendo apenas uma pessoa responsável. De fato, é uma loucura deixar uma equipe independente no coração de uma campanha a quatro dias das eleições. Ele ali é o princípio de realidade.
Folha - Já na montagem do filme você encontrou indícios do que viria a se confirmar depois?
Salles - Fica muito claro no filme que a vitória do Lula não foi a vitória de um projeto de país, foi a vitória de um homem com um inegável carisma, com uma trajetória extraordinária num país tão desigual como o Brasil. Portanto, você consegue encontrar indícios da falta de projeto, que é um dos problemas desse governo. Ali, se elegia muito mais um símbolo e muito menos um projeto de país.
Folha - Parte da comunidade artística, cultural e de formadores de opinião tem se manifestado decepcionada com o que veio a acontecer. Qual a sua avaliação?
Salles - Como cidadão, como todo o Brasil, acho que é uma imensa decepção. Ninguém poderia supor que a derrocada seria tão grande. É um momento de melancolia. Eu não torcia por isso, pelo contrário. Não é bom para o Brasil, mesmo para quem não gosta do PT. Continuo achando que se modifica um país no âmbito da política, não há outro lugar para isso no regime democrático.
E essa crise produz uma falta de fé na política, aquela velha coisa reacionária de que todo mundo é igual. E não é verdade. Essa descrença produz o cinismo, e esse cinismo produz, enfim, um vale-tudo. E o PT, por erro próprio, encarnava muito essa idéia de "Nós somos puros". Então, quando o próprio santo peca...
Folha - Se Deus está morto...
Salles - Deus morre, a fé morre. E isso é muito ruim, se a crise do governo Collor reafirmou a fé na política e na democracia, essa crise é mais séria, porque é a crise dos puros. Acho que o Lula não é um político como os outros, assim como não acho que o FHC seja como os outros. Fico irritado com essa conversa de que não há diferença entre Maluf e Lula. Claro que existe. Nesse sentido, é um momento muito muito triste para o Brasil. Porque a gente elegeu o símbolo, e o símbolo se desfez. Era o único patrimônio dele [Lula], e ele pode ter perdido.
Folha - Você vê exageros ou generalizações da imprensa?
Salles - A imprensa está cumprindo bem o seu papel, de um modo geral. Mas a generalização ocorre mesmo é na população. Estou cansado de ouvir motorista de táxi, amigos meus repetindo a frase "Todo mundo é igual". E não é! O cara que recebeu a Land Rover [Silvio Pereira] é igual, mas não acho que o [ministro da Fazenda Antonio] Palocci seja.
Existem políticos melhores e piores. Perigosa é essa idéia de dizer que todo mundo é igual. É nesse sentido que o erro do Lula é mais grave do que o do Maluf. Porque do Maluf você espera, do Lula, não.
Assim, essa crise é mais grave do que a do governo Collor. Aquela produziu virtude, essa não sei se produzirá virtude ou só cinismo. Se produzir só cinismo, será uma tragédia. Não quero dizer que Lula seja conivente. O fato é que sem dúvida nenhuma houve ali um equívoco brutal, e o Lula... Ele diz isso no comício da Paulista, que graças a Deus não usei.
Um dos acertos do filme é terminar quando termina, que é o Lula sendo engolido pela realidade. [A câmera] afasta, ele já é o presidente eleito e é engolido pela imprensa. Acabou o sonho, vamos ver se você consegue não ser devorado. Parece que não conseguiu, né? Se terminasse na Paulista, se terminasse no dia seguinte, seria um final edificante, a vitória óbvia, sem nenhuma ambigüidade. Desse jeito, termina de maneira quase inquietante, "Será que ele vai conseguir resistir aos..."
Folha - Você não se arrisca a uma previsão?
Salles - Não, não me arrisco. A minha opinião vale tanto quanto a de qualquer outra pessoa, e menos até, porque não sou especialista. Acho que ele chega à reeleição. Aí é exercício de futurologia.
A economia está crescendo, por incrível que pareça houve um descolamento completo da política com a economia, coisa que nunca aconteceu no Brasil. No ano que vem, se essa coisa for resolvida, com cinco, seis, sete deputados cassados, e se [as denúncias] não chegarem ao Lula, ele tem chance de se reeleger. Mas eu estava dizendo do discurso da Paulista, o Lula diz isso, que é trágico, que todos têm o direito de errar, menos ele. Não é só você que está ali, é você e todos os preconceitos que o Brasil tem contra a sua figura. Portanto, sua responsabilidade é muito maior. E o Lula tem consciência aguda disso.
Disse para 200 mil pessoas: "Professor da universidade que é presidente da República pode errar, eu não posso errar, não tenho esse direito. De mim esperam o erro, de mim esperam o despreparo, eu preciso provar que não sou despreparado..."
A crise de confiança na democracia é mais grave quando alguém como o PT, o Lula e o que ele representa produzem o que produziram do que quando alguém como o Collor produz o que produziu.
É preciso acreditar na política. Portanto, torço muito para que isso não chegue ao Lula e para que de alguma maneira se resolva com uma certa serenidade e que quem merecer ser cassado seja e que o Congresso dê uma demonstração de firmeza.
Fonte: Noblat
Por Sérgio DÁvila:
João Moreira Salles, 42, está decepcionado. Um dos principais documentaristas do país, reconhecido e premiado mundialmente, filmou 180 horas dos meses finais da campanha vitoriosa do candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2002, que se transformaram no documentário "Entreatos".
Hoje, assim como o público vem fazendo ao assistir de novo a seu filme, Salles repensa aquele momento com olhos críticos. "De um modo geral, o filme virou mais melancólico, se tornou um filme triste. Não era um filme triste, e se tornou", disse ele, em entrevista exclusiva à Folha, que ele concedeu a princípio para falar de um lançamento em sua produtora e da revista que prepara.
Hoje, "Entreatos" se torna quase profético quanto ao principal problema do futuro governo, o despreparo e a falta de um projeto para o Brasil, sufocado por um projeto para a vitória. "Ali, se elegia muito mais um símbolo e muito menos um projeto de país", diz. A seguir, os trechos da entrevista que tratam de política.
Folha - O que você acha desse fenômeno que vem acontecendo com seu "Entreatos", de pessoas querendo revê-lo com outros olhos hoje? Você já reviu sem a cortina da vitória, ou seja, pós-denúncias?
João Moreira Salles - Não. Logo no início das denúncias, como você chama, ainda eram os Correios [em maio, o ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material, Maurício Marinho, foi filmado ao aceitar propina de R$ 3.000 de empresários], estava no início da história [da primeira entrevista] do Roberto Jefferson à Folha. Eu fui a um seminário na Unicamp, e o organizador exibiu trechos do filme.
Ali, de fato, percebi que não é que o filme virou outra coisa. O Brasil virou outra coisa, é um pouco diferente. E porque o Brasil virou outra coisa, determinadas seqüências do filme ganham sentido diferente. O filme virou mais melancólico, um filme triste. Não era um filme triste, e se tornou.
Folha - E os telespectadores assistiram quase com olhos de detetive, tentando achar o Delúbio Soares em atitude suspeita?
Salles - É um fenômeno quase compreensível, porque aquilo é um documento que eu julgo importante sobre a vida política brasileira, não tem nada a ver com a qualidade ou a falta de qualidade do filme, simplesmente pelo fato de uma câmera ter existido ali, tão de perto, naqueles últimos 30 dias. Você está ali diante do fato histórico em andamento. É normal que as pessoas queiram voltar a vê-lo para saber o que o Silvinho [Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT] dizia no avião, que queiram saber o que o José Dirceu dizia, mas fica um pouco do jogo dos sete erros, sabe?
Folha - Se quando o Dirceu pergunta "O que esse pessoal está fazendo aqui?" é um traço dele de autoritarismo...
Salles - Exato, vira um pouco isso. Eu não quis que o filme fosse lançado no "Carnaval da Vitória" - e ali havia um impedimento concreto, eu não conseguiria montar um filme em dois, três meses, mas digamos que conseguisse -, era muito claro para mim que não seria bom para o filme que ele fosse lançado imediatamente após a vitória. Houve uma conversa de co-produção entre a VideoFilmes e a Globo, que teria sido muito bom à VideoFilmes, até como ensaio de parceria. Eu poderia ter aceitado, mas o filme seria visto de forma carnavalesca.
Com o sinal trocado, fenômeno idêntico acontece agora: uma exibição hoje é em primeiro lugar oportunista e, em segundo, produz-se uma leitura viciada do filme. Do mesmo modo que não é o "Carnaval da Vitória", como seria visto se exibido naquele momento, não acho que seja antecipatório da crise, que seria visto dessa maneira hoje.
Daí minha decisão de não relançar o filme. Tem também uma questão de lealdade. O filme foi exibido, as pessoas que quiseram assistir assistiram, e poderão assistir de novo quando for relançado em DVD no ano que vem. Então, cumpriu o seu papel. Um relançamento agora é desleal e oportunista, e você tem de ser leal com qualquer pessoa, no caso o Lula e as pessoas que estavam em torno do Lula e que foram filmadas naquele momento.
O filme vai ficar mais interessante com o tempo. A cena famosa do Dirceu, em que ele diz "Quem são vocês e porque vocês estão filmando?", hoje em dia é vista como um claro indício de seu caráter autoritário.
É uma leitura equivocada, ele está sendo apenas uma pessoa responsável. De fato, é uma loucura deixar uma equipe independente no coração de uma campanha a quatro dias das eleições. Ele ali é o princípio de realidade.
Folha - Já na montagem do filme você encontrou indícios do que viria a se confirmar depois?
Salles - Fica muito claro no filme que a vitória do Lula não foi a vitória de um projeto de país, foi a vitória de um homem com um inegável carisma, com uma trajetória extraordinária num país tão desigual como o Brasil. Portanto, você consegue encontrar indícios da falta de projeto, que é um dos problemas desse governo. Ali, se elegia muito mais um símbolo e muito menos um projeto de país.
Folha - Parte da comunidade artística, cultural e de formadores de opinião tem se manifestado decepcionada com o que veio a acontecer. Qual a sua avaliação?
Salles - Como cidadão, como todo o Brasil, acho que é uma imensa decepção. Ninguém poderia supor que a derrocada seria tão grande. É um momento de melancolia. Eu não torcia por isso, pelo contrário. Não é bom para o Brasil, mesmo para quem não gosta do PT. Continuo achando que se modifica um país no âmbito da política, não há outro lugar para isso no regime democrático.
E essa crise produz uma falta de fé na política, aquela velha coisa reacionária de que todo mundo é igual. E não é verdade. Essa descrença produz o cinismo, e esse cinismo produz, enfim, um vale-tudo. E o PT, por erro próprio, encarnava muito essa idéia de "Nós somos puros". Então, quando o próprio santo peca...
Folha - Se Deus está morto...
Salles - Deus morre, a fé morre. E isso é muito ruim, se a crise do governo Collor reafirmou a fé na política e na democracia, essa crise é mais séria, porque é a crise dos puros. Acho que o Lula não é um político como os outros, assim como não acho que o FHC seja como os outros. Fico irritado com essa conversa de que não há diferença entre Maluf e Lula. Claro que existe. Nesse sentido, é um momento muito muito triste para o Brasil. Porque a gente elegeu o símbolo, e o símbolo se desfez. Era o único patrimônio dele [Lula], e ele pode ter perdido.
Folha - Você vê exageros ou generalizações da imprensa?
Salles - A imprensa está cumprindo bem o seu papel, de um modo geral. Mas a generalização ocorre mesmo é na população. Estou cansado de ouvir motorista de táxi, amigos meus repetindo a frase "Todo mundo é igual". E não é! O cara que recebeu a Land Rover [Silvio Pereira] é igual, mas não acho que o [ministro da Fazenda Antonio] Palocci seja.
Existem políticos melhores e piores. Perigosa é essa idéia de dizer que todo mundo é igual. É nesse sentido que o erro do Lula é mais grave do que o do Maluf. Porque do Maluf você espera, do Lula, não.
Assim, essa crise é mais grave do que a do governo Collor. Aquela produziu virtude, essa não sei se produzirá virtude ou só cinismo. Se produzir só cinismo, será uma tragédia. Não quero dizer que Lula seja conivente. O fato é que sem dúvida nenhuma houve ali um equívoco brutal, e o Lula... Ele diz isso no comício da Paulista, que graças a Deus não usei.
Um dos acertos do filme é terminar quando termina, que é o Lula sendo engolido pela realidade. [A câmera] afasta, ele já é o presidente eleito e é engolido pela imprensa. Acabou o sonho, vamos ver se você consegue não ser devorado. Parece que não conseguiu, né? Se terminasse na Paulista, se terminasse no dia seguinte, seria um final edificante, a vitória óbvia, sem nenhuma ambigüidade. Desse jeito, termina de maneira quase inquietante, "Será que ele vai conseguir resistir aos..."
