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sexta-feira, outubro 28, 2005

Anular as votações do mensalão

Luciana Genro
Por 13 votos a 1 (da petista Ângela Guadagnin) foi aprovado no Conselho de Ética da Câmara o parecer do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) pela cassação do deputado José Dirceu. O ex-ministro foi abandonado pela própria base governista que deu votos pela cassação. Para além da provável cassação do deputado, é interessante analisarmos as conseqüências desta decisão, que ainda será submetida ao plenário da Câmara, no que diz respeito ao debate sobre a existência real ou não do mensalão. O PT, o PP, o PL e os demais partidos do Governo tem sustentado que o mensalão nunca existiu. O próprio partido do relator Júlio Delgado, o PSB, é um destes. Entretanto o relatório do deputado Delgado é enfático em pedir a cassação do deputado José Dirceu, apontando-o como o autor intelectual do mensalão. Vejamos em sua próprias palavras:
“A Câmara dos Deputados inegavelmente curvou-se a um esquema de corrupção ardilosamente arquitetado com o intuito de manipular a atuação de bancadas e partidos. É lastimável. Mas temos de ter coragem de reconhecer e admitir que este esquema de 'governabilidade de amor remunerado' só alcançaria êxito em ambiente promíscuo”.
A quebra de sigilo bancário permite a conclusão evidente de que os saques nas contas de Marcos Valério coincidiram com votações importantes no Congresso Nacional, como o caso da MP que liberou os transgênicos, citada pelo relator. Ele descreve a “relação entre PT, governo federal e partidos aliados a responsável por este esquema de negociatas denunciado no país e que tinha como objetivo garantir ao PT uma hegemonia de longa duração”. Agregando que era um esquema “atentatório ao livre desenvolvimento da democracia brasileira.” Júlio Delgado conclui afirmando que “a lógica humana nos permite, através de evidências irrefutáveis, afirmar que o deputado José Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem”. Portanto, ele deverá ser cassado por ser o mentor do mensalão, além de outras atitudes anti-éticas, como tráfico de influência. Esta conclusão foi submetida ao voto dos membros do Conselho de Ética, que aprovou-a por quase unanimidade.
É preciso tratar com seriedade este tema. O PSOL tem afirmado constantemente que há indícios muito categóricos de que o mensalão existiu. Por isso defendemos a cassação de todos os deputados envolvidos, defendemos a abertura dos sigilos bancários e telefônicos de todos, não só dos apontados pela CPI, pois certamente o dinheiro foi distribuído entre os deputados da base, e até agora apenas o nome dos líderes apareceu. E, como bem disse o deputado Delgado, esta prática foi atentatória à democracia. As votações foram fraudadas. Que legitimidade existe em uma votação que por escassa margem de votos (a reforma da previdência passou por 40 votos) interferiu na vida de milhares de pessoas, e que está sob a suspeita de ter sido comprada?
É bom lembrar que não foram só os servidores públicos os prejudicados. A reforma tributária prorrogou a DRU, Desvinculação de Receitas da União, permitindo a continuidade do confisco de 20% das receitas que deveriam ir para a seguridade e para a educação, jogando-as para compor o superávit primário e atender a sanha dos banqueiros e dos mercados. Além disso ela também prorrogou a CPMF, um dos impostos mais regressivos pois taxa com a mesma alíquota quem ganha R$500 ou R$ 500 mil.
Basta observar os saques nas contas de Marcos Valério, informados pelo COAF, para perceber a fraude evidente:


· Reforma tributária, aprovado em segundo turno na Câmara em 24 de setembro de 2003; saques efetuados nos dias 23, 25 e 26 de setembro. Total: R$ 1,212 milhão.
A matéria é modificada no Senado em 17 de dezembro de 2003; constam saques nos dias 17 e 19 de dezembro. Total: R$ 470 mil.

· Medida Provisória do salário mínimo, aprovada pela primeira vez na Câmara em 2 de junho de 2004. A matéria é votada novamente na Câmara em 23 de junho, depois de ter sido modificada no Senado.
Saques totais na primeira votação: R$ 500 mil. Na segunda votação: R$ 200 mil.

· Medida Provisória que concedeu status de ministro ao presidente do BC, aprovada na Câmara em 1º de dezembro de 2004.
Saques nos dias 29 e 30 de novembro do mesmo ano. Total: R$ 480 mil.

· Medida Provisória dos Bingos (editada após o episódio Waldomiro Diniz proibindo o funcionamento de bingos no país). Foi aprovada pela Câmara em 30 de março de 2004. O saque foi feito em 29 de março. Total: R$ 200 mil.

· Reforma da Previdência, aprovada em primeiro turno pela Câmara em 5 de agosto de 2003. Saque em 6 de agosto: R$ 200 mil.
Aprovada em segundo turno pela Câmara em 27 de agosto de 2003. Saques entre os dias 25 e 26 de agosto. Total: R$ 200 mil.

No Senado, a matéria é aprovada em 26 de novembro de 2003. Há saques nos dias 26 e 27 no valor total de R$ 400 mil. Aprovada em segundo turno no Senado em 11 de dezembro de 2003. Saque de R$ 120 mil em 10 de dezembro.
Diante disto não resta outra alternativa senão anular estas votações. A grande pizza que está sendo assada no Congresso é esta: cassa-se meia dúzia de deputados, mas mantém-se intocado o resultado essencial do mensalão. Votações fraudadas pela compra de votos continuarão valendo e causando imensos prejuízos ao povo brasileiro.
Luciana Genro é líder do PSOL na Câmara dos Deputados