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sexta-feira, novembro 24, 2006

Desequilíbrio

Continuação
Isso se explica pela disparidade na persistência dos assuntos no noticiário. O casos municipais “duram” muito menos tempo no noticiário do que os casos estaduais, e estes menos do que os federais. Assim, cerca de 1000 dos 1269 casos municipais (79%) receberam coberturas de no máximo três dias, sendo que 700 (55%) foram cobertos um único dia. Para os casos estaduais, cerca de 545 assuntos (ou 64%) foram cobertos no máximo três dias e 340 (40%) uma só vez. Já para os casos federais, a cobertura de no máximo três dias afetou 158 assuntos (42%) e a de um só dia, 48 assuntos (21%).
Não há nenhum motivo para supor que o desequilíbrio na cobertura de outros assuntos políticos e econômicos seja diferente. Nossos jornais fornecem uma imagem do Brasil segundo a qual tudo o que acontece de importante acontece em Brasília, se acontece em Brasília então é importante e se acontece nos estados e nos municípios é desimportante. É como se o Brasil fosse um desses países altamente centralizados nos quais de fato todas as decisões são tomadas pelo governo central, pelos tribunais nacionais e pelos respectivos Congressos.
Mas o Brasil não é assim. Na verdade, trata-se de um dos países mais descentralizados do mundo (sendo que há quem diga que seja o mais descentralizado). Todos os dias, os governos estaduais e municipais, as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores e os Judiciários estaduais tomam decisões importantes para a vida da comunidade.
Não obstante, a maior parte disso tudo passa fundamentalmente em branco para os jornais brasileiros. Não é incomum que uma irrelevância qualquer brasiliense mereça duas ou três colunas de texto nos jornais, enquanto as discussões sobre uma nova Lei de Zoneamento na Câmara de Vereadores, ou sobre um esquema mirabolante na Assembléia Legislativa, não encontrem espaço na cobertura.
Sem dúvida, parte do problema nasce da “cadernização” dos jornais – a segregação das esferas em cadernos fechados. Nascida de determinantes industriais, a cadernização estabelece limites enrijecidos. Um assunto municipal só emplacará o primeiro caderno se for monumentalmente relevante no julgamento do editor. Reciprocamente, como os cadernos têm tamanhos mínimos (não é possível publicar um primeiro caderno com apenas quatro páginas), o resultado é que, mesmo quando falta assunto, o espaço precisa ser ocupado com o que pintar, mesmo que seja perfeitamente descartável.
O determinante principal, porém, não é industrial, mas mental. Parece que nossos jornais e por decorrência nossos jornalistas vivem como na Primeira República. Aparentemente, não se deram conta de que a ordem das coisas mudou muito no país.
O Brasil retratado pelos jornais é como um organismo com uma cabeça hipertrofiada e uns pezinhos de miniatura. Por isso, não é de espantar que governantes e parlamentares estaduais e municipais nadem de braçada. A probabilidade de que malfeitorias e irresponsabilidades sejam detectadas pelos veículos de comunicação é muito baixa. E, é claro, o mesmo vale para progressos relevantes na gestão pública. Não é só o mal que deixa de ser iluminado – o que se faz de bom passa ainda mais despercebido.Por outro lado, o efeito deletério da visão distorcida que a imprensa fornece tende a restringir-se a poucas pessoas, pois no Brasil quase ninguém lê jornal. Para se fazer uma idéia, o jornal com maior circulação no país é hoje O Estado de S. Paulo. Quando imprime muito, esse jornal distribui cerca de 300 mil exemplares por dia, a grande maioria dos quais na cidade de São Paulo. O resto do estado recebe uma pequena fração. A circulação desse jornal fora de São Paulo praticamente se restringe a meia-dúzia de exemplares vendidos em Brasília.Mas duzentos e poucos mil exemplares numa cidade que tem 12 milhões de habitantes (17 milhões na área metropolitana) são nada. O mesmo padrão, até piorado, se repete em todos os estados.
Moral da história: nada disso chega à tigrada. O que pode ser uma boa.
(Os números referentes à cobertura de corrupção mencionados podem ser consultados na área de estatísticas do projeto, no endereço informado. Aproveite para explorar o mapa de relacionamentos derivado do noticiário.)
(*) Claudio Weber Abramo é jornalista e diretor da ONB Transparência Brasil


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