Folha - Você não se arrisca a uma previsão?
Salles - Não, não me arrisco. A minha opinião vale tanto quanto a de qualquer outra pessoa, e menos até, porque não sou especialista. Acho que ele chega à reeleição. Aí é exercício de futurologia.
A economia está crescendo, por incrível que pareça houve um descolamento completo da política com a economia, coisa que nunca aconteceu no Brasil. No ano que vem, se essa coisa for resolvida, com cinco, seis, sete deputados cassados, e se [as denúncias] não chegarem ao Lula, ele tem chance de se reeleger. Mas eu estava dizendo do discurso da Paulista, o Lula diz isso, que é trágico, que todos têm o direito de errar, menos ele. Não é só você que está ali, é você e todos os preconceitos que o Brasil tem contra a sua figura. Portanto, sua responsabilidade é muito maior. E o Lula tem consciência aguda disso.
Disse para 200 mil pessoas: "Professor da universidade que é presidente da República pode errar, eu não posso errar, não tenho esse direito. De mim esperam o erro, de mim esperam o despreparo, eu preciso provar que não sou despreparado..."
A crise de confiança na democracia é mais grave quando alguém como o PT, o Lula e o que ele representa produzem o que produziram do que quando alguém como o Collor produz o que produziu.
É preciso acreditar na política. Portanto, torço muito para que isso não chegue ao Lula e para que de alguma maneira se resolva com uma certa serenidade e que quem merecer ser cassado seja e que o Congresso dê uma demonstração de firmeza.
Fonte: Noblat
domingo, outubro 16, 2005
A Teoria dos Jogos, as guerras e a paz
Eduardo Matarazzo Suplicy*
Será que o presidente George Walker Bush teria iniciado a Guerra contra o Iraque, caso tivesse ouvido antes a análise e as recomendações dos novos laureados com o Prêmio Nobel de Economia, Robert J. Aumann e Thomas C. Shelling? Creio que provavelmente não, pelo que posso deduzir das justificativas da Academia de Ciências da Suécia ao laurear estes professores, respectivamente, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e das Universidades de Mariland e de Harvard, nos EUA.
Os dois realizaram trabalhos independentes no campo da teoria dos jogos, mas têm uma convicção comum e profunda: uma finalidade essencial das ciências sociais é a de compreender por que e como as interações entre os grupos humanos, as organizações, ou mesmo entre os países, podem conduzir tanto a estratégias conflituosas como a comportamentos cooperativos.
O professor David Encaoua, da Universidade de Paris-I, no “Le Monde” de 13 de outubro, ressalta que a comunidade científica recebeu bem a distinção do Nobel, em 1994, a três grandes professores, John Nash, John Harsanyi e Reinhard Selten, por terem desenvolvido teorias dos jogos. Mas muitos consideravam importante que fosse reconhecida a contribuição dos premiados deste ano.
Robert Aumann desenvolveu três contribuições fundamentais. A primeira analisa as situações de interação social que se repetem ao longo do tempo: se, com uma visão de curto prazo, um enfoque não-cooperativo conduz muitas vezes a estratégias que não são boas para todas, no longo prazo pode multiplicar os efeitos inadequados. A cooperação resulta do fato de que um comportamento agressivo de um autor, mesmo que favorável no curto prazo, pode acabar sendo desfavorável no longo prazo, devido à cadeia de reações que o seu comportamento induz.
Podemos considerar que o comportamento agressivo do governo Bush na Guerra do Iraque, mesmo que vitorioso no primeiro momento, induziu uma série de reações desde então, que resulta hoje numa enorme incerteza sobre o benefício daquela ação bélica.
A segunda contribuição mostra como a presença de um mediador, que se comunica com cada autor individualmente, pode contribuir para favorecer a cooperação. Um exemplo foi a iniciativa do governo do presidente Lula, quando houve a tentativa de golpe militar contra o presidente Hugo Chaves.
O presidente Lula então propôs fosse formado o Grupo de Amigos da Venezuela, que incluía países como os EUA, o Brasil e a Colômbia, que promoveram uma solução de transição e de apaziguamento daquele país que estava prestes a viver uma guerra civil.
A terceira grande contribuição de Aumann introduz o conhecimento comum como noção fundamental no funcionamento dos grupos sociais. Não é suficiente que cada agente seja racional para determinar como vai se desenrolar uma interação social. É necessário que cada agente pense que cada um dos outros seja racional, e assim por diante até o infinito.
Thomas Schelling tem como livro principal “A Estratégia do Conflito”, de 1960, em que desenvolve raciocínios sobre a utilização dos armamentos nucleares. Dispor de uma força nuclear pode ser uma forma de cooperação, ainda que imperfeita, desde que dentro de uma lógica de dissuasão. Evitar os custos das armas nucleares poderia ser certamente melhor, mas isso é praticamente inatingível em razão da falta de confiança mútua. Há dois aspectos a serem considerados: de um lado o engajamento irreversível, e de outro o seu custo.
Aumann e Shelling evocam os primeiros laureados pela Teoria dos Jogos, principalmente John Nash, cuja vida foi mostrada no filme “Uma Mente Brillhante”. Há uma cena notável em que, por volta de 1947, quando Nash fazia seus estudos de pós-graduação, na Universidade de Princeton, ele vai um dia a uma cervejaria com quatro amigos. Na mesa ele conversa a respeito de que não estava inteiramente satisfeito com a visão de Adam Smith, um dos formuladores do capitalismo, em “Um Inquérito sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações”, que era justamente por causa do interesse próprio do padeiro e do açougueiro que nós devemos o pão e a carne na nossa mesa. Foi então que entraram na cervejaria cinco moças, uma muito bonita, que fica de olho nele. Seus amigos conversam sobre como irem lá tirar aquela moça para conversar e dançar. Mas ele observa: se todos os cincos forem lá tira-la, as outras quatro vão se sentir rejeitadas, haverá um mal-estar e nenhum ficará com qualquer uma delas. “É melhor que cada um escolha uma, todas ficarão contentes, e nós também”. Em seguida, segue em direção àquela moça bonita e lhe diz:
“Muito obrigado. Você acaba de me levar a transformar a teoria econômica dos últimos cento e cinqüenta anos.” E daí seguiu para o seu escritório, para escrever a sua tese sobre como é importante levar em consideração a cooperação, mesmo numa economia de mercado.
* Eduardo Matarazzo Suplicy é senador pelo PT-SP
eduardo.suplicy@senador.gov.br
Será que o presidente George Walker Bush teria iniciado a Guerra contra o Iraque, caso tivesse ouvido antes a análise e as recomendações dos novos laureados com o Prêmio Nobel de Economia, Robert J. Aumann e Thomas C. Shelling? Creio que provavelmente não, pelo que posso deduzir das justificativas da Academia de Ciências da Suécia ao laurear estes professores, respectivamente, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e das Universidades de Mariland e de Harvard, nos EUA.
Os dois realizaram trabalhos independentes no campo da teoria dos jogos, mas têm uma convicção comum e profunda: uma finalidade essencial das ciências sociais é a de compreender por que e como as interações entre os grupos humanos, as organizações, ou mesmo entre os países, podem conduzir tanto a estratégias conflituosas como a comportamentos cooperativos.
O professor David Encaoua, da Universidade de Paris-I, no “Le Monde” de 13 de outubro, ressalta que a comunidade científica recebeu bem a distinção do Nobel, em 1994, a três grandes professores, John Nash, John Harsanyi e Reinhard Selten, por terem desenvolvido teorias dos jogos. Mas muitos consideravam importante que fosse reconhecida a contribuição dos premiados deste ano.
Robert Aumann desenvolveu três contribuições fundamentais. A primeira analisa as situações de interação social que se repetem ao longo do tempo: se, com uma visão de curto prazo, um enfoque não-cooperativo conduz muitas vezes a estratégias que não são boas para todas, no longo prazo pode multiplicar os efeitos inadequados. A cooperação resulta do fato de que um comportamento agressivo de um autor, mesmo que favorável no curto prazo, pode acabar sendo desfavorável no longo prazo, devido à cadeia de reações que o seu comportamento induz.
Podemos considerar que o comportamento agressivo do governo Bush na Guerra do Iraque, mesmo que vitorioso no primeiro momento, induziu uma série de reações desde então, que resulta hoje numa enorme incerteza sobre o benefício daquela ação bélica.
A segunda contribuição mostra como a presença de um mediador, que se comunica com cada autor individualmente, pode contribuir para favorecer a cooperação. Um exemplo foi a iniciativa do governo do presidente Lula, quando houve a tentativa de golpe militar contra o presidente Hugo Chaves.
O presidente Lula então propôs fosse formado o Grupo de Amigos da Venezuela, que incluía países como os EUA, o Brasil e a Colômbia, que promoveram uma solução de transição e de apaziguamento daquele país que estava prestes a viver uma guerra civil.
A terceira grande contribuição de Aumann introduz o conhecimento comum como noção fundamental no funcionamento dos grupos sociais. Não é suficiente que cada agente seja racional para determinar como vai se desenrolar uma interação social. É necessário que cada agente pense que cada um dos outros seja racional, e assim por diante até o infinito.
Thomas Schelling tem como livro principal “A Estratégia do Conflito”, de 1960, em que desenvolve raciocínios sobre a utilização dos armamentos nucleares. Dispor de uma força nuclear pode ser uma forma de cooperação, ainda que imperfeita, desde que dentro de uma lógica de dissuasão. Evitar os custos das armas nucleares poderia ser certamente melhor, mas isso é praticamente inatingível em razão da falta de confiança mútua. Há dois aspectos a serem considerados: de um lado o engajamento irreversível, e de outro o seu custo.
Aumann e Shelling evocam os primeiros laureados pela Teoria dos Jogos, principalmente John Nash, cuja vida foi mostrada no filme “Uma Mente Brillhante”. Há uma cena notável em que, por volta de 1947, quando Nash fazia seus estudos de pós-graduação, na Universidade de Princeton, ele vai um dia a uma cervejaria com quatro amigos. Na mesa ele conversa a respeito de que não estava inteiramente satisfeito com a visão de Adam Smith, um dos formuladores do capitalismo, em “Um Inquérito sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações”, que era justamente por causa do interesse próprio do padeiro e do açougueiro que nós devemos o pão e a carne na nossa mesa. Foi então que entraram na cervejaria cinco moças, uma muito bonita, que fica de olho nele. Seus amigos conversam sobre como irem lá tirar aquela moça para conversar e dançar. Mas ele observa: se todos os cincos forem lá tira-la, as outras quatro vão se sentir rejeitadas, haverá um mal-estar e nenhum ficará com qualquer uma delas. “É melhor que cada um escolha uma, todas ficarão contentes, e nós também”. Em seguida, segue em direção àquela moça bonita e lhe diz:
“Muito obrigado. Você acaba de me levar a transformar a teoria econômica dos últimos cento e cinqüenta anos.” E daí seguiu para o seu escritório, para escrever a sua tese sobre como é importante levar em consideração a cooperação, mesmo numa economia de mercado.
* Eduardo Matarazzo Suplicy é senador pelo PT-SP
eduardo.suplicy@senador.gov.br
sábado, outubro 15, 2005
Adeus às ilusões
José Arbex Jr*
A condução do deputado federal Ricardo Berzoini, também conhecido como o flagelo dos velhinhos da Previdência, ao cargo de presidente nacional do PT encerra uma etapa da crise iniciada em maio, marcada pela perplexidade e confusão ideológica, especialmente entre a esquerda (petista ou não). Assentada a poeira levantada pelo vendaval político, o PT de Berzoini guarda com o partido criado nas grandes batalhas do ABC a mesma relação que um animal empalhado tem com o ser vivo que lhe deu origem: uma certa semelhança mórbida, um testemunho inanimado e bastante brega de algo que existiu cheio de força e vitalidade. O PT, embora ainda integre milhares de militantes combativos e honestos, foi reduzido a uma versão caricatural de sua história.
O "lulismo", responsável maior pela transmutação do PT, significou a total e completa adaptação do partido ao neoliberalismo como discurso e ideologia e ao aparelho de Estado como base do exercício de poder. O "lulismo" foi paulatinamente construído mediante processo de cooptação de quadros partidários - não importam os meios, preços e conseqüências - e punição da dissidência, na mais pura tradição stalinista. Tal foi, também, um dos sentidos da campanha de filiação em massa: arregimentar centenas de milhares de novos petistas que, atraídos pelo poder, jamais tiveram qualquer compromisso com a luta social e transformá-los em massa de manobra nos processos de disputa política interna. O "lulismo", em resumo, fez do PT um partido fisiológico e adepto de práticas coronelistas, isto é, um agrupamento como outro qualquer.
