Continuação
No livro, Plekhanov discute o que está no título: se o indivíduo é livre para agir politicamente, ou se é a expressão de movimentos das classes sociais, cujas bases estão na formação econômica do período. É uma discussão complexa. Trotsky polemizou com as idéias de Plekhanov, analisando o lugar da direção revolucionária (o partido) para superar o capitalismo.
Discussão complexa e, repita-se, sem sentido nos dias de hoje. Como se sabe, as classes sociais deixaram de existir, os indivíduos são livres e não há por que mudar as estruturas econômicas e, com elas, a sociedade. Pelo bom motivo de que a sociedade é perfeita. O que há, como não cessam de repetir os ideólogos de plantão, são as celebridades e os excluídos.
Plekhanov é pretexto para a pergunta: qual o papel na história desses indivíduos, os políticos?
A resposta mais simples é que eles não servem para nada, a não ser nos aporrinhar. A política é um meio de ganhar a vida. Os políticos seguem carreira: são eleitos, defendem isso e aquilo, estão no poder ou na oposição, fazem projetos, discursam – e ganham no fim do mês o seu salário, ou o seu mensalão, ou a sua propina, ou polpudas doações de empresários para as suas campanhas eleitorais.
Exagero? Pois pense na trinca de presidentes citada por Lula na semana passada. Getúlio foi um ditador que “fez” a legislação trabalhista de inspiração fascista. JK “fez” Brasília, uma monstruosidade que alegrou sobremaneira os empreiteiros. E Jânio não “fez” nada a não ser beber, viajar de cargueiro e dizer coisas incompreensíveis.
Claro que há grandes políticos brasileiros. Por exemplo o... Não me ocorre nenhum nome no momento.
Na crise do momento, há gente fazendo análises pertinentes ou dando testemunhos interessantes. Chico de Oliveira, Giannotti, César Benjamin, Chico Buarque, Wanderley Guilherme dos Santos. Nenhum deles é político profissional. Os políticos só dizem asneiras.
O personagem central do fuzuê (junto com Lula) é o deputado José Dirceu. O que fez esse indivíduo na história? Como existe o Google, dá para arriscar uma resposta.
José Dirceu foi um jovem provinciano boa-pinta que chegou à cidade grande num tempo de efervescência. Namorou bastante, envolveu-se em política, tornou-se líder estudantil. Seu grande feito na época foi ter sido um dos responsáveis pela organização do Congresso da UNE em Ibiúna. A organização do congresso, um primor de amadorismo e aventureirismo, resultou na prisão de todos os presentes.
Dirceu foi preso e, pouco depois, libertado em troca da soltura do embaixador americano, seqüestrado dias antes. Ele se refugiou em Cuba, onde se tornou admirador da ditadura castrista. Lá, organizou um grupo terrorista, o Molipo, e providenciou a reentrada de seus militantes no Brasil. A maioria deles foi presa e assassinada pelos militares brasileiros.
Aí fez algo inesperado: abandonou a política. Fez uma cirurgia plástica para alterar a sua fisionomia, arrumou documentos falsos e voltou ao Brasil, ao Paraná, onde viveu com outro nome, Carlos Henrique. Foi um modesto comerciante de sapatos, casou, teve filho. Segundo ele conta, não disse nem à mulher a sua verdadeira identidade. Quando veio a anistia, contou finalmente quem era à mulher, deu-lhe adeus, voltou a Cuba, fez uma nova plástica, para recuperar a face anterior, e embarcou para o Brasil.
Em São Paulo, cursou Direito na PUC, entrou no PT e se tornou funcionário do partido. Aproximou-se de Lula e virou o seu operador político. Quando Lula decidiu fazer o que fosse necessário para chegar ao Planalto (adaptação do programa do PT à vontade da burguesia, marketing político, caixa 2), usou Dirceu como tacão para golpear a democracia do partido, perseguir os dissidentes, criar uma burocracia.
Ao chegar ao Planalto, José Dirceu fez o que se vê hoje.
Li bastante o que Dirceu disse nesse anos todos. Não há uma idéia original. Uma discussão teórica. Um vislumbre, não digo de inteligência, mas de clareza. Ele não sabe escrever. Não tem um artigo que mereça ser citado. Seus discursos são burocráticos.
José Dirceu é uma criatura das sombras, da intriga partidária, dos conchavos. Recebeu o apelido de “comissário”, provável associação do seu autoritarismo à mística bolchevique (na interpretação dos seus áulicos e aliados) ou stalinista (na versão dos adversários). Ele não tem nada de bolchevique. Chamá-lo de stalinista é impreciso: como tantos outros, é tão-somente um politiqueiro oportunista.
Seu papel na história se resume a organizar um congresso estudantil fracassado, a fundar uma organização política fracassada (o Molipo) e a galgar postos num partido que foi uma novidade e uma esperança na política brasileira. Partido cuja direção, a começar por ele mesmo, se encarregou de ferir mortalmente.
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segunda-feira, agosto 29, 2005
Clodovil
Quatro homens armados invadiram a propriedade no final da tarde de domingo, rendendo dois seguranças e dois empregados que estavam no local. Eles ficaram trancados dentro de um armário enquanto o grupo roubava jóias, obras de artes e aparelhos eletrônicos.
Segundo depoimento dado à polícia pelos funcionários, durante toda a ação os criminosos perguntavam, insistentemente, o paradeiro do apresentador, o que levantou a suspeita de tentativa de seqüestro.
Um deles, o copeiro da casa, foi agredido. De acordo com o que ele disse em depoimento, os criminosos acharam que seu carro, um Golf, era de Clodovil, e que o empregado estaria escondendo o patrão e mentindo ao afirmar que o mesmo estava em São Paulo.
Nesta manhã, ao saber do roubo, Clodovil disse que estava "triste" não só pelo crime, mas pela "falta de consideração" das autoridades. Isso porque, há cerca de um mês, a polícia descobriu em um cativeiro uma lista com nomes de possíveis alvos de seqüestro, entre eles a de Clodovil. O estilista declarou que "achava" que a segurança de sua propriedade já estava reforçada, o que percebeu não "ser realidade".
Além dos objetos, os bandidos roubaram o Golf do funcionário - encontrado hoje no município de Roseiras, abandonado na rodovia Presidente Dutra - e depredaram parte da casa.
Saúde
Clodovil está internado na Santé desde domingo por conta de fortes dores nas costas. Segundo a assessoria de imprensa da instituição, ele passará por uma biópisia nesta noite, já que outros exames não detectaram o motivo das dores.
A assessora de imprensa da clínica afirmou Clodovil está consciente, foi medicado e está em boas condições de saúde.
Fonte: Folha Online
Segundo depoimento dado à polícia pelos funcionários, durante toda a ação os criminosos perguntavam, insistentemente, o paradeiro do apresentador, o que levantou a suspeita de tentativa de seqüestro.
Um deles, o copeiro da casa, foi agredido. De acordo com o que ele disse em depoimento, os criminosos acharam que seu carro, um Golf, era de Clodovil, e que o empregado estaria escondendo o patrão e mentindo ao afirmar que o mesmo estava em São Paulo.
Nesta manhã, ao saber do roubo, Clodovil disse que estava "triste" não só pelo crime, mas pela "falta de consideração" das autoridades. Isso porque, há cerca de um mês, a polícia descobriu em um cativeiro uma lista com nomes de possíveis alvos de seqüestro, entre eles a de Clodovil. O estilista declarou que "achava" que a segurança de sua propriedade já estava reforçada, o que percebeu não "ser realidade".
Além dos objetos, os bandidos roubaram o Golf do funcionário - encontrado hoje no município de Roseiras, abandonado na rodovia Presidente Dutra - e depredaram parte da casa.
Saúde
Clodovil está internado na Santé desde domingo por conta de fortes dores nas costas. Segundo a assessoria de imprensa da instituição, ele passará por uma biópisia nesta noite, já que outros exames não detectaram o motivo das dores.
A assessora de imprensa da clínica afirmou Clodovil está consciente, foi medicado e está em boas condições de saúde.
Fonte: Folha Online
domingo, agosto 28, 2005
Entrevista: César Benjamin
Dados pessoais
Nasceu no Rio, filho de um coronel do Exército e de uma química, tem 51 anos, solteiro, três filhos
Carreira
Cinco anos como preso político, exilado na Suécia, fundador e ex-dirigente do PT
Atividades atuais
Editor da Contraponto e coordenador do movimento Consulta Popular
Voltou ao Brasil em 1978, atraído pela distensão do regime e pela novidade de um líder operário que levantava o ABC paulista. Hoje, Cesinha tornou-se uma espécie de oráculo de uma crise em que boa parte dos intelectuais de esquerda segue mergulhada em catatônico silêncio. Seu artigo - "O Mito do Paraíso Perdido" - publicado na Folha de S.Paulo no início de agosto causou furor pela crueza com que exibiu o ovo da serpente da crise. Mas Cesinha trouxe ainda uma novidade nestes tempos em que a agonia do PT soa como as trombetas do Apocalipse: ele anuncia que a esquerda não acabou.
Depois de romper com o PT há 10 anos, acusando-o de corrupção, Cesinha foi um dos artífices de uma organização batizada de Consulta Popular. Com milhares de militantes pelo Brasil afora, a CP apostava no fracasso do 'ciclo Lula' e prepara, desde 1997, uma alternativa política. Para seus quadros, é agora que o povo poderá chegar ao poder. Melhor profeta do passado que do futuro, Cesinha delineia um caminho ainda vago. De concreto, ele preparou um programa para o PMDB a pedido de seu amigo Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES no governo Lula. E tem recebido efusivos elogios do pré-candidato à Presidência em 2006 Anthony Garotinho. Esta é a parte que arrepia seus mais novos fãs.
O irônico é que Cesinha vem dizendo o que diz há uma década. Mas só era ouvido em espaços alternativos. A crise instalou este genuíno homem de esquerda no centro do debate nacional. Até pouco tempo atrás, ele seria considerado um brontossauro para quem se acostumou ao figurino domesticado do PT. Uma parte da direita o aplaude por sua crítica demolidora ao PT, e a esquerda o aclama porque Cesinha anuncia que ela não acabou.
Autodidata brilhante, ele só concluiu o ginásio. Construiu seu conhecimento numa coleção pessoal de 3 mil livros e milhares de outros em bibliotecas alheias. Tornou-se um pensador consistente e um oponente intelectual que poucos se dispõem a enfrentar. Na prisão, adolescente, traduzia obras de filósofos como Althusser para passar o tempo. Adulto, tem sua própria editora, a Contraponto, no Rio de Janeiro. Dedica-se agora a traduzir os 300 ensaios sobre pensadores do Dictionary of Scientific Biographies. Pai solteiro, vive com os dois filhos mais velhos. Costuma dormir no final da tarde, depois vira a noite trabalhando. Lê até os passarinhos cantarem. Ele deu a seguinte entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA - Você foi fundador do PT e dirigente nacional até 1995, quando rompeu por discordar do financiamento da campanha de 1994. Como foi?
César Benjamin - Soube que houve financiamentos de bancos e empreiteiras que nunca haviam sido discutidos pela direção. Havia uma claríssima evidência de prática sistemática de caixa dois. Levei a questão ao encontro nacional do partido, no Espírito Santo, onde havia quase 800 delegados. Fiz um pronunciamento da tribuna. Disse que estávamos diante do ovo da serpente. Vi o Zé Dirceu levantar e ficar de frente para o plenário. Em seguida houve uma troca de gestos entre ele e delegados do ABC paulista. Este grupo se levantou e partiu para cima de mim para interromper o pronunciamento.
ÉPOCA - Na porrada? Quem eram?
Benjamin - Eram umas 20, 30 pessoas. Vieram para me dar porrada. Lula estava lá, não participou mas não impediu. Meus amigos levantaram, foi uma confusão. A convenção foi interrompida. Lembro que se juntou a esse grupo o (Antônio) Pitanga, do Rio, marido da Benedita (da Silva), mas era um grupo de Santo André. Olha Santo André aí.
ÉPOCA - Emblemático, não é?