Exatamente por isso, menos mal que a crise tenha estourado. De fato, demorou. Muito pior seria se ela não tivesse acontecido ou se ainda tardasse a vir à tona. Os efeitos do "lulismo" poderiam ser muito mais devastadores do ponto de vista da esquerda, a exemplo do que ocorre na África do Sul. Nelson Mandela, arquiteto da transformação do país em sólida plataforma do neoliberalismo no continente africano, mantém intacto o seu outrora merecido prestígio. Sua mera presença no cenário político funciona como obstáculo à organização das forças de esquerda, assim como, no Brasil, Lula e séqüito, vulgo Campo Majoritário, funcionaram, até agora, como eficaz baluarte da ordem burguesa.
A crise desnudou o "lulismo" e clareou o panorama. Embora Lula preserve certa popularidade, as forças de esquerda podem se recompor em novas bases, mesmo que isso demande inevitável e doloroso esforço de reflexão e crítica. O fim das ilusões no "lulismo" contribui para arrancar a esquerda da letárgica sonolência provocada pelo contínuo e paralisante abraço das instituições governamentais. Nada melhor para tirar um militante da rua do que oferecer cargo no Estado; nada mais nocivo às organizações sociais do que oferecer a expectativa de que o "nosso governo" vai resolver os problemas, bastando que elas pacientemente esperem.
Claro que, momentaneamente, a esquerda está mais enfraquecida pela crise. Isso não significa, porém, que a medíocre direita - aí incluídos PFL, PSDB e congêneres - tenha assumido nova legitimidade. Sem lideranças de real expressão nacional nem propostas, ela sequer tomou a iniciativa de impedir Lula, por temer o risco de uma explosão de massa. A direita não tem o que oferecer, a não ser mais do mesmo.
A crise abriu aos cidadãos brasileiros a possibilidade de compreender que o jogo eleitoral, tal como se pratica hoje, é corrupto e corruptor. É incapaz de oferecer as soluções esperadas pela nação. A direita já sentiu o perigo potencialmente implicado por tal percepção e avança a proposta de fazer a reforma política, com o objetivo de mudar tudo... para que tudo continue igual - exatamente como no grande romance "O Leopardo", de Lampedusa, sobre o momento da unificação da Itália. Esse quadro sugere, no mínimo, que o próximo presidente brasileiro, seja quem for, assumirá em um contexto de grande fragilidade, pois todo o processo eleitoral está, antecipadamente, enfraquecido e colocado sob suspeita.
E o perigo pressentido pela direita existe, como demonstra a história recente do Equador, da Bolívia e da Argentina. Pela primeira vez no continente, governos eleitos foram derrubados por movimentos de massa frustrados por políticos que prometeram mundos e fundos nos períodos eleitorais. Inversamente, foi o que aconteceu na Venezuela: para defender um governo percebido como realmente seu, a maioria da nação venezuelana se apoiou - e como!- nas instituições da República bolivariana, muito mais avançadas que as tradicionais formas de representação.
Algo importante, de dimensão histórica, transforma as relações entre sociedades e Estados na América Latina. O Brasil faz parte desse quadro. A crise pode, muito bem, passar à história como a parteira de um novo país.
* Jornalista, doutor em história pela USP, é editor especial da revista "Caros Amigos" e autor de "Showrnalismo - a Notícia como Espetáculo" (editora Casa Amarela).
A condução do deputado federal Ricardo Berzoini, também conhecido como o flagelo dos velhinhos da Previdência, ao cargo de presidente nacional do PT encerra uma etapa da crise iniciada em maio, marcada pela perplexidade e confusão ideológica, especialmente entre a esquerda (petista ou não). Assentada a poeira levantada pelo vendaval político, o PT de Berzoini guarda com o partido criado nas grandes batalhas do ABC a mesma relação que um animal empalhado tem com o ser vivo que lhe deu origem: uma certa semelhança mórbida, um testemunho inanimado e bastante brega de algo que existiu cheio de força e vitalidade. O PT, embora ainda integre milhares de militantes combativos e honestos, foi reduzido a uma versão caricatural de sua história.
O "lulismo", responsável maior pela transmutação do PT, significou a total e completa adaptação do partido ao neoliberalismo como discurso e ideologia e ao aparelho de Estado como base do exercício de poder. O "lulismo" foi paulatinamente construído mediante processo de cooptação de quadros partidários - não importam os meios, preços e conseqüências - e punição da dissidência, na mais pura tradição stalinista. Tal foi, também, um dos sentidos da campanha de filiação em massa: arregimentar centenas de milhares de novos petistas que, atraídos pelo poder, jamais tiveram qualquer compromisso com a luta social e transformá-los em massa de manobra nos processos de disputa política interna. O "lulismo", em resumo, fez do PT um partido fisiológico e adepto de práticas coronelistas, isto é, um agrupamento como outro qualquer.
Exatamente por isso, menos mal que a crise tenha estourado. De fato, demorou. Muito pior seria se ela não tivesse acontecido ou se ainda tardasse a vir à tona. Os efeitos do "lulismo" poderiam ser muito mais devastadores do ponto de vista da esquerda, a exemplo do que ocorre na África do Sul. Nelson Mandela, arquiteto da transformação do país em sólida plataforma do neoliberalismo no continente africano, mantém intacto o seu outrora merecido prestígio. Sua mera presença no cenário político funciona como obstáculo à organização das forças de esquerda, assim como, no Brasil, Lula e séqüito, vulgo Campo Majoritário, funcionaram, até agora, como eficaz baluarte da ordem burguesa.
A crise desnudou o "lulismo" e clareou o panorama. Embora Lula preserve certa popularidade, as forças de esquerda podem se recompor em novas bases, mesmo que isso demande inevitável e doloroso esforço de reflexão e crítica. O fim das ilusões no "lulismo" contribui para arrancar a esquerda da letárgica sonolência provocada pelo contínuo e paralisante abraço das instituições governamentais. Nada melhor para tirar um militante da rua do que oferecer cargo no Estado; nada mais nocivo às organizações sociais do que oferecer a expectativa de que o "nosso governo" vai resolver os problemas, bastando que elas pacientemente esperem.
Claro que, momentaneamente, a esquerda está mais enfraquecida pela crise. Isso não significa, porém, que a medíocre direita - aí incluídos PFL, PSDB e congêneres - tenha assumido nova legitimidade. Sem lideranças de real expressão nacional nem propostas, ela sequer tomou a iniciativa de impedir Lula, por temer o risco de uma explosão de massa. A direita não tem o que oferecer, a não ser mais do mesmo.
A crise abriu aos cidadãos brasileiros a possibilidade de compreender que o jogo eleitoral, tal como se pratica hoje, é corrupto e corruptor. É incapaz de oferecer as soluções esperadas pela nação. A direita já sentiu o perigo potencialmente implicado por tal percepção e avança a proposta de fazer a reforma política, com o objetivo de mudar tudo... para que tudo continue igual - exatamente como no grande romance "O Leopardo", de Lampedusa, sobre o momento da unificação da Itália. Esse quadro sugere, no mínimo, que o próximo presidente brasileiro, seja quem for, assumirá em um contexto de grande fragilidade, pois todo o processo eleitoral está, antecipadamente, enfraquecido e colocado sob suspeita.
E o perigo pressentido pela direita existe, como demonstra a história recente do Equador, da Bolívia e da Argentina. Pela primeira vez no continente, governos eleitos foram derrubados por movimentos de massa frustrados por políticos que prometeram mundos e fundos nos períodos eleitorais. Inversamente, foi o que aconteceu na Venezuela: para defender um governo percebido como realmente seu, a maioria da nação venezuelana se apoiou - e como!- nas instituições da República bolivariana, muito mais avançadas que as tradicionais formas de representação.
Algo importante, de dimensão histórica, transforma as relações entre sociedades e Estados na América Latina. O Brasil faz parte desse quadro. A crise pode, muito bem, passar à história como a parteira de um novo país.
* Jornalista, doutor em história pela USP, é editor especial da revista "Caros Amigos" e autor de "Showrnalismo - a Notícia como Espetáculo" (editora Casa Amarela).
quinta-feira, outubro 13, 2005
‘Eleição foi um recado claro da militância’
Continuação
Como o senhor avalia o Processo de Eleição Direta (PED) do PT, que escolheu como novo presidente do partido o deputado Ricardo Berzoini (SP)?
JAQUES WAGNER: O resultado é surpreendente. Dou a minha mão à palmatória. Até porque eu era contra a eleição nesse momento. Cheguei a defender publicamente o seu adiamento. Mas acho que o PED foi uma forma que o militantes encontraram de se expressar no momento da maior crise do partido.
O resultado apertado não seria um recado dos militantes de que o Campo Majoritário saiu enfraquecido do processo eleitoral?
WAGNER: O resultado das urnas mostra um recuo do Campo Majoritário. Isso foi um recado claro dos afiliados. Havia no PT uma hegemonia prolongada de um grupo no comando partidário que produziu uma acomodação. Isso resultou em um descuido dos valores fundamentais do PT. O fim de um comando único mostra que a militância não estava de acordo com o que aconteceu no partido. Nesses anos de comando, a hegemonia partidária não era questionada.
O senhor avalia que foi essa hegemonia prolongada do Campo Majoritário que motivou a atual crise petista com as denúncias de que o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares movimentou um esquema de caixa dois para financiamento do PT e de partidos aliados?
WAGNER: Isso mesmo. Acho que sem o contraditório houve um relaxamento da cúpula partidária com os preceitos morais. Para mim, sempre que se estabelece uma supremacia duradoura de um mesmo agrupamento acaba resultando nessas conseqüências. Por isso, a alternância de poder é o maior valor da democracia. Isso é fundamental.
Como a supremacia do Campo Majoritário por mais de uma década influenciou no desvio de conduta da cúpula petista?
WAGNER: Essa hegemonia durante todos esses anos criou um clima de autoproteção dos dirigentes petistas. Também houve um descuido com os mecanismos de controle. Por isso, acho que a democracia, na sociedade, não pode depender exclusivamente de seus membros. No PT houve um afastamento dos mecanismos de controle interno, que só foram avivados com as denúncias.
As eleições petistas também não demonstram um desencanto da militância com o partido? O PT não estaria numa fase de declínio?
WAGNER: Acho que ao contrário da morte do PT, a crise partidária pode ser o renascimento da legenda. Acho que entramos num novo ciclo. Depois de 25 anos de existência e de ter chegado ao poder, é natural que a legenda enfrente um momento de crise. Isso acontece com todos os partidos do mundo.
Mas muitos militantes, inclusive nomes emblemáticos do PT, já deixaram o partido no intervalo entre o primeiro e o segundo turno das eleições petistas. Isso não mostra um enfraquecimento da legenda?
WAGNER: Não vejo dessa forma. Para mim, o envolvimento da militância foi uma resposta à prostração de alguns. O resultado do pleito foi um recado, uma crítica indireta a aqueles que resolveram sair do PT ao invés de ficar no partido para tentar ajudar nesse renascimento.
O candidato Raul Pont era um duro crítico de pontos importantes do governo como a condução da política econômica. Para o Palácio do Planalto, a vitória de Berzoini foi melhor?
WAGNER: Para mim não seria problema a vitória de Raul Pont. Até porque governo é governo e partido é outra coisa. Para mim é natural que um partido que chega ao poder passe pela confrontação das idéias com a realidade. O Pont já foi prefeito de Porto Alegre e saberia entender isso. Mas os militantes entenderam que uma pessoa com um ponto de inflexão tão duro como Pont não seria ideal para comandar o partido nesse momento.
O senhor fala em renascimento do partido. Como isso pode ser feito com o novo comando partidário?
WAGNER: Acho que todo o processo recente do partido, que enfrentou uma grave crise, vai ajudar o PT a fazer uma reflexão. Certamente, o novo PT será mais cuidadoso em suas ações. Haverá um controle de todos os procedimentos para que não se repitam casos de relaxamentos.
Mas a divisão da nova cúpula petista, sem a hegemonia do Campo Majoritário, não pode prejudicar o PT em tomar futuras decisões, como alianças para a reeleição de Lula?
WAGNER: Para mim, a direção colegiada, mesmo que crie dificuldades, vai ter como conseqüência um resultado melhor de suas decisões. Seremos mais cuidadosos em tudo, inclusive em eventuais alianças. Todos os procedimentos do partido serão mais vigiados.
Gerson Camarotti em O Globo
Como o senhor avalia o Processo de Eleição Direta (PED) do PT, que escolheu como novo presidente do partido o deputado Ricardo Berzoini (SP)?
JAQUES WAGNER: O resultado é surpreendente. Dou a minha mão à palmatória. Até porque eu era contra a eleição nesse momento. Cheguei a defender publicamente o seu adiamento. Mas acho que o PED foi uma forma que o militantes encontraram de se expressar no momento da maior crise do partido.