Benjamin - É. Até onde eu sei, esse tipo de prática começou no início dos anos 90, quando o Delúbio Soares era o representante da CUT no FAT. Começou ali um zunzum sobre desvio de recursos. Eu me desfiliei no momento em que essas figuras lombrosianas como Delúbio e Silvinho (Pereira) entraram na direção nacional. Um grupo sem nenhuma luz própria. Nenhum deles diz 'a' com 'b'. Foram trazidos pelo Lula e pelo Zé Dirceu e para mim ficou claro que havia um aval de ambos para que essa prática se difundisse dentro do PT.
ÉPOCA - Como funciona a dobradinha Lula-Zé Dirceu?
Benjamin - Qualquer um que conhece os dois sabe que o Delúbio não fez nada que não tenha sido autorizado pelo Zé Dirceu. E o Zé Dirceu não autorizou nada de que Lula não tivesse conhecimento. Qualquer um que tenha convivido com eles sabe qual é a cadeia de comando. O que aconteceu no governo foi a aplicação de práticas que existem há 15 anos no PT e na CUT - sempre dentro do círculo íntimo do Lula. Imagine o deslumbramento do Delúbio ao ser colocado em uma delegação brasileira, sentado na mesa com o presidente e com os ministros e negociando com um governo estrangeiro. Tudo registrado em fotos na imprensa, como aconteceu. É o paraíso do tesoureiro. O que o presidente está dizendo com isso? Esse é o meu homem.
ÉPOCA - Você fala que o PT se pretendia o partido original. O Lula seria o homem original? Foi esse o fascínio?
Benjamin - O povo começou a aparecer na História do Brasil no século XX. O país foi organizado para ser uma empresa exportadora de mercadorias. Para ter mão-de-obra, não povo. No entanto, o Brasil contemporâneo é urbanizado, a população cresceu, tem acesso à informação. Tudo isso faz com que o povo brasileiro ganhe um novo estatuto e force sua entrada na História. Passamos a ter uma enorme necessidade de aparecimento de uma liderança que representasse isso. E no fim dos anos 70, com a ditadura fraca, aparece o Lula, que tem todo physique du rôle dessa tarefa. Migrante nordestino, pobre, operário metalúrgico, sindicalista em São Paulo. Apareceu o messias. Ocorre que o Lula é um erro. Tem todas as características do líder, mas não é esse líder. Na Idade Média também houve muitos Cristos falsos.
ÉPOCA - Quando o Lula dá sinais de que não é esse líder?
Benjamin - Em 1989, o Lula não ganhou a eleição porque não quis ganhar contra as elites. Tinha ultrapassado o (Fernando) Collor com uma curva ascendente, e o Collor estava com uma curva descendente. Quando o Lula entrou no último debate e se entregou, ele estava dizendo: nestas condições eu não quero. Ele percebeu que seria uma posse presidencial numa situação de crise. Não agüentou isso. Não teve estatura para ganhar uma eleição contra a elite.
ÉPOCA - Mas seu abatimento não se devia ao caso Luriam?
Benjamin - Não. Ele fez uma opção. E a partir dali começou a construir as pontes com a elite. Mas esse processo demora alguns anos. Ele tem de dar sucessivas demonstrações de confiabilidade e, principalmente, tem de mudar o PT, que precisa ficar menos militante. A partir daí se introduz no partido o circuito do dinheiro. As campanhas se tornam cada vez mais caras e, se faltam militantes, compram-se. Onde existe muito dinheiro? Entre os ricos. Foi um processo de adaptação do PT ao figurino que o Lula precisava para chegar ao poder apoiado pelas elites. Hoje o PT não tem condição de se auto-reformar porque a rede de cumplicidade tornou-se grande demais.
ÉPOCA - Você acha que esse processo gerou o cadáver do Celso Daniel?
Benjamin - Não acho, tenho certeza. Este foi o físico. Há os cadáveres morais circulando por aí.
ÉPOCA - Qual é a herança que o Lula deixa, em sua opinião?
Benjamin - O Lula foi um líder que sinalizou valores negativos. Como se orgulhar de não estudar, ter uma vida folgada, com muita mordomia. Com isso há um processo de seleção negativa. As melhores pessoas vão se afastando ou vão ficando na obscuridade, e as piores pessoas vão subindo. Nestes dez anos foi formada uma geração de militantes cuja característica é o individualismo, o pragmatismo, a idéia da carreira. É uma situação inédita na esquerda brasileira, que cometeu muitos erros ao longo da sua história. Mas nunca teve uma liderança corrompida. Prestes, João Amazonas, Brizola podem ter cometido equívocos, mas deixaram uma herança moral.
ÉPOCA - E agora é o fim?
Benjamin - A operação política mais perigosa em curso era a polarização entre o PT e o PSDB. A democracia brasileira seria resumida ao confronto entre a Pepsi-Cola e a Coca-Cola, dois projetos essencialmente iguais. Se você controla só o governo e não controla a oposição ao governo, a sua hegemonia está sempre sob risco. Mas você consolida sua hegemonia quando controla simultaneamente a oposição e o governo. A crise do governo Lula abre uma oportunidade para que possamos reconstruir um projeto alternativo, cujo contorno ainda não está claro. Para mim, a crise é uma possibilidade de superação.
ÉPOCA - Ao contrário da maioria, você diz que o governo é mais conservador na política que na economia. Por quê?
Benjamin - O governo Lula cumpre uma função que nenhum governo de direita poderia cumprir, que é a de paralisar os movimentos populares. Criticar só a política econômica é uma maneira implícita de absolver o governo. Como se a política econômica fosse um acidente, que está ali mas não deveria estar. Não. A política econômica está ali porque deveria estar ali. É um governo conservador. E isso se expressa mais na relação com o povo. A aliança que o Lula quer fazer com o povo é pré-política: 'Fiquem comigo porque eu já fui pobre um dia'. Despolitiza o povo. Faz ele caminhar para trás, e não para a frente. ''Desde a Constituição de 1988, são os mais pobres que decidem a eleição com o voto do analfabeto. A tragédia do Brasil é que desde o fim da ditadura os mais ricos conseguem reciclar a cada quatro anos a aliança com os mais pobres ''
ÉPOCA - Você diz que o governo Lula recicla a aliança dos mais ricos com os mais pobres. O que significa?
Benjamin - O sistema de poder no Brasil está organizado de maneira que as forças supranacionais, que representam os credores, ocupam o Banco Central e o Ministério da Fazenda. As demandas subnacionais, algumas legítimas, como a dos Estados, outras de lobbies, se expressam no Legislativo. Para os pobres se faz alguma política social que não os tira da pobreza. O Lula encontrou esse sistema de poder já pronto e, em vez de alterá-lo, radicalizou-o. Seu presidente do Banco Central é mais vinculado ao sistema financeiro internacional que os anteriores, as negociações no Congresso foram mais fisiológicas que as anteriores e a política social é o Bolsa-Família. Neste arranjo ninguém cuida da nação. As grandes questões nacionais não são sequer percebidas e são elas que vão definir o que o Brasil será no século XXI. A tragédia é que os mais ricos conseguem reciclar esta aliança com os mais pobres a cada quatro anos.
ÉPOCA - Como o Lula, que tanto falou em refundação, vai para a História?
Benjamin - No grupo de brasileiros que tem como patrono Silvério dos Reis (traidor que delatou a Inconfidência Mineira no século XVIII).
ÉPOCA - E o que acontecerá com o PT?
Benjamin - O PT vai ter muita dificuldade para se reciclar porque está sem discurso. Não pode mais fazer o discurso contra a política econômica neoliberal porque foi governo e adotou essa política. Não pode mais fazer o discurso da ética da política por motivos óbvios. Então o PT se tornou um partido que não tem o que dizer à sociedade brasileira.
ÉPOCA - Você fez um projeto para o PMDB e é elogiado pelo Garotinho. Por acaso é por aí que você vê uma saída?
Benjamin - Eu sou muito amigo do Carlos Lessa. Ele recebeu da direção do PMDB a incumbência de apresentar um programa ao partido. Me chamou para ajudar. Fizemos juntos um programa antineoliberal. Mas o PMDB, como se sabe, é um partido com dificuldades internas. Não compartilho da histeria anti-Garotinho, mas minha relação é com o Lessa. Não sou filiado. Se o P-SOL me chamar para ajudar no programa, ajudo com prazer. O importante é formar uma forte frente antineoliberal para 2006.
ÉPOCA - Em quem votou em 2002?
Benjamin - Meu filho Téo, então com 14 anos, insistiu muito que eu votasse no Lula. Eu disse que não votaria. Ele entrou comigo na cabine e votou no Lula no meu lugar. Não quis desfazer o sonho dele. Agora está arrependido do voto.
ÉPOCA - Você tinha a mesma idade quando ficou clandestino. Como foi?
Benjamin - Eu participava do movimento estudantil. Em setembro de 1969, a polícia foi a minha casa. Eu havia saído de bermudas e sandálias, sem um tostão, para dar aula de matemática a um primo. Minha avó me avisou por telefone para não retornar. Como ela era cega, a polícia afrouxou a vigilância sobre ela. Me liguei à resistência, no antigo MR8. Só voltei para casa dez anos depois.
ÉPOCA - Como você agüentou a solitária? Pensou em suicídio?
Benjamin - Minha cela era semi-subterrânea. A porta era de ferro maciço. Depois de um tempo, minha família conseguiu me enviar um tabuleiro de xadrez. Joguei milhares de partidas contra mim mesmo. Depois entrou um livro de ioga, do Professor Hermógenes, e me dediquei a ele. Mais tarde tive autorização para receber um livro por semana. O primeiro foi Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. Chorei da primeira à última página. Só pensei em suicídio na fase de interrogatório. Numa noite o soldado que me vigiava dormiu e, apesar de algemado, consegui subir num muro interno. A chance era me jogar de ponta-cabeça. Fiquei em pé por algum tempo, mas decidi que o ônus da minha morte teria de ser da repressão, e não meu. Consegui descer. Me senti fortalecido.
ÉPOCA - É verdade que o Sylvio Frota (ministro do Exército de Geisel, exonerado em 1977 por tentativa de golpe à direita) garantiu sua vida?
Benjamin - Depois de uns três meses de prisão, em 1971, colocaram-me numa sala, na Polícia do Exército, no Rio. Entrou um oficial mais velho, chamado de Vossa Excelência pelos demais. Ficou sozinho comigo, muito branco, fumando uma piteira. Conversou calmamente comigo, dizendo que nunca nenhum outro preso o havia visto. Depois disse: 'Vim te trazer uma boa notícia. Não vamos te matar. Foi uma decisão difícil'. Em seguida, deu três razões: 'Você é muito jovem, e nós não somos os monstros que vocês imaginam. Além disso, você é filho de um colega nosso, e seu pai sempre foi um bom oficial. Mas o mais importante é que você não nos odeia. Nós te observamos muito, e nunca vimos ódio em teu olhar'. Muito tempo depois, reconheci pelos jornais que era o general Sylvio Frota.
ÉPOCA - A construção do seu discurso é marxista. Você fala em ciclos da História, como se o futuro fosse previsível. A vida não é incerteza?
Benjamin - Tenho uma formação vasta e eclética. Não me sinto amarrado por nenhuma teoria. Tentei aprender a pensar, que é algo bem mais difícil do que se imagina. Não acho que o futuro seja previsível. É uma criação humana - e nós somos seres vocacionados para a liberdade.
Fonte: Época
Nasceu no Rio, filho de um coronel do Exército e de uma química, tem 51 anos, solteiro, três filhos
Carreira
Cinco anos como preso político, exilado na Suécia, fundador e ex-dirigente do PT
Atividades atuais
Editor da Contraponto e coordenador do movimento Consulta Popular
Voltou ao Brasil em 1978, atraído pela distensão do regime e pela novidade de um líder operário que levantava o ABC paulista. Hoje, Cesinha tornou-se uma espécie de oráculo de uma crise em que boa parte dos intelectuais de esquerda segue mergulhada em catatônico silêncio. Seu artigo - "O Mito do Paraíso Perdido" - publicado na Folha de S.Paulo no início de agosto causou furor pela crueza com que exibiu o ovo da serpente da crise. Mas Cesinha trouxe ainda uma novidade nestes tempos em que a agonia do PT soa como as trombetas do Apocalipse: ele anuncia que a esquerda não acabou.