O resultado apertado não seria um recado dos militantes de que o Campo Majoritário saiu enfraquecido do processo eleitoral?
WAGNER: O resultado das urnas mostra um recuo do Campo Majoritário. Isso foi um recado claro dos afiliados. Havia no PT uma hegemonia prolongada de um grupo no comando partidário que produziu uma acomodação. Isso resultou em um descuido dos valores fundamentais do PT. O fim de um comando único mostra que a militância não estava de acordo com o que aconteceu no partido. Nesses anos de comando, a hegemonia partidária não era questionada.
O senhor avalia que foi essa hegemonia prolongada do Campo Majoritário que motivou a atual crise petista com as denúncias de que o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares movimentou um esquema de caixa dois para financiamento do PT e de partidos aliados?
WAGNER: Isso mesmo. Acho que sem o contraditório houve um relaxamento da cúpula partidária com os preceitos morais. Para mim, sempre que se estabelece uma supremacia duradoura de um mesmo agrupamento acaba resultando nessas conseqüências. Por isso, a alternância de poder é o maior valor da democracia. Isso é fundamental.
Como a supremacia do Campo Majoritário por mais de uma década influenciou no desvio de conduta da cúpula petista?
WAGNER: Essa hegemonia durante todos esses anos criou um clima de autoproteção dos dirigentes petistas. Também houve um descuido com os mecanismos de controle. Por isso, acho que a democracia, na sociedade, não pode depender exclusivamente de seus membros. No PT houve um afastamento dos mecanismos de controle interno, que só foram avivados com as denúncias.
As eleições petistas também não demonstram um desencanto da militância com o partido? O PT não estaria numa fase de declínio?
WAGNER: Acho que ao contrário da morte do PT, a crise partidária pode ser o renascimento da legenda. Acho que entramos num novo ciclo. Depois de 25 anos de existência e de ter chegado ao poder, é natural que a legenda enfrente um momento de crise. Isso acontece com todos os partidos do mundo.
Mas muitos militantes, inclusive nomes emblemáticos do PT, já deixaram o partido no intervalo entre o primeiro e o segundo turno das eleições petistas. Isso não mostra um enfraquecimento da legenda?
WAGNER: Não vejo dessa forma. Para mim, o envolvimento da militância foi uma resposta à prostração de alguns. O resultado do pleito foi um recado, uma crítica indireta a aqueles que resolveram sair do PT ao invés de ficar no partido para tentar ajudar nesse renascimento.
O candidato Raul Pont era um duro crítico de pontos importantes do governo como a condução da política econômica. Para o Palácio do Planalto, a vitória de Berzoini foi melhor?
WAGNER: Para mim não seria problema a vitória de Raul Pont. Até porque governo é governo e partido é outra coisa. Para mim é natural que um partido que chega ao poder passe pela confrontação das idéias com a realidade. O Pont já foi prefeito de Porto Alegre e saberia entender isso. Mas os militantes entenderam que uma pessoa com um ponto de inflexão tão duro como Pont não seria ideal para comandar o partido nesse momento.
O senhor fala em renascimento do partido. Como isso pode ser feito com o novo comando partidário?
WAGNER: Acho que todo o processo recente do partido, que enfrentou uma grave crise, vai ajudar o PT a fazer uma reflexão. Certamente, o novo PT será mais cuidadoso em suas ações. Haverá um controle de todos os procedimentos para que não se repitam casos de relaxamentos.
Mas a divisão da nova cúpula petista, sem a hegemonia do Campo Majoritário, não pode prejudicar o PT em tomar futuras decisões, como alianças para a reeleição de Lula?
WAGNER: Para mim, a direção colegiada, mesmo que crie dificuldades, vai ter como conseqüência um resultado melhor de suas decisões. Seremos mais cuidadosos em tudo, inclusive em eventuais alianças. Todos os procedimentos do partido serão mais vigiados.
Gerson Camarotti em O Globo
Um "sim" filosófico
Continuação
A minha sensação é a de que ninguém, a começar dos responsáveis pelas campanhas, leu direito a lei nº 10.826/2003, o popular Estatuto do Desarmamento, cujo 35º artigo é o objeto do referendo. Ele reza: "É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo território nacional, salvo para as entidades previstas no artigo 6º desta Lei". É importante sublinhar o "salvo". E o artigo sexto traz o rol daqueles que estão autorizados a portar armas. Inclui militares, policiais, agentes secretos, segurança privada, auditores fiscais, praticantes de tiro esportivo etc. Como esta minha coluna também é serviço público, deixo aqui os links para o Estatuto e para a sua regulamentação, o decreto nº 5.123/2004.A primeira coisa a observar é que, se a minha leitura é correta, a votação deste mês terá pouco impacto concreto. E não estou falando de bandidos e de outras pessoas que possuem armas em desacordo com a legislação e que se abastecem no mercado negro. Quem guarda um revólver registrado em casa, poderá perfeita e legalmente mantê-lo. Só terá problemas para adquirir novas balas, pois sua comercialização será, não "proibida", mas restringida. Já os que possuem porte de arma poderão conservá-lo e comprar normalmente não só a munição necessária como também novas armas. Habitantes da zona rural, mentindo só um pouquinho, isto é, declarando-se caçadores "de subsistência", estarão igualmente autorizados a adquirir espingardas de calibre igual ou inferior a 16 e as respectivas balas.E a turma do "não", que insiste tanto em seu "direito inalienável de autodefesa", pode respirar sossegada. Mesmo com uma eventual vitória do "sim", os mais insistentes terão meios de armar-se dentro da lei. Basta que se associem a um clube de tiro, hipótese em que o Estatuto os autoriza a requerer o tão almejado porte, o qual lhes dará a licença para fartar-se de balas e revólveres.Desfeitos os equívocos mais comuns, passo agora a explicar as razões do meu "sim". Em primeiro lugar é preciso elogiar o Estatuto do Desarmamento, cujo maior pecado é o dispensável referendo. Armas não são pirulitos que possam ser vendidas em qualquer esquina e sem controle, mesmo considerando que o crime organizado não liga para regulamentações legais e será pouco afetado por qualquer normatização. Revólveres e pistolas foram projetados para tirar vidas humanas. Alguém pode querer possuí-los por dois motivos, para ameaçar outrem e/ou para defender-se de ameaças alheias. Em qualquer caso, estamos falando de pessoas que pelo menos cogitam de tirar a vida de um semelhante. Para mim, isso já o suficiente para que fiquemos de olho nelas.Foram, portanto, mais do que necessárias as novas exigências que o Estatuto determinou para a aquisição de armas e a obtenção do porte e o maior controle que impôs sobre a indústria e o comércio. Foram igualmente importantes as penas mais duras previstas para quem desrespeitar as normas. Andar com uma arma sem o devido porte e registro tornou-se crime inafiançável, passível de reclusão de até quatro anos e multa. A maior jóia do diploma, contudo, foi a campanha do desarmamento, instituída pelo artigo 32 do Estatuto. Estamos aqui diante de um daqueles raros casos de leis que se traduzem em rápida e real melhoria das estatísticas.(Antes de prosseguir, cabe um parêntese sobre a precariedade dos números apresentados nesta campanha. É um festival de chutes e dados claramente enviesados. Nesse contexto, uma das poucas cifras que se afiguram confiáveis são aquelas relativas a mortos. Aqui, há a concretude dos cadáveres crivados de balas no tórax ou na cabeça).Estatísticas do Ministério da Saúde mostram que os homicídios por armas de fogo caíram 8,2% em 2004 em relação ao ano anterior. Passaram de 39.325 assassinatos em 2003 para 36.091 no ano passado. Isso significa 3.234 vidas "poupadas". É a primeira queda registrada nesse indicador desde 1992. A campanha do desarmamento teve início em julho de 2004 e se estende até o dia do referendo. É claro que a coincidência parcial de datas não basta para que estabeleçamos uma relação de causalidade entre a coleta de armas e a redução dos assassinatos. Vale ainda lembrar que a violência é fenômeno complexo e multifatorial, para o qual concorrem inúmeros fatores. Mesmo assim parece difícil não relacionar a diminuição dos óbitos à campanha. Reforça a sugestão de que os esforços de desarmamento tiveram um papel importante o fato de que, nos Estados em que a taxa de recolhimento de armas foi alta (mais de 150 para cada 100 mil habitantes), o recuo médio do índice de mortalidade foi de 14,5%. Nas unidades em que a coleta foi baixa, a redução média foi de apenas 2%.Essas ponderações parecem dar razão à tese, encampada pelos defensores do "sim", de que, no Brasil, a simples retirada de circulação das armas é capaz de reduzir significativamente o número de assassinatos. Isso seria possível porque grande parte dos homicídios tem como motivação conflitos interpessoais provocados por causas fúteis, nos quais a presença da arma de fogo faz a diferença entre os hematomas e escoriações típicos de quem "sai no braço" e a morte.Dados da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da polícia paulista parecem sustentar essa teoria: 60% dos homicídios na Grande São Paulo são cometidos por gente sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em bares e outras situações em que o destempero humano e os eflúvios alcoólicos se associam à existência de uma arma para produzir uma tragédia. (Por uma questão de honestidade intelectual, devo dizer que desconfio um pouco desse número. Uso-o porque é o único disponível. Por razões óbvias, porém, ele refere-se apenas aos homicídios solucionados e não ao total de assassinatos. E é claro que isso introduz um viés).É apenas para reduzir esse tipo muito específico de crime que o Estatuto do Desarmamento funciona. Ninguém minimamente sério jamais sugeriu que o endurecimento das leis e a campanha de coleta afetaria o crime organizado. É apenas para reduzir as mortes por causas banais que a aprovação do "sim" no referendo pode modestamente contribuir, ao tornar as balas uma mercadoria menos acessível aos "cidadãos de bem" que um dia, numa explosão de ira, decidam matar o amante da mulher, o vizinho chato, a namorada infiel...Já a principal tese do campo do "não", a de que as restrições ao comércio violariam o direito à autodefesa, não poderia ser mais falsa. Em primeiro lugar, como já mostrei, quem realmente insistir em possuir um revólver e estiver disposto a cumprir as exigências, poderá fazê-lo dentro da lei. Não se trata, portanto, de uma proibição absoluta, medida que também a mim me repugnaria. (A esse respeito, devo admitir que, por não ter lido com atenção as leis em questão, também escrevi algumas bobagens em minha coluna anterior sobre o tema, mas nada que comprometa as teses centrais do texto).Além disso, nenhum direito se coloca de forma absoluta. A autodefesa, até mais do que um direito, é também um instinto, um dado da biologia. Mas, se queremos viver em sociedade, ela precisa ser regulada por leis. Um exemplo exagerado, mas eloqüente: eu num acesso de paranóia poderia legitimamente considerar que o governo do Paquistão me persegue. Trata-se, afinal, de uma ditadura com traços islamizantes e teocráticos. Já eu sou democrata, judeu e ateu. Como o Paquistão é possuidor de armas nucleares, eu poderia considerar que a única forma de proteger-me eficazmente contra ameaça crível seria adquirir um míssil atômico intercontinental. A idéia de que qualquer um possa ter o "direito" de pôr as mãos em artefatos nucleares é tão absurda que deixa insofismavelmente claro que a lei pode e deve limitar por quais meios o direito de autodefesa pode ser exercido. Estabelecer as condições em que as pessoas podem ter acesso a armas de fogo e o tipo artefato não é muito diferente de exigir brevê de quem queira pilotar um avião ou carteira de habilitação de condutores de veículos. É uma das funções básicas do Estado.O resumo da ópera, para além das besteiras que estão sendo ditas por ambos os lados, é que, em termos práticos, o referendo é quase inútil. A campanha do "não" consegue ser um pouco pior do que a do "sim". Enquanto o povo do desarmamento abusa de números discutíveis e raciocínios simplistas tendentes ao maniqueísmo, a bancada da bala se vale quase que exclusivamente de falácias.O bom serviço do controle de armas já foi prestado pelo Estatuto. A "proibição" do comércio, além de falsa, poderá no máximo dificultar um pouco o acesso de parte da população a balas - o que eu acho ótimo, mas não a ponto de justificar o gasto de várias centenas de milhares de reais numa votação. Minha principal motivação para defender o "sim", porém, é, como já adiantei, filosófica. Não acredito em bom selvagem, emancipação do homem ou redenção da sociedade, mas a civilização, que vem prosperando ainda que tropegamente sob a égide da razão, já amadureceu o suficiente para impor a seus integrantes que não resolvam suas diferenças à bala. Eliminar as armas é só uma idéia reguladora, uma meta longínqua que provavelmente jamais será alcançada. É justamente o tipo de idéia no qual vale a pena votar.