Depois de romper com o PT há 10 anos, acusando-o de corrupção, Cesinha foi um dos artífices de uma organização batizada de Consulta Popular. Com milhares de militantes pelo Brasil afora, a CP apostava no fracasso do 'ciclo Lula' e prepara, desde 1997, uma alternativa política. Para seus quadros, é agora que o povo poderá chegar ao poder. Melhor profeta do passado que do futuro, Cesinha delineia um caminho ainda vago. De concreto, ele preparou um programa para o PMDB a pedido de seu amigo Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES no governo Lula. E tem recebido efusivos elogios do pré-candidato à Presidência em 2006 Anthony Garotinho. Esta é a parte que arrepia seus mais novos fãs.
O irônico é que Cesinha vem dizendo o que diz há uma década. Mas só era ouvido em espaços alternativos. A crise instalou este genuíno homem de esquerda no centro do debate nacional. Até pouco tempo atrás, ele seria considerado um brontossauro para quem se acostumou ao figurino domesticado do PT. Uma parte da direita o aplaude por sua crítica demolidora ao PT, e a esquerda o aclama porque Cesinha anuncia que ela não acabou.
Autodidata brilhante, ele só concluiu o ginásio. Construiu seu conhecimento numa coleção pessoal de 3 mil livros e milhares de outros em bibliotecas alheias. Tornou-se um pensador consistente e um oponente intelectual que poucos se dispõem a enfrentar. Na prisão, adolescente, traduzia obras de filósofos como Althusser para passar o tempo. Adulto, tem sua própria editora, a Contraponto, no Rio de Janeiro. Dedica-se agora a traduzir os 300 ensaios sobre pensadores do Dictionary of Scientific Biographies. Pai solteiro, vive com os dois filhos mais velhos. Costuma dormir no final da tarde, depois vira a noite trabalhando. Lê até os passarinhos cantarem. Ele deu a seguinte entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA - Você foi fundador do PT e dirigente nacional até 1995, quando rompeu por discordar do financiamento da campanha de 1994. Como foi?
César Benjamin - Soube que houve financiamentos de bancos e empreiteiras que nunca haviam sido discutidos pela direção. Havia uma claríssima evidência de prática sistemática de caixa dois. Levei a questão ao encontro nacional do partido, no Espírito Santo, onde havia quase 800 delegados. Fiz um pronunciamento da tribuna. Disse que estávamos diante do ovo da serpente. Vi o Zé Dirceu levantar e ficar de frente para o plenário. Em seguida houve uma troca de gestos entre ele e delegados do ABC paulista. Este grupo se levantou e partiu para cima de mim para interromper o pronunciamento.
ÉPOCA - Na porrada? Quem eram?
Benjamin - Eram umas 20, 30 pessoas. Vieram para me dar porrada. Lula estava lá, não participou mas não impediu. Meus amigos levantaram, foi uma confusão. A convenção foi interrompida. Lembro que se juntou a esse grupo o (Antônio) Pitanga, do Rio, marido da Benedita (da Silva), mas era um grupo de Santo André. Olha Santo André aí.
ÉPOCA - Emblemático, não é?
Benjamin - É. Até onde eu sei, esse tipo de prática começou no início dos anos 90, quando o Delúbio Soares era o representante da CUT no FAT. Começou ali um zunzum sobre desvio de recursos. Eu me desfiliei no momento em que essas figuras lombrosianas como Delúbio e Silvinho (Pereira) entraram na direção nacional. Um grupo sem nenhuma luz própria. Nenhum deles diz 'a' com 'b'. Foram trazidos pelo Lula e pelo Zé Dirceu e para mim ficou claro que havia um aval de ambos para que essa prática se difundisse dentro do PT.
ÉPOCA - Como funciona a dobradinha Lula-Zé Dirceu?
Benjamin - Qualquer um que conhece os dois sabe que o Delúbio não fez nada que não tenha sido autorizado pelo Zé Dirceu. E o Zé Dirceu não autorizou nada de que Lula não tivesse conhecimento. Qualquer um que tenha convivido com eles sabe qual é a cadeia de comando. O que aconteceu no governo foi a aplicação de práticas que existem há 15 anos no PT e na CUT - sempre dentro do círculo íntimo do Lula. Imagine o deslumbramento do Delúbio ao ser colocado em uma delegação brasileira, sentado na mesa com o presidente e com os ministros e negociando com um governo estrangeiro. Tudo registrado em fotos na imprensa, como aconteceu. É o paraíso do tesoureiro. O que o presidente está dizendo com isso? Esse é o meu homem.
ÉPOCA - Você fala que o PT se pretendia o partido original. O Lula seria o homem original? Foi esse o fascínio?
Benjamin - O povo começou a aparecer na História do Brasil no século XX. O país foi organizado para ser uma empresa exportadora de mercadorias. Para ter mão-de-obra, não povo. No entanto, o Brasil contemporâneo é urbanizado, a população cresceu, tem acesso à informação. Tudo isso faz com que o povo brasileiro ganhe um novo estatuto e force sua entrada na História. Passamos a ter uma enorme necessidade de aparecimento de uma liderança que representasse isso. E no fim dos anos 70, com a ditadura fraca, aparece o Lula, que tem todo physique du rôle dessa tarefa. Migrante nordestino, pobre, operário metalúrgico, sindicalista em São Paulo. Apareceu o messias. Ocorre que o Lula é um erro. Tem todas as características do líder, mas não é esse líder. Na Idade Média também houve muitos Cristos falsos.
ÉPOCA - Quando o Lula dá sinais de que não é esse líder?
Benjamin - Em 1989, o Lula não ganhou a eleição porque não quis ganhar contra as elites. Tinha ultrapassado o (Fernando) Collor com uma curva ascendente, e o Collor estava com uma curva descendente. Quando o Lula entrou no último debate e se entregou, ele estava dizendo: nestas condições eu não quero. Ele percebeu que seria uma posse presidencial numa situação de crise. Não agüentou isso. Não teve estatura para ganhar uma eleição contra a elite.
ÉPOCA - Mas seu abatimento não se devia ao caso Luriam?
Benjamin - Não. Ele fez uma opção. E a partir dali começou a construir as pontes com a elite. Mas esse processo demora alguns anos. Ele tem de dar sucessivas demonstrações de confiabilidade e, principalmente, tem de mudar o PT, que precisa ficar menos militante. A partir daí se introduz no partido o circuito do dinheiro. As campanhas se tornam cada vez mais caras e, se faltam militantes, compram-se. Onde existe muito dinheiro? Entre os ricos. Foi um processo de adaptação do PT ao figurino que o Lula precisava para chegar ao poder apoiado pelas elites. Hoje o PT não tem condição de se auto-reformar porque a rede de cumplicidade tornou-se grande demais.
ÉPOCA - Você acha que esse processo gerou o cadáver do Celso Daniel?
Benjamin - Não acho, tenho certeza. Este foi o físico. Há os cadáveres morais circulando por aí.
ÉPOCA - Qual é a herança que o Lula deixa, em sua opinião?
Benjamin - O Lula foi um líder que sinalizou valores negativos. Como se orgulhar de não estudar, ter uma vida folgada, com muita mordomia. Com isso há um processo de seleção negativa. As melhores pessoas vão se afastando ou vão ficando na obscuridade, e as piores pessoas vão subindo. Nestes dez anos foi formada uma geração de militantes cuja característica é o individualismo, o pragmatismo, a idéia da carreira. É uma situação inédita na esquerda brasileira, que cometeu muitos erros ao longo da sua história. Mas nunca teve uma liderança corrompida. Prestes, João Amazonas, Brizola podem ter cometido equívocos, mas deixaram uma herança moral.
ÉPOCA - E agora é o fim?
Benjamin - A operação política mais perigosa em curso era a polarização entre o PT e o PSDB. A democracia brasileira seria resumida ao confronto entre a Pepsi-Cola e a Coca-Cola, dois projetos essencialmente iguais. Se você controla só o governo e não controla a oposição ao governo, a sua hegemonia está sempre sob risco. Mas você consolida sua hegemonia quando controla simultaneamente a oposição e o governo. A crise do governo Lula abre uma oportunidade para que possamos reconstruir um projeto alternativo, cujo contorno ainda não está claro. Para mim, a crise é uma possibilidade de superação.
ÉPOCA - Ao contrário da maioria, você diz que o governo é mais conservador na política que na economia. Por quê?
Benjamin - O governo Lula cumpre uma função que nenhum governo de direita poderia cumprir, que é a de paralisar os movimentos populares. Criticar só a política econômica é uma maneira implícita de absolver o governo. Como se a política econômica fosse um acidente, que está ali mas não deveria estar. Não. A política econômica está ali porque deveria estar ali. É um governo conservador. E isso se expressa mais na relação com o povo. A aliança que o Lula quer fazer com o povo é pré-política: 'Fiquem comigo porque eu já fui pobre um dia'. Despolitiza o povo. Faz ele caminhar para trás, e não para a frente. ''Desde a Constituição de 1988, são os mais pobres que decidem a eleição com o voto do analfabeto. A tragédia do Brasil é que desde o fim da ditadura os mais ricos conseguem reciclar a cada quatro anos a aliança com os mais pobres ''
ÉPOCA - Você diz que o governo Lula recicla a aliança dos mais ricos com os mais pobres. O que significa?
Benjamin - O sistema de poder no Brasil está organizado de maneira que as forças supranacionais, que representam os credores, ocupam o Banco Central e o Ministério da Fazenda. As demandas subnacionais, algumas legítimas, como a dos Estados, outras de lobbies, se expressam no Legislativo. Para os pobres se faz alguma política social que não os tira da pobreza. O Lula encontrou esse sistema de poder já pronto e, em vez de alterá-lo, radicalizou-o. Seu presidente do Banco Central é mais vinculado ao sistema financeiro internacional que os anteriores, as negociações no Congresso foram mais fisiológicas que as anteriores e a política social é o Bolsa-Família. Neste arranjo ninguém cuida da nação. As grandes questões nacionais não são sequer percebidas e são elas que vão definir o que o Brasil será no século XXI. A tragédia é que os mais ricos conseguem reciclar esta aliança com os mais pobres a cada quatro anos.
ÉPOCA - Como o Lula, que tanto falou em refundação, vai para a História?
Benjamin - No grupo de brasileiros que tem como patrono Silvério dos Reis (traidor que delatou a Inconfidência Mineira no século XVIII).
ÉPOCA - E o que acontecerá com o PT?
Benjamin - O PT vai ter muita dificuldade para se reciclar porque está sem discurso. Não pode mais fazer o discurso contra a política econômica neoliberal porque foi governo e adotou essa política. Não pode mais fazer o discurso da ética da política por motivos óbvios. Então o PT se tornou um partido que não tem o que dizer à sociedade brasileira.
ÉPOCA - Você fez um projeto para o PMDB e é elogiado pelo Garotinho. Por acaso é por aí que você vê uma saída?
Benjamin - Eu sou muito amigo do Carlos Lessa. Ele recebeu da direção do PMDB a incumbência de apresentar um programa ao partido. Me chamou para ajudar. Fizemos juntos um programa antineoliberal. Mas o PMDB, como se sabe, é um partido com dificuldades internas. Não compartilho da histeria anti-Garotinho, mas minha relação é com o Lessa. Não sou filiado. Se o P-SOL me chamar para ajudar no programa, ajudo com prazer. O importante é formar uma forte frente antineoliberal para 2006.
ÉPOCA - Em quem votou em 2002?
Benjamin - Meu filho Téo, então com 14 anos, insistiu muito que eu votasse no Lula. Eu disse que não votaria. Ele entrou comigo na cabine e votou no Lula no meu lugar. Não quis desfazer o sonho dele. Agora está arrependido do voto.
ÉPOCA - Você tinha a mesma idade quando ficou clandestino. Como foi?
Benjamin - Eu participava do movimento estudantil. Em setembro de 1969, a polícia foi a minha casa. Eu havia saído de bermudas e sandálias, sem um tostão, para dar aula de matemática a um primo. Minha avó me avisou por telefone para não retornar. Como ela era cega, a polícia afrouxou a vigilância sobre ela. Me liguei à resistência, no antigo MR8. Só voltei para casa dez anos depois.
ÉPOCA - Como você agüentou a solitária? Pensou em suicídio?