Fonte: Folha Online
A minha sensação é a de que ninguém, a começar dos responsáveis pelas campanhas, leu direito a lei nº 10.826/2003, o popular Estatuto do Desarmamento, cujo 35º artigo é o objeto do referendo. Ele reza: "É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo território nacional, salvo para as entidades previstas no artigo 6º desta Lei". É importante sublinhar o "salvo". E o artigo sexto traz o rol daqueles que estão autorizados a portar armas. Inclui militares, policiais, agentes secretos, segurança privada, auditores fiscais, praticantes de tiro esportivo etc. Como esta minha coluna também é serviço público, deixo aqui os links para o Estatuto e para a sua regulamentação, o decreto nº 5.123/2004.A primeira coisa a observar é que, se a minha leitura é correta, a votação deste mês terá pouco impacto concreto. E não estou falando de bandidos e de outras pessoas que possuem armas em desacordo com a legislação e que se abastecem no mercado negro. Quem guarda um revólver registrado em casa, poderá perfeita e legalmente mantê-lo. Só terá problemas para adquirir novas balas, pois sua comercialização será, não "proibida", mas restringida. Já os que possuem porte de arma poderão conservá-lo e comprar normalmente não só a munição necessária como também novas armas. Habitantes da zona rural, mentindo só um pouquinho, isto é, declarando-se caçadores "de subsistência", estarão igualmente autorizados a adquirir espingardas de calibre igual ou inferior a 16 e as respectivas balas.E a turma do "não", que insiste tanto em seu "direito inalienável de autodefesa", pode respirar sossegada. Mesmo com uma eventual vitória do "sim", os mais insistentes terão meios de armar-se dentro da lei. Basta que se associem a um clube de tiro, hipótese em que o Estatuto os autoriza a requerer o tão almejado porte, o qual lhes dará a licença para fartar-se de balas e revólveres.Desfeitos os equívocos mais comuns, passo agora a explicar as razões do meu "sim". Em primeiro lugar é preciso elogiar o Estatuto do Desarmamento, cujo maior pecado é o dispensável referendo. Armas não são pirulitos que possam ser vendidas em qualquer esquina e sem controle, mesmo considerando que o crime organizado não liga para regulamentações legais e será pouco afetado por qualquer normatização. Revólveres e pistolas foram projetados para tirar vidas humanas. Alguém pode querer possuí-los por dois motivos, para ameaçar outrem e/ou para defender-se de ameaças alheias. Em qualquer caso, estamos falando de pessoas que pelo menos cogitam de tirar a vida de um semelhante. Para mim, isso já o suficiente para que fiquemos de olho nelas.Foram, portanto, mais do que necessárias as novas exigências que o Estatuto determinou para a aquisição de armas e a obtenção do porte e o maior controle que impôs sobre a indústria e o comércio. Foram igualmente importantes as penas mais duras previstas para quem desrespeitar as normas. Andar com uma arma sem o devido porte e registro tornou-se crime inafiançável, passível de reclusão de até quatro anos e multa. A maior jóia do diploma, contudo, foi a campanha do desarmamento, instituída pelo artigo 32 do Estatuto. Estamos aqui diante de um daqueles raros casos de leis que se traduzem em rápida e real melhoria das estatísticas.(Antes de prosseguir, cabe um parêntese sobre a precariedade dos números apresentados nesta campanha. É um festival de chutes e dados claramente enviesados. Nesse contexto, uma das poucas cifras que se afiguram confiáveis são aquelas relativas a mortos. Aqui, há a concretude dos cadáveres crivados de balas no tórax ou na cabeça).Estatísticas do Ministério da Saúde mostram que os homicídios por armas de fogo caíram 8,2% em 2004 em relação ao ano anterior. Passaram de 39.325 assassinatos em 2003 para 36.091 no ano passado. Isso significa 3.234 vidas "poupadas". É a primeira queda registrada nesse indicador desde 1992. A campanha do desarmamento teve início em julho de 2004 e se estende até o dia do referendo. É claro que a coincidência parcial de datas não basta para que estabeleçamos uma relação de causalidade entre a coleta de armas e a redução dos assassinatos. Vale ainda lembrar que a violência é fenômeno complexo e multifatorial, para o qual concorrem inúmeros fatores. Mesmo assim parece difícil não relacionar a diminuição dos óbitos à campanha. Reforça a sugestão de que os esforços de desarmamento tiveram um papel importante o fato de que, nos Estados em que a taxa de recolhimento de armas foi alta (mais de 150 para cada 100 mil habitantes), o recuo médio do índice de mortalidade foi de 14,5%. Nas unidades em que a coleta foi baixa, a redução média foi de apenas 2%.Essas ponderações parecem dar razão à tese, encampada pelos defensores do "sim", de que, no Brasil, a simples retirada de circulação das armas é capaz de reduzir significativamente o número de assassinatos. Isso seria possível porque grande parte dos homicídios tem como motivação conflitos interpessoais provocados por causas fúteis, nos quais a presença da arma de fogo faz a diferença entre os hematomas e escoriações típicos de quem "sai no braço" e a morte.Dados da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da polícia paulista parecem sustentar essa teoria: 60% dos homicídios na Grande São Paulo são cometidos por gente sem histórico criminal e por motivos banais, como brigas de trânsito, discussões em bares e outras situações em que o destempero humano e os eflúvios alcoólicos se associam à existência de uma arma para produzir uma tragédia. (Por uma questão de honestidade intelectual, devo dizer que desconfio um pouco desse número. Uso-o porque é o único disponível. Por razões óbvias, porém, ele refere-se apenas aos homicídios solucionados e não ao total de assassinatos. E é claro que isso introduz um viés).É apenas para reduzir esse tipo muito específico de crime que o Estatuto do Desarmamento funciona. Ninguém minimamente sério jamais sugeriu que o endurecimento das leis e a campanha de coleta afetaria o crime organizado. É apenas para reduzir as mortes por causas banais que a aprovação do "sim" no referendo pode modestamente contribuir, ao tornar as balas uma mercadoria menos acessível aos "cidadãos de bem" que um dia, numa explosão de ira, decidam matar o amante da mulher, o vizinho chato, a namorada infiel...Já a principal tese do campo do "não", a de que as restrições ao comércio violariam o direito à autodefesa, não poderia ser mais falsa. Em primeiro lugar, como já mostrei, quem realmente insistir em possuir um revólver e estiver disposto a cumprir as exigências, poderá fazê-lo dentro da lei. Não se trata, portanto, de uma proibição absoluta, medida que também a mim me repugnaria. (A esse respeito, devo admitir que, por não ter lido com atenção as leis em questão, também escrevi algumas bobagens em minha coluna anterior sobre o tema, mas nada que comprometa as teses centrais do texto).Além disso, nenhum direito se coloca de forma absoluta. A autodefesa, até mais do que um direito, é também um instinto, um dado da biologia. Mas, se queremos viver em sociedade, ela precisa ser regulada por leis. Um exemplo exagerado, mas eloqüente: eu num acesso de paranóia poderia legitimamente considerar que o governo do Paquistão me persegue. Trata-se, afinal, de uma ditadura com traços islamizantes e teocráticos. Já eu sou democrata, judeu e ateu. Como o Paquistão é possuidor de armas nucleares, eu poderia considerar que a única forma de proteger-me eficazmente contra ameaça crível seria adquirir um míssil atômico intercontinental. A idéia de que qualquer um possa ter o "direito" de pôr as mãos em artefatos nucleares é tão absurda que deixa insofismavelmente claro que a lei pode e deve limitar por quais meios o direito de autodefesa pode ser exercido. Estabelecer as condições em que as pessoas podem ter acesso a armas de fogo e o tipo artefato não é muito diferente de exigir brevê de quem queira pilotar um avião ou carteira de habilitação de condutores de veículos. É uma das funções básicas do Estado.O resumo da ópera, para além das besteiras que estão sendo ditas por ambos os lados, é que, em termos práticos, o referendo é quase inútil. A campanha do "não" consegue ser um pouco pior do que a do "sim". Enquanto o povo do desarmamento abusa de números discutíveis e raciocínios simplistas tendentes ao maniqueísmo, a bancada da bala se vale quase que exclusivamente de falácias.O bom serviço do controle de armas já foi prestado pelo Estatuto. A "proibição" do comércio, além de falsa, poderá no máximo dificultar um pouco o acesso de parte da população a balas - o que eu acho ótimo, mas não a ponto de justificar o gasto de várias centenas de milhares de reais numa votação. Minha principal motivação para defender o "sim", porém, é, como já adiantei, filosófica. Não acredito em bom selvagem, emancipação do homem ou redenção da sociedade, mas a civilização, que vem prosperando ainda que tropegamente sob a égide da razão, já amadureceu o suficiente para impor a seus integrantes que não resolvam suas diferenças à bala. Eliminar as armas é só uma idéia reguladora, uma meta longínqua que provavelmente jamais será alcançada. É justamente o tipo de idéia no qual vale a pena votar.
Fonte: Folha Online
terça-feira, outubro 11, 2005
PT versus PT
Comportamento de Dirceu irrita cassáveis
Continuação
Na semana passada, Dirceu entrou com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o processo que pode causar a cassação de seu mandato. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria criticado Dirceu nos últimos dias. A avaliação interna no núcleo do governo é de que Dirceu resolveu fazer uma defesa solo junto ao Supremo depois que percebeu de que teria poucas chances de escapar da cassação no plenário da Câmara.
O que mais incomodou ao Planalto no gesto recente de Dirceu é que em agosto os deputados petistas estavam dispostos a renunciar. Na ocasião, o próprio Lula chegou a estimular a renúncia dos petistas como forma de diminuir a crise política. Estavam praticamente decididos os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Paulo Rocha (PT-PA), Professor Luizinho (PT-SP) e José Mentor (PT-SP). Eles recuaram depois de uma conversa com Dirceu, em que ele convenceu os colegas de bancadas a assumir o enfrentamento político das denúncias.
Constrangimento com defesa no Conselho
No Planalto, a avaliação é a de que Dirceu provocou constrangimento aos demais deputados petistas ao fazer sua defesa no Conselho de Ética da Câmara. Naqueles dias, Lula chegou a enviar alguns emissários para que Dirceu optasse pela renúncia, entre eles o senador José Sarney (PMDB-AP) e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Na ocasião, Lula foi informado de uma conversa entre Dirceu e João Paulo, no início de agosto: João Paulo foi ao apartamento de Dirceu para comunicar sua disposição em renunciar, mas foi demovido da idéia pelo ex-ministro.
Nos últimos dias, o presidente já deu sinal verde para que os deputados petistas renunciem ao mandato. Internamente, ele já se manifestou favorável à proposta de que o partido deve dar legenda para quem optar pela renúncia, diferente do que defendeu o atual presidente do PT, Tarso Genro. Ontem, a expectativa era de que uma possível vitória de Ricardo Berzoini na disputa pelo comando do PT facilitaria a renúncia dos deputados petistas. No Planalto, o grande temor é pela vitória de Raul Pont, que já criticou a estratégia que está sendo discutida com os petistas ameaçados de cassação. A vitória de Pont, portanto, poderia prejudicar a renúncia dos deputados petistas.
Continuação
Na semana passada, Dirceu entrou com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o processo que pode causar a cassação de seu mandato. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria criticado Dirceu nos últimos dias. A avaliação interna no núcleo do governo é de que Dirceu resolveu fazer uma defesa solo junto ao Supremo depois que percebeu de que teria poucas chances de escapar da cassação no plenário da Câmara.
O que mais incomodou ao Planalto no gesto recente de Dirceu é que em agosto os deputados petistas estavam dispostos a renunciar. Na ocasião, o próprio Lula chegou a estimular a renúncia dos petistas como forma de diminuir a crise política. Estavam praticamente decididos os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Paulo Rocha (PT-PA), Professor Luizinho (PT-SP) e José Mentor (PT-SP). Eles recuaram depois de uma conversa com Dirceu, em que ele convenceu os colegas de bancadas a assumir o enfrentamento político das denúncias.
Constrangimento com defesa no Conselho
No Planalto, a avaliação é a de que Dirceu provocou constrangimento aos demais deputados petistas ao fazer sua defesa no Conselho de Ética da Câmara. Naqueles dias, Lula chegou a enviar alguns emissários para que Dirceu optasse pela renúncia, entre eles o senador José Sarney (PMDB-AP) e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Na ocasião, Lula foi informado de uma conversa entre Dirceu e João Paulo, no início de agosto: João Paulo foi ao apartamento de Dirceu para comunicar sua disposição em renunciar, mas foi demovido da idéia pelo ex-ministro.
Nos últimos dias, o presidente já deu sinal verde para que os deputados petistas renunciem ao mandato. Internamente, ele já se manifestou favorável à proposta de que o partido deve dar legenda para quem optar pela renúncia, diferente do que defendeu o atual presidente do PT, Tarso Genro. Ontem, a expectativa era de que uma possível vitória de Ricardo Berzoini na disputa pelo comando do PT facilitaria a renúncia dos deputados petistas. No Planalto, o grande temor é pela vitória de Raul Pont, que já criticou a estratégia que está sendo discutida com os petistas ameaçados de cassação. A vitória de Pont, portanto, poderia prejudicar a renúncia dos deputados petistas.
sexta-feira, outubro 07, 2005
Entrevista: Ricardo Berzoini
PELA CONVOCAÇÃO DO CONGRESSO INTERNO
Respostas de Ricardo Berzoini às perguntas dos leitores
CartaCapital: Na sua visão, concretamente, cite dois erros da relação partido/governo cometidos até aqui e diga como resolvê-los. (Nelson Ricardo da Costa e Silva, São Gonçalo, RJ)
Ricardo Berzoini: Um problema que tivemos principalmente em 2003, foi uma certa mistura dos elementos de governo com o partido, até por solidariedade para com os companheiros que passaram a ocupar cargos no Executivo. Outro problema foi não acertar na mediação entre governo, Parlamento e movimentos sociais. O PT deve estabelecer um diálogo muito franco e objetivo para balizar a distância entre governo, Parlamento e movimento social. A característica mais importante do PT é exatamente essa capacidade de se relacionar permanentemente com a vida real, não apenas com a vida parlamentar e com a de governo.
CC: Alguns deputados que fundaram o PT estão migrando para outros partidos. O senhor acha que isso é traição? (Marcelo Lucena da Silva, Brasília, DF)
RB: Lamento muito a saída desses companheiros, que poderiam compor uma Executiva mais democrática e plural, espaço conquistado por eles no primeiro turno. Por outro lado, é muito complicada a posição de deixar o partido após um resultado eleitoral adverso. Ainda que ele tenha sido aquém da expectativa, é uma posição antidemocrática. Tenho dito que o PT sempre conviveu com adversidades e sempre pôde debater e aprender com os momentos de crise. Os petistas de coração não deixam o barco na primeira tormenta. Quem abandona o barco mostra só ter vocação para navegar em águas calmas.
CC:O que o senhor pretende fazer para colaborar com a construção de um sistema de comunicação de massa alternativo? (Helio Marcio da Silva Carneiro, Conceição do Coité, BA)
RB: A crise foi desencadeada por erros de ex-dirigentes, mas foi claramente amplificada e instrumentalizada por setores da mídia e da oposição. O PT precisa chamar a sociedade para um debate sobre como democratizar os meios de comunicação, hoje concentrados nas mãos de seis famílias. Não é uma questão simples. O PT tem a liberdade de imprensa como uma bandeira, desde que não seja restrita a “liberdade de empresa”.
CC: O que o senhor pensa sobre práticas adotadas pelo PT nas últimas campanhas, como o excesso de marketing, a utilização de militância paga e alianças pragmáticas e não programáticas? (Leonardo Malta de Tolla, Porto Alegre, RS)
RB: Precisamos lembrar que o Campo Majoritário, ainda que reconheça erros no último período, teve papel fundamental na caminhada que levou o presidente Lula à Presidência da República. Erros foram cometidos e mecanismos precisam ser criados para que não possam se repetir. Sou defensor de mudanças nos mecanismos internos do partido, bem como na legislação eleitoral já para 2006. A proibição de cartazes e outdoors, e encurtamento do período para baratear a campanha são algumas dessas mudanças. Não é produtivo para o País uma campanha tão longa e custosa, além do que, o debate programático termina em segundo plano. O PT vai retomar a bandeira da ética na política e precisa voltar à vanguarda da discussão da Reforma Política.
CC: Gostaria de saber qual será sua postura em relação ao apoio ao governo, uma vez que o governo é do PT?(José Geraldo de Miranda, Conselheiro Lafaiete, MG)
RB: Costumo dizer que esse é o nosso governo, do nosso partido. Isso quer dizer que ele deve ser defendido dos ataques que vem sofrendo e da tentativa de nossos adversários de antecipar o calendário eleitoral. O governo do presidente Lula foi uma conquista estratégica para o plano do PT por um país mais justo e igualitário. Além disso, o governo é melhor do que os anteriores, com uma política econômica vitoriosa, os maiores investimentos no social da história, incentivo à agricultura familiar, criação de facilidades de microcrédito, geração de empregos e exportações recordes, entre outros avanços. Ainda que seja papel do PT fazer críticas pontuais, refletir e debater as políticas de governo, não podemos tergiversar em sua defesa.
CC: É difícil, para um simples filiado como eu, imaginar como o partido pôde ter sido tão ingênuo diante de tudo o que tem acontecido. O PT é assim “bobinho” ou tem um trunfo para dar a volta por cima e mudar de uma vez por todas este país? (Até a publicação desta entrevista, o autor desta pergunta não havia se identificado como solicitado pela redação)
RB: O trunfo do PT é a militância, sua verdadeira alma. O partido não é de uma liderança ou de um parlamentar, mas de toda a base. Isso foi demonstrado no dia 18 de setembro, quando 314 mil filiados compareceram às urnas para votar no primeiro turno PED, deixando claro que querem preservar o patrimônio político construído nos últimos 25 anos. Por erros de omissão ou atropelo de instâncias por parte de alguns ex-dirigentes permitiram que o partido fosse tomado de assalto. A base vai cobrar como nunca dos futuros dirigentes transparência e democracia nas decisões internas.
CC: Como o senhor pretende reverter o quadro de esvaziamento do partido devido aos escândalos das denúncias de Roberto Jefferson e também pela falta de atitude dos atuais dirigentes em esclarecer à sociedade o que realmente se passou? (Leonel Amaral, Porto Alegre, RS)
RB: A atual Executiva está cumprindo as etapas do processo de apuração de acordo com o estatuto do partido de todos os acusados para punir os que se mostrarem responsáveis por irregularidades. Tudo com garantia do direito de defesa. No caso do ex-tesoureiro, Delúbio Soares, já temos até o parecer da Comissão de Ética do partido favorável à cassação, que só não foi executada por causa de uma liminar judicial. Tão importante quanto apurar, e punir com justiça, é impedir que haja pré-julgamentos.
CC: Qual será a posição do PT com relação a assuntos como dívida externa e apoio ao presidente Lula, caso o senhor vença?(Sérgio Ricardo Braga da Silva, Primavera, SP)
RB: O apoio ao presidente Lula não está em discussão. Acredito que ele tem todas as condições para se candidatar à reeleição. Com relação à dívida externa, a discussão envolve toda a política econômica, que é vitoriosa, porque reverteu um cenário de adversidades e consegue hoje inflação controlada e crescimento econômico com geração de empregos. A condução a respeito da dívida externa apresenta uma melhora na relação dívida externa/PIB. Segundo dados do Banco Central, de 42,4% para 28,2%, o que é um avanço considerável para o País e para ampliar a confiança externa. Nossa discussão com relação à política econômica diz respeito à execução orçamentária e às metas de inflação, que poderiam acelerar o corte de juros.
CC: Por que o PT chegou à Presidência da República sem um plano de governo e sem pensar em aspectos fundamentais, e até óbvios, como, por exemplo, quem presidiria o BC? (Maurício Martins, São Paulo, SP)
RB: O PT tem sim programa de governo que vem sendo realizado dentro do possível. Tem também quadros para ocupar os cargos do Executivo federal. Ao mesmo tempo, o governo é o resultado possível de uma aliança com outros partidos e setores da sociedade, o que exige composição. O presidente Lula e o PT prepararam-se durante 25 anos para governar o País. Mas as mudanças não acontecem do dia para a noite, mesmo porque, é preciso dialogar democraticamente com a sociedade e com o Parlamento. O presidente do BC e os ministros foram escolhas do presidente, considerando diversas questões, desde as alianças até as políticas que seriam executadas.
CC: O que o senhor entende por uma política econômica de esquerda e em que medida esta é passível de ser posta em prática na sociedade brasileira? (Tiago Oliveira, Salvador, BA)
RB: É uma política que busque crescimento econômico com distribuição de renda. Dentro das condições históricas, esse tem sido um dos nortes do governo Lula, com medidas que vão muito além da política macroeconômica. Refiro-me aos incentivos à economia solidária, ao microcrédito, ao financiamento à agricultura familiar. É claro que desejamos mais distribuição de renda, porque o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo. Mas 500 anos de injustiças sociais só podem ser revertidos com uma luta incessante.
CC: Diante do processo de desconstrução da imagem do PT a que temos assistido, o que fazer e como fazer para se recuperar dos danos causados por um grupo de dirigentes que tratou o partido como propriedade particular?(Marcos Antonio de Faria, Barbacena, MG)
RB: Esse é um dos motivos por que queremos convocar o III Congresso interno do PT. Para fazer todas as mudanças que o partido precisa para redemocratizar e reorganizar suas relações internas e as ligações com a base, a legitimidade de um congresso constituinte é muito importante. Precisamos criar mecanismos de transparência para as relações e para as finanças, como o Orçamento Participativo (OP) no PT. A busca por inovações que sempre foi uma das marcas do modo petista de governar é uma das saídas. Queremos ainda promover cursos de formação de quadros permanentes em todas as instâncias, além de fortalecer os setoriais. São formas de aproximar o partido de sua base, ampliar o diálogo e a transparência, para impedir que dirigentes tomem o partido de assalto.
CC: O senhor vai, em conjunto com a Executiva, promover novamente um diálogo maior entre o comando e a base petista?(Thiago Candido da Silva, São Paulo, SP)
RB: Para este fim, o III Congresso também pode ajudar muito. Primeiro, porque os movimentos sociais terão papel ativo e de destaque. Poderemos também construir fóruns de discussão permanentes com a base, tanto com movimentos como com intelectuais. Outra medida é o fortalecimento das instâncias partidárias. As setoriais têm papel de destaque a exercer nessa reaproximação. Além disso, vários mandatos de parlamentares e prefeitos têm grande sucesso no diálogo com os movimentos sociais. Essas trocas precisam ser aproveitadas pelo partido como um todo, institucionalizando as relações para além do mandato em torno do qual se articulam.
Fonte: Carta Capital
Respostas de Ricardo Berzoini às perguntas dos leitores
CartaCapital: Na sua visão, concretamente, cite dois erros da relação partido/governo cometidos até aqui e diga como resolvê-los. (Nelson Ricardo da Costa e Silva, São Gonçalo, RJ)
Ricardo Berzoini: Um problema que tivemos principalmente em 2003, foi uma certa mistura dos elementos de governo com o partido, até por solidariedade para com os companheiros que passaram a ocupar cargos no Executivo. Outro problema foi não acertar na mediação entre governo, Parlamento e movimentos sociais. O PT deve estabelecer um diálogo muito franco e objetivo para balizar a distância entre governo, Parlamento e movimento social. A característica mais importante do PT é exatamente essa capacidade de se relacionar permanentemente com a vida real, não apenas com a vida parlamentar e com a de governo.
CC: Alguns deputados que fundaram o PT estão migrando para outros partidos. O senhor acha que isso é traição? (Marcelo Lucena da Silva, Brasília, DF)
RB: Lamento muito a saída desses companheiros, que poderiam compor uma Executiva mais democrática e plural, espaço conquistado por eles no primeiro turno. Por outro lado, é muito complicada a posição de deixar o partido após um resultado eleitoral adverso. Ainda que ele tenha sido aquém da expectativa, é uma posição antidemocrática. Tenho dito que o PT sempre conviveu com adversidades e sempre pôde debater e aprender com os momentos de crise. Os petistas de coração não deixam o barco na primeira tormenta. Quem abandona o barco mostra só ter vocação para navegar em águas calmas.
CC:O que o senhor pretende fazer para colaborar com a construção de um sistema de comunicação de massa alternativo? (Helio Marcio da Silva Carneiro, Conceição do Coité, BA)
RB: A crise foi desencadeada por erros de ex-dirigentes, mas foi claramente amplificada e instrumentalizada por setores da mídia e da oposição. O PT precisa chamar a sociedade para um debate sobre como democratizar os meios de comunicação, hoje concentrados nas mãos de seis famílias. Não é uma questão simples. O PT tem a liberdade de imprensa como uma bandeira, desde que não seja restrita a “liberdade de empresa”.
CC: O que o senhor pensa sobre práticas adotadas pelo PT nas últimas campanhas, como o excesso de marketing, a utilização de militância paga e alianças pragmáticas e não programáticas? (Leonardo Malta de Tolla, Porto Alegre, RS)
RB: Precisamos lembrar que o Campo Majoritário, ainda que reconheça erros no último período, teve papel fundamental na caminhada que levou o presidente Lula à Presidência da República. Erros foram cometidos e mecanismos precisam ser criados para que não possam se repetir. Sou defensor de mudanças nos mecanismos internos do partido, bem como na legislação eleitoral já para 2006. A proibição de cartazes e outdoors, e encurtamento do período para baratear a campanha são algumas dessas mudanças. Não é produtivo para o País uma campanha tão longa e custosa, além do que, o debate programático termina em segundo plano. O PT vai retomar a bandeira da ética na política e precisa voltar à vanguarda da discussão da Reforma Política.