Benjamin - Minha cela era semi-subterrânea. A porta era de ferro maciço. Depois de um tempo, minha família conseguiu me enviar um tabuleiro de xadrez. Joguei milhares de partidas contra mim mesmo. Depois entrou um livro de ioga, do Professor Hermógenes, e me dediquei a ele. Mais tarde tive autorização para receber um livro por semana. O primeiro foi Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. Chorei da primeira à última página. Só pensei em suicídio na fase de interrogatório. Numa noite o soldado que me vigiava dormiu e, apesar de algemado, consegui subir num muro interno. A chance era me jogar de ponta-cabeça. Fiquei em pé por algum tempo, mas decidi que o ônus da minha morte teria de ser da repressão, e não meu. Consegui descer. Me senti fortalecido.
ÉPOCA - É verdade que o Sylvio Frota (ministro do Exército de Geisel, exonerado em 1977 por tentativa de golpe à direita) garantiu sua vida?
Benjamin - Depois de uns três meses de prisão, em 1971, colocaram-me numa sala, na Polícia do Exército, no Rio. Entrou um oficial mais velho, chamado de Vossa Excelência pelos demais. Ficou sozinho comigo, muito branco, fumando uma piteira. Conversou calmamente comigo, dizendo que nunca nenhum outro preso o havia visto. Depois disse: 'Vim te trazer uma boa notícia. Não vamos te matar. Foi uma decisão difícil'. Em seguida, deu três razões: 'Você é muito jovem, e nós não somos os monstros que vocês imaginam. Além disso, você é filho de um colega nosso, e seu pai sempre foi um bom oficial. Mas o mais importante é que você não nos odeia. Nós te observamos muito, e nunca vimos ódio em teu olhar'. Muito tempo depois, reconheci pelos jornais que era o general Sylvio Frota.
ÉPOCA - A construção do seu discurso é marxista. Você fala em ciclos da História, como se o futuro fosse previsível. A vida não é incerteza?
Benjamin - Tenho uma formação vasta e eclética. Não me sinto amarrado por nenhuma teoria. Tentei aprender a pensar, que é algo bem mais difícil do que se imagina. Não acho que o futuro seja previsível. É uma criação humana - e nós somos seres vocacionados para a liberdade.
Fonte: Época
domingo, agosto 21, 2005
Esta crise não é política — é psiquiátrica
Arnaldo Jabor em O Globo
Quem sou eu? Quem sou eu para peruar sobre uma “nova esquerda” no país? Mas, espero, espero, e ninguém diz nada... Os intelectuais que, deslumbradamente, legitimaram o Lula, nos últimos 20 anos, repetem os diagnósticos sobre o mundo capitalista mas, na hora de traçar um programa econômico-político para o Brasil, temos o “silêncio dos inocentes”. Podem procurar nos artigos dos últimos dez anos: não há uma só linha sobre como mudar a economia para além do projeto Malan-Palocci e a bendita “herança maldita”. Xingam o “neoliberalismo”, juros altos mas, além de slogans de “rupturas” sem base politica, não têm alternativas.
A autocrítica da moda agora na Academia é que o governo Lula “não politizou” os conflitos de classe, não passou por cima do Congresso e não fez uma democracia plebiscitária direta, a exemplo do Chavez — visto como “grosso”, mas “interessante”. O extraordinário em intelectuais é que eles não se preocupam com o detalhe de dizer “como” fazer tais rupturas. Criam programas políticos impraticáveis com a tranqüilidade dos ociosos ou ficam quietinhos relendo Marx em alemão. Ou chorando com a crise de sua fé religiosa.
Eles não têm de criticar erros do governo ou do PT; têm é de fazer autocrítica sim, pelo auto-engano olímpico de ignorarem o óbvio. Uma pergunta que não cala: “Como é que os intelectuais marxistas puderam heroificar tanto a subida do PT, sem imaginar a hipótese de que um bando de loucos poderia invadir o governo e se destruir, destruindo-o?”. Falem de si, façam autocrítica, como aquele bravo dirigente chinês que berrava: “Sou um cão imperialista, sou o verme dos arrozais!...” É assustador, quase maravilhoso, vermos que as críticas da esquerda à esquerda também estão erradas.
No Brasil, a palavra “esquerda” continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma “substância” que ninguém mais sabe qual é , mas que “fortalece”, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres.
A Academia e pobres pensadores como eu temos de acabar com o raciocínio metafisíco-economicista do “que fazer”, partindo do Geral para o Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos que encerrar reflexões dedutivas e apostar no indutivo, sair das macro-soluções e aceitar as “micro”. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até pessimista. O pensamento da “esquerda metafísica” tem de dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais óbvia, mais cotidiana. Weber em vez de Marx, Sergio Buarque de Holanda em vez de Florestan Fernandes, Tocqueville em vez de Gramsci.
Além disso, nosso pensamento progressista tem de ser local, brasileiro, dentro do vento do tempo. Idéias que servem para outros países podem não nos servir. Não tem cabimento ler Marx em alemão durante 40 anos e aplicá-lo como um emplastro salvador sobre nossa realidade patrimonialista e oligárquica.
Temos de questionar o sentido desse conceito secular — “esquerda”. (Atenção, caros inimigos, não estou dizendo que a “direita” — arghhh... — é certa. Estou falando em revisão (revisionismo, sim) do repertório e de códigos para reorganizar politicamente o desejo de mudança social.)
De cara, temos de assumir o fracasso do socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma de fé? A palavra “socialismo” (mesmo que fosse possível hoje em dia) nos amarra a um “fim” obrigatório, como se tivéssemos que pegar um ônibus até o fim da linha, mesmo que houvesse outros caminhos. (Já imagino a carga de ira contra mim...). A idéia de socialismo foi importante — nos séculos XIX e XX — para tisnar a onipotência do capital.
No entanto, a verdade tem de ser enfrentada: infelizmente, não há hoje no mundo alternativa ao capitalismo. Isso é o óbvio doloroso. Digo e repito: uma “nova esquerda” tem de acabar com a fé e a esperança. Isso dói, eu sei; mas, contar com essas duas antigas virtudes não cabe mais neste mundo de bosta de hoje.
No Brasil, uma “nova esquerda” tem de trabalhar no dia-a-dia e não saber para onde vai. Do contrário, não conseguiremos pensar.