CC: Gostaria de saber qual será sua postura em relação ao apoio ao governo, uma vez que o governo é do PT?(José Geraldo de Miranda, Conselheiro Lafaiete, MG)
RB: Costumo dizer que esse é o nosso governo, do nosso partido. Isso quer dizer que ele deve ser defendido dos ataques que vem sofrendo e da tentativa de nossos adversários de antecipar o calendário eleitoral. O governo do presidente Lula foi uma conquista estratégica para o plano do PT por um país mais justo e igualitário. Além disso, o governo é melhor do que os anteriores, com uma política econômica vitoriosa, os maiores investimentos no social da história, incentivo à agricultura familiar, criação de facilidades de microcrédito, geração de empregos e exportações recordes, entre outros avanços. Ainda que seja papel do PT fazer críticas pontuais, refletir e debater as políticas de governo, não podemos tergiversar em sua defesa.
CC: É difícil, para um simples filiado como eu, imaginar como o partido pôde ter sido tão ingênuo diante de tudo o que tem acontecido. O PT é assim “bobinho” ou tem um trunfo para dar a volta por cima e mudar de uma vez por todas este país? (Até a publicação desta entrevista, o autor desta pergunta não havia se identificado como solicitado pela redação)
RB: O trunfo do PT é a militância, sua verdadeira alma. O partido não é de uma liderança ou de um parlamentar, mas de toda a base. Isso foi demonstrado no dia 18 de setembro, quando 314 mil filiados compareceram às urnas para votar no primeiro turno PED, deixando claro que querem preservar o patrimônio político construído nos últimos 25 anos. Por erros de omissão ou atropelo de instâncias por parte de alguns ex-dirigentes permitiram que o partido fosse tomado de assalto. A base vai cobrar como nunca dos futuros dirigentes transparência e democracia nas decisões internas.
CC: Como o senhor pretende reverter o quadro de esvaziamento do partido devido aos escândalos das denúncias de Roberto Jefferson e também pela falta de atitude dos atuais dirigentes em esclarecer à sociedade o que realmente se passou? (Leonel Amaral, Porto Alegre, RS)
RB: A atual Executiva está cumprindo as etapas do processo de apuração de acordo com o estatuto do partido de todos os acusados para punir os que se mostrarem responsáveis por irregularidades. Tudo com garantia do direito de defesa. No caso do ex-tesoureiro, Delúbio Soares, já temos até o parecer da Comissão de Ética do partido favorável à cassação, que só não foi executada por causa de uma liminar judicial. Tão importante quanto apurar, e punir com justiça, é impedir que haja pré-julgamentos.
CC: Qual será a posição do PT com relação a assuntos como dívida externa e apoio ao presidente Lula, caso o senhor vença?(Sérgio Ricardo Braga da Silva, Primavera, SP)
RB: O apoio ao presidente Lula não está em discussão. Acredito que ele tem todas as condições para se candidatar à reeleição. Com relação à dívida externa, a discussão envolve toda a política econômica, que é vitoriosa, porque reverteu um cenário de adversidades e consegue hoje inflação controlada e crescimento econômico com geração de empregos. A condução a respeito da dívida externa apresenta uma melhora na relação dívida externa/PIB. Segundo dados do Banco Central, de 42,4% para 28,2%, o que é um avanço considerável para o País e para ampliar a confiança externa. Nossa discussão com relação à política econômica diz respeito à execução orçamentária e às metas de inflação, que poderiam acelerar o corte de juros.
CC: Por que o PT chegou à Presidência da República sem um plano de governo e sem pensar em aspectos fundamentais, e até óbvios, como, por exemplo, quem presidiria o BC? (Maurício Martins, São Paulo, SP)
RB: O PT tem sim programa de governo que vem sendo realizado dentro do possível. Tem também quadros para ocupar os cargos do Executivo federal. Ao mesmo tempo, o governo é o resultado possível de uma aliança com outros partidos e setores da sociedade, o que exige composição. O presidente Lula e o PT prepararam-se durante 25 anos para governar o País. Mas as mudanças não acontecem do dia para a noite, mesmo porque, é preciso dialogar democraticamente com a sociedade e com o Parlamento. O presidente do BC e os ministros foram escolhas do presidente, considerando diversas questões, desde as alianças até as políticas que seriam executadas.
CC: O que o senhor entende por uma política econômica de esquerda e em que medida esta é passível de ser posta em prática na sociedade brasileira? (Tiago Oliveira, Salvador, BA)
RB: É uma política que busque crescimento econômico com distribuição de renda. Dentro das condições históricas, esse tem sido um dos nortes do governo Lula, com medidas que vão muito além da política macroeconômica. Refiro-me aos incentivos à economia solidária, ao microcrédito, ao financiamento à agricultura familiar. É claro que desejamos mais distribuição de renda, porque o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo. Mas 500 anos de injustiças sociais só podem ser revertidos com uma luta incessante.
CC: Diante do processo de desconstrução da imagem do PT a que temos assistido, o que fazer e como fazer para se recuperar dos danos causados por um grupo de dirigentes que tratou o partido como propriedade particular?(Marcos Antonio de Faria, Barbacena, MG)
RB: Esse é um dos motivos por que queremos convocar o III Congresso interno do PT. Para fazer todas as mudanças que o partido precisa para redemocratizar e reorganizar suas relações internas e as ligações com a base, a legitimidade de um congresso constituinte é muito importante. Precisamos criar mecanismos de transparência para as relações e para as finanças, como o Orçamento Participativo (OP) no PT. A busca por inovações que sempre foi uma das marcas do modo petista de governar é uma das saídas. Queremos ainda promover cursos de formação de quadros permanentes em todas as instâncias, além de fortalecer os setoriais. São formas de aproximar o partido de sua base, ampliar o diálogo e a transparência, para impedir que dirigentes tomem o partido de assalto.
CC: O senhor vai, em conjunto com a Executiva, promover novamente um diálogo maior entre o comando e a base petista?(Thiago Candido da Silva, São Paulo, SP)
RB: Para este fim, o III Congresso também pode ajudar muito. Primeiro, porque os movimentos sociais terão papel ativo e de destaque. Poderemos também construir fóruns de discussão permanentes com a base, tanto com movimentos como com intelectuais. Outra medida é o fortalecimento das instâncias partidárias. As setoriais têm papel de destaque a exercer nessa reaproximação. Além disso, vários mandatos de parlamentares e prefeitos têm grande sucesso no diálogo com os movimentos sociais. Essas trocas precisam ser aproveitadas pelo partido como um todo, institucionalizando as relações para além do mandato em torno do qual se articulam.
Fonte: Carta Capital
Entrevista: Raul Pont
POR UMA CONSTITUINTE PETISTA
Respostas de Raul Pont às perguntas dos leitores
CartaCapital: Na sua visão, concretamente, cite dois erros da relação partido/governo cometidos até aqui e diga como resolvê-los. (Nelson Ricardo da Costa e Silva, São Gonçalo, RJ)
Raul Pont: Na relação partido/governo, detectamos dois erros graves. O primeiro foi a ausência de autonomia do partido diante do governo, em que o Diretório Nacional tornou-se um mero homologador das políticas implementadas pelo governo, perdendo sua capacidade crítica e propositiva. O segundo erro foi que, com a chegada ao governo federal, o partido acentuou a ruptura com seus princípios e sua história. Essa ruptura vinha expressando-se em três pontos cruciais: na diluição dos valores socialistas na cultura petista; nas práticas políticas e alianças que perderam o sentido de enfrentamento com o neoliberalismo e de participação popular; e na dominação do partido por um “campo majoritário” que asfixiou a democracia interna e implementou uma organização partidária sem controle pela base.
CC: Alguns deputados que fundaram o PT estão migrando para outros partidos. O senhor acha que isso é traição? (Marcelo Lucena da Silva, Brasília, DF)
RP: Lamentamos a opção dos companheiros que hoje deixam o PT em direção a outra opção partidária. São companheiros que construíram a história do nosso Partido e optam pela desistência no exato momento em que a base rechaça o continuísmo. Essa atitude é equivocada. Um erro político que conduz à dispersão, à atomização da esquerda.
CC: O que o senhor pretende fazer para colaborar com a construção de um sistema de comunicação de massa alternativo? (Helio Marcio da Silva Carneiro, Conceição do Coité, BA)
RP: A elaboração de um sistema de comunicação alternativo no País, que nos tire da condição de reféns da grande mídia e da cobertura que esta faz das nossas ações é fundamental. Acreditamos que a comunicação alternativa e popular deve ser um dos temas de debate do Congresso do PT, que queremos realizar o mais rápido possível. Neste sentido, destacamos o importante papel que vem sendo cumprido pelas rádios comunitárias na democratização da informação no País.
CC: O que o senhor pensa sobre práticas adotadas pelo PT nas últimas campanhas, como o excesso de marketing, a utilização de militância paga e alianças pragmáticas e não programáticas? (Leonardo Malta de Tolla, Porto Alegre, RS)
RP: O problema que temos de enfrentar é o do atual sistema político brasileiro, movido pela lógica do financiamento privado das campanhas e do voto nominal, que estimula campanhas personalistas em que o marketing prepondera sobre o programa. O PT precisa enfrentar esse tema no Congresso Nacional para garantir a votação da Reforma Política. Com o financiamento público de campanhas, o voto em lista preordenada e a fidelidade partidária teremos a vitória do programa sobre o personalismo e a garantia do controle dos eleitos pelo partido. Com essas mudanças, a população vai optar pelo programa do partido e não pelo melhor slogan de campanha. Teremos campanhas mais baratas e melhores condições de disputa. Quanto à política de alianças, ela não pode estar alicerçada apenas em maiorias parlamentares. As derrotas que sofremos no Congresso Nacional durante o governo Lula confirmam isso. Defendemos alianças construídas em cima de compromissos programáticos, não só com partidos políticos, mas principalmente com os movimentos sociais, que possuem capacidade de mobilizar milhares de pessoas na sustentação das políticas públicas transformadoras deste país.
CC: Gostaria de saber qual será sua postura em relação ao apoio ao governo, uma vez que o governo é do PT? (José Geraldo de Miranda, Conselheiro Lafaiete, MG)
RP: Temos claro o papel estratégico tanto do governo Lula quanto da autonomia do partido perante o governo. As instâncias partidárias têm de ser ouvidas e têm de opinar sobre as ações de governo, apresentando propostas, projetos. Esse é o papel do partido. E é esse papel que nos propomos a resgatar e construir. Nossa disputa interna não visa enfraquecer nem o partido nem o governo, e sim, retomar e manter as bases sociais que nos deram a vitória em 2002 e podem ser verdadeiros sustentáculos das transformações que o País precisa, garantindo assim a reeleição do nosso projeto.
CC: É difícil, para um simples filiado como eu, imaginar como o partido pôde ter sido tão ingênuo diante de tudo o que tem acontecido. O PT é assim “bobinho” ou tem um trunfo para dar a volta por cima e mudar de uma vez por todas este país? (Até a publicação da entrevista, o autor desta pergunta não havia se identificado como solicitado pela redação)
RP: Como demonstra a participação dos filiados neste processo interno, a vitalidade do PT é imensa. As raízes que o PT tem na sociedade brasileira são fortes o suficiente para um movimento de reorganização partidária, de correção de rumos. Daí a nossa proposta de realizar um Congresso partidário com o caráter de Constituinte Petista.
CC: Como o senhor pretende reverter o quadro de esvaziamento do partido devido aos escândalos das denúncias de Roberto Jefferson e também pela falta de atitude dos atuais dirigentes em esclarecer à sociedade o que realmente se passou? (Leonel Amaral, Porto Alegre, RS)
RP: Identificar e punir, rapidamente, os responsáveis é a resposta imediata que a nova Direção deverá realizar, sinalizando que o partido não concorda e não pratica esses métodos com os quais alguns dirigentes e parlamentares se envolveram. A demonstração que a militância do PT deu, com o comparecimento ao PED, é uma clara sinalização de que é preciso abrir o partido para um debate profundo, uma reflexão abrangente sobre a nossa história e sobre as perspectivas de futuro, com um Congresso partidário para reorganizar o PT.
CC: Qual será a posição do PT com relação a assuntos como dívida externa e apoio ao presidente Lula, caso o senhor vença? (Sérgio Ricardo Braga da Silva, Primavera, SP)
RP: O PT tem posição sobre dívida externa, expressa no documento aprovado como proposta de Programa de Governo, no 12° Encontro Nacional, em dezembro de 2001. Com base no nosso programa e na experiência do nosso governo, o partido nos seus encontros e congressos atualiza suas definições. O apoio do PT ao governo será mais eficiente quando, preservada a sua autonomia, volte a ser um centro elaborador de políticas e propositivo frente ao governo. Cabe também ao partido organizar uma aliança política e social, com bases programáticas, que num processo democrático e participativo garanta governabilidade.
CC: Por que o PT chegou à Presidência da República sem um plano de governo e sem pensar em aspectos fundamentais, e até óbvios, como, por exemplo, quem presidiria o BC? (Maurício Martins, São Paulo, SP)
RP: O PT chegou ao governo com um programa. Coube ao presidente Lula, a partir da aliança vitoriosa, e de acordo com aquele momento político, escolher os seus colaboradores diretos.
CC: O que o senhor entende por uma política econômica de esquerda e em que medida esta é passível de ser posta em prática na sociedade brasileira? (Tiago Oliveira, Salvador, BA)
RP: É perfeitamente possível baixar os juros sensivelmente e ter uma política de crescimento e maior incidência em outros mecanismos que impeçam a inflação. Por exemplo, os preços indexados das tarifas públicas (telefonia, energia elétrica, gás de cozinha e combustíveis) são elementos de pressão inflacionária assim como o caráter oligopolista das redes de distribuição de gêneros de primeira necessidade ou da falta de regulamentação e controle sobre os preços que atingem toda a população como os serviços de saúde e educação privados, os preços dos medicamentos, a especulação imobiliária. Este conjunto de questões sendo enfrentado pelo governo permitiria dispensar, sensivelmente, uma taxa de juro alta.
CC: Diante do processo de desconstrução da imagem do PT a que temos assistido, o que fazer e como fazer para se recuperar dos danos causados por um grupo de dirigentes que tratou o partido como propriedade particular? (Marcos Antonio de Faria, Barbacena, MG)
RP: É necessário distinguir duas situações. Uma coisa é a indignação e revolta contra alguns dirigentes e parlamentares, que foram responsáveis pelo envolvimento do partido em esquemas de financiamento de campanhas eleitorais e o uso desses recursos para alimentar, também, disputas internas no próprio PT . Para isso, precisamos ser exemplares na apuração das responsabilidades e punição dos culpados. Outra coisa é detectar o que é o preconceito e tentativa de liquidar com o partido pela cobertura de vários dos grandes órgãos de comunicação do País. Esse tratamento tendencioso e dirigido para atacar o PT como um todo é uma tônica permanente nas coberturas. Quebrar o preconceito criado pela mídia será mais difícil e demorado e necessitará, também, de iniciativas potentes em políticas públicas desenvolvidas pelo governo. Não há melhor superação do que iniciativas que alterem e melhorem as condições de vida da maioria da população.
CC: O senhor vai, em conjunto com a Executiva, promover novamente um diálogo maior entre o comando e a base petista? (Thiago Candido da Silva, São Paulo, SP)
RP: Defendemos um processo em que os militantes não apenas votem (e deleguem poderes a uma nova direção), mas também participem – um congresso de refundação do PT , uma constituinte petista, a ser realizado no menor prazo possível após as eleições internas. Ela deve ter papel e poder para reencontrar o partido com suas origens, seus militantes, seu programa e sua base social, e, assim, fazer frente aos desafios atuais de governo. Nossa postura será no sentido de garantir maior participação da base nas decisões partidárias, a sustentação financeira militante do PT e a proporcionalidade qualitativa nas direções do PT, onde uma mesma corrente não possa ficar com os principais cargos da Executiva.
Fonte: Carta Capital
Respostas de Raul Pont às perguntas dos leitores
CartaCapital: Na sua visão, concretamente, cite dois erros da relação partido/governo cometidos até aqui e diga como resolvê-los. (Nelson Ricardo da Costa e Silva, São Gonçalo, RJ)
Raul Pont: Na relação partido/governo, detectamos dois erros graves. O primeiro foi a ausência de autonomia do partido diante do governo, em que o Diretório Nacional tornou-se um mero homologador das políticas implementadas pelo governo, perdendo sua capacidade crítica e propositiva. O segundo erro foi que, com a chegada ao governo federal, o partido acentuou a ruptura com seus princípios e sua história. Essa ruptura vinha expressando-se em três pontos cruciais: na diluição dos valores socialistas na cultura petista; nas práticas políticas e alianças que perderam o sentido de enfrentamento com o neoliberalismo e de participação popular; e na dominação do partido por um “campo majoritário” que asfixiou a democracia interna e implementou uma organização partidária sem controle pela base.
CC: Alguns deputados que fundaram o PT estão migrando para outros partidos. O senhor acha que isso é traição? (Marcelo Lucena da Silva, Brasília, DF)
RP: Lamentamos a opção dos companheiros que hoje deixam o PT em direção a outra opção partidária. São companheiros que construíram a história do nosso Partido e optam pela desistência no exato momento em que a base rechaça o continuísmo. Essa atitude é equivocada. Um erro político que conduz à dispersão, à atomização da esquerda.
CC: O que o senhor pretende fazer para colaborar com a construção de um sistema de comunicação de massa alternativo? (Helio Marcio da Silva Carneiro, Conceição do Coité, BA)
RP: A elaboração de um sistema de comunicação alternativo no País, que nos tire da condição de reféns da grande mídia e da cobertura que esta faz das nossas ações é fundamental. Acreditamos que a comunicação alternativa e popular deve ser um dos temas de debate do Congresso do PT, que queremos realizar o mais rápido possível. Neste sentido, destacamos o importante papel que vem sendo cumprido pelas rádios comunitárias na democratização da informação no País.
CC: O que o senhor pensa sobre práticas adotadas pelo PT nas últimas campanhas, como o excesso de marketing, a utilização de militância paga e alianças pragmáticas e não programáticas? (Leonardo Malta de Tolla, Porto Alegre, RS)
RP: O problema que temos de enfrentar é o do atual sistema político brasileiro, movido pela lógica do financiamento privado das campanhas e do voto nominal, que estimula campanhas personalistas em que o marketing prepondera sobre o programa. O PT precisa enfrentar esse tema no Congresso Nacional para garantir a votação da Reforma Política. Com o financiamento público de campanhas, o voto em lista preordenada e a fidelidade partidária teremos a vitória do programa sobre o personalismo e a garantia do controle dos eleitos pelo partido. Com essas mudanças, a população vai optar pelo programa do partido e não pelo melhor slogan de campanha. Teremos campanhas mais baratas e melhores condições de disputa. Quanto à política de alianças, ela não pode estar alicerçada apenas em maiorias parlamentares. As derrotas que sofremos no Congresso Nacional durante o governo Lula confirmam isso. Defendemos alianças construídas em cima de compromissos programáticos, não só com partidos políticos, mas principalmente com os movimentos sociais, que possuem capacidade de mobilizar milhares de pessoas na sustentação das políticas públicas transformadoras deste país.
CC: Gostaria de saber qual será sua postura em relação ao apoio ao governo, uma vez que o governo é do PT? (José Geraldo de Miranda, Conselheiro Lafaiete, MG)
RP: Temos claro o papel estratégico tanto do governo Lula quanto da autonomia do partido perante o governo. As instâncias partidárias têm de ser ouvidas e têm de opinar sobre as ações de governo, apresentando propostas, projetos. Esse é o papel do partido. E é esse papel que nos propomos a resgatar e construir. Nossa disputa interna não visa enfraquecer nem o partido nem o governo, e sim, retomar e manter as bases sociais que nos deram a vitória em 2002 e podem ser verdadeiros sustentáculos das transformações que o País precisa, garantindo assim a reeleição do nosso projeto.
CC: É difícil, para um simples filiado como eu, imaginar como o partido pôde ter sido tão ingênuo diante de tudo o que tem acontecido. O PT é assim “bobinho” ou tem um trunfo para dar a volta por cima e mudar de uma vez por todas este país? (Até a publicação da entrevista, o autor desta pergunta não havia se identificado como solicitado pela redação)
RP: Como demonstra a participação dos filiados neste processo interno, a vitalidade do PT é imensa. As raízes que o PT tem na sociedade brasileira são fortes o suficiente para um movimento de reorganização partidária, de correção de rumos. Daí a nossa proposta de realizar um Congresso partidário com o caráter de Constituinte Petista.
CC: Como o senhor pretende reverter o quadro de esvaziamento do partido devido aos escândalos das denúncias de Roberto Jefferson e também pela falta de atitude dos atuais dirigentes em esclarecer à sociedade o que realmente se passou? (Leonel Amaral, Porto Alegre, RS)
RP: Identificar e punir, rapidamente, os responsáveis é a resposta imediata que a nova Direção deverá realizar, sinalizando que o partido não concorda e não pratica esses métodos com os quais alguns dirigentes e parlamentares se envolveram. A demonstração que a militância do PT deu, com o comparecimento ao PED, é uma clara sinalização de que é preciso abrir o partido para um debate profundo, uma reflexão abrangente sobre a nossa história e sobre as perspectivas de futuro, com um Congresso partidário para reorganizar o PT.
CC: Qual será a posição do PT com relação a assuntos como dívida externa e apoio ao presidente Lula, caso o senhor vença? (Sérgio Ricardo Braga da Silva, Primavera, SP)
RP: O PT tem posição sobre dívida externa, expressa no documento aprovado como proposta de Programa de Governo, no 12° Encontro Nacional, em dezembro de 2001. Com base no nosso programa e na experiência do nosso governo, o partido nos seus encontros e congressos atualiza suas definições. O apoio do PT ao governo será mais eficiente quando, preservada a sua autonomia, volte a ser um centro elaborador de políticas e propositivo frente ao governo. Cabe também ao partido organizar uma aliança política e social, com bases programáticas, que num processo democrático e participativo garanta governabilidade.
CC: Por que o PT chegou à Presidência da República sem um plano de governo e sem pensar em aspectos fundamentais, e até óbvios, como, por exemplo, quem presidiria o BC? (Maurício Martins, São Paulo, SP)
RP: O PT chegou ao governo com um programa. Coube ao presidente Lula, a partir da aliança vitoriosa, e de acordo com aquele momento político, escolher os seus colaboradores diretos.
CC: O que o senhor entende por uma política econômica de esquerda e em que medida esta é passível de ser posta em prática na sociedade brasileira? (Tiago Oliveira, Salvador, BA)
RP: É perfeitamente possível baixar os juros sensivelmente e ter uma política de crescimento e maior incidência em outros mecanismos que impeçam a inflação. Por exemplo, os preços indexados das tarifas públicas (telefonia, energia elétrica, gás de cozinha e combustíveis) são elementos de pressão inflacionária assim como o caráter oligopolista das redes de distribuição de gêneros de primeira necessidade ou da falta de regulamentação e controle sobre os preços que atingem toda a população como os serviços de saúde e educação privados, os preços dos medicamentos, a especulação imobiliária. Este conjunto de questões sendo enfrentado pelo governo permitiria dispensar, sensivelmente, uma taxa de juro alta.
CC: Diante do processo de desconstrução da imagem do PT a que temos assistido, o que fazer e como fazer para se recuperar dos danos causados por um grupo de dirigentes que tratou o partido como propriedade particular? (Marcos Antonio de Faria, Barbacena, MG)
RP: É necessário distinguir duas situações. Uma coisa é a indignação e revolta contra alguns dirigentes e parlamentares, que foram responsáveis pelo envolvimento do partido em esquemas de financiamento de campanhas eleitorais e o uso desses recursos para alimentar, também, disputas internas no próprio PT . Para isso, precisamos ser exemplares na apuração das responsabilidades e punição dos culpados. Outra coisa é detectar o que é o preconceito e tentativa de liquidar com o partido pela cobertura de vários dos grandes órgãos de comunicação do País. Esse tratamento tendencioso e dirigido para atacar o PT como um todo é uma tônica permanente nas coberturas. Quebrar o preconceito criado pela mídia será mais difícil e demorado e necessitará, também, de iniciativas potentes em políticas públicas desenvolvidas pelo governo. Não há melhor superação do que iniciativas que alterem e melhorem as condições de vida da maioria da população.
CC: O senhor vai, em conjunto com a Executiva, promover novamente um diálogo maior entre o comando e a base petista? (Thiago Candido da Silva, São Paulo, SP)
RP: Defendemos um processo em que os militantes não apenas votem (e deleguem poderes a uma nova direção), mas também participem – um congresso de refundação do PT , uma constituinte petista, a ser realizado no menor prazo possível após as eleições internas. Ela deve ter papel e poder para reencontrar o partido com suas origens, seus militantes, seu programa e sua base social, e, assim, fazer frente aos desafios atuais de governo. Nossa postura será no sentido de garantir maior participação da base nas decisões partidárias, a sustentação financeira militante do PT e a proporcionalidade qualitativa nas direções do PT, onde uma mesma corrente não possa ficar com os principais cargos da Executiva.
Fonte: Carta Capital
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