Não adianta “refundar” o PT como se fosse um erro dentro de uma esquerda “certa”. A crise do PT-Lula é o resultado da falência de proposições ideológicas de cem anos. Sem programa teórico e partidário, macro ou micro, os petistas no poder seguiram as receitas do bolchevismo ridículo e paranóico de Dirceu, Gushiken e sua gangue. Deu nisso.
Os que se consideram “progressistas” e, vá lá, de “esquerda”, têm de abandonar a “religiosidade” messiânica que levou Lula ao poder, sem levar em conta sua deficiência cultural, seu oportunismo, seu deslumbramento consigo mesmo, sua incompetência hoje visível. Temos de acabar com categorias ideológicas clássicas e alistar Freud na análise das militâncias. Levar em conta a falibilidade do humano, a mediocridade da “porcada magra” que se escondia debaixo dos bigodudos “defensores do povo” que tomaram os 19 mil cargos no país.
Além de “aventureirismo”, “vacilações”, “obreirismo”, “sectarismo” e outros caracteres ideológicos, temos de utilizar conceitos como narcisismo, paranóia, burrice, nas análises mentais dos “militantes imaginários”. É impossível repensar uma “esquerda” mantendo os velhos conceitos como: democracia burguesa, fins justificam meios, superioridade moral sobre os pequenos burgueses, luta de classe clássica etc...
Na análise do que nos aconteceu, somos vítimas de um desequilíbrio psíquico. Muito mais que “de esquerda” ou “ex-herói guerrilheiro”, Dirceu é um psicopata e Genoino, um narcisista simplório.
Estamos vivendo uma preciosa mudança histórica. Não a desperdicemos.
Os dogmáticos se agarram a pedaços do barco, mas o importante não é punir ou não Lula ou sei lá quem. O fundamental é mudarmos a nós mesmos. Alguma flor vai surgir desse vexame.
Quem sou eu? Quem sou eu para peruar sobre uma “nova esquerda” no país? Mas, espero, espero, e ninguém diz nada... Os intelectuais que, deslumbradamente, legitimaram o Lula, nos últimos 20 anos, repetem os diagnósticos sobre o mundo capitalista mas, na hora de traçar um programa econômico-político para o Brasil, temos o “silêncio dos inocentes”. Podem procurar nos artigos dos últimos dez anos: não há uma só linha sobre como mudar a economia para além do projeto Malan-Palocci e a bendita “herança maldita”. Xingam o “neoliberalismo”, juros altos mas, além de slogans de “rupturas” sem base politica, não têm alternativas.
A autocrítica da moda agora na Academia é que o governo Lula “não politizou” os conflitos de classe, não passou por cima do Congresso e não fez uma democracia plebiscitária direta, a exemplo do Chavez — visto como “grosso”, mas “interessante”. O extraordinário em intelectuais é que eles não se preocupam com o detalhe de dizer “como” fazer tais rupturas. Criam programas políticos impraticáveis com a tranqüilidade dos ociosos ou ficam quietinhos relendo Marx em alemão. Ou chorando com a crise de sua fé religiosa.
Eles não têm de criticar erros do governo ou do PT; têm é de fazer autocrítica sim, pelo auto-engano olímpico de ignorarem o óbvio. Uma pergunta que não cala: “Como é que os intelectuais marxistas puderam heroificar tanto a subida do PT, sem imaginar a hipótese de que um bando de loucos poderia invadir o governo e se destruir, destruindo-o?”. Falem de si, façam autocrítica, como aquele bravo dirigente chinês que berrava: “Sou um cão imperialista, sou o verme dos arrozais!...” É assustador, quase maravilhoso, vermos que as críticas da esquerda à esquerda também estão erradas.
No Brasil, a palavra “esquerda” continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma “substância” que ninguém mais sabe qual é , mas que “fortalece”, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres.
A Academia e pobres pensadores como eu temos de acabar com o raciocínio metafisíco-economicista do “que fazer”, partindo do Geral para o Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos que encerrar reflexões dedutivas e apostar no indutivo, sair das macro-soluções e aceitar as “micro”. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até pessimista. O pensamento da “esquerda metafísica” tem de dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais óbvia, mais cotidiana. Weber em vez de Marx, Sergio Buarque de Holanda em vez de Florestan Fernandes, Tocqueville em vez de Gramsci.
Além disso, nosso pensamento progressista tem de ser local, brasileiro, dentro do vento do tempo. Idéias que servem para outros países podem não nos servir. Não tem cabimento ler Marx em alemão durante 40 anos e aplicá-lo como um emplastro salvador sobre nossa realidade patrimonialista e oligárquica.
Temos de questionar o sentido desse conceito secular — “esquerda”. (Atenção, caros inimigos, não estou dizendo que a “direita” — arghhh... — é certa. Estou falando em revisão (revisionismo, sim) do repertório e de códigos para reorganizar politicamente o desejo de mudança social.)
De cara, temos de assumir o fracasso do socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma de fé? A palavra “socialismo” (mesmo que fosse possível hoje em dia) nos amarra a um “fim” obrigatório, como se tivéssemos que pegar um ônibus até o fim da linha, mesmo que houvesse outros caminhos. (Já imagino a carga de ira contra mim...). A idéia de socialismo foi importante — nos séculos XIX e XX — para tisnar a onipotência do capital.
No entanto, a verdade tem de ser enfrentada: infelizmente, não há hoje no mundo alternativa ao capitalismo. Isso é o óbvio doloroso. Digo e repito: uma “nova esquerda” tem de acabar com a fé e a esperança. Isso dói, eu sei; mas, contar com essas duas antigas virtudes não cabe mais neste mundo de bosta de hoje.
No Brasil, uma “nova esquerda” tem de trabalhar no dia-a-dia e não saber para onde vai. Do contrário, não conseguiremos pensar.
Não adianta “refundar” o PT como se fosse um erro dentro de uma esquerda “certa”. A crise do PT-Lula é o resultado da falência de proposições ideológicas de cem anos. Sem programa teórico e partidário, macro ou micro, os petistas no poder seguiram as receitas do bolchevismo ridículo e paranóico de Dirceu, Gushiken e sua gangue. Deu nisso.
Os que se consideram “progressistas” e, vá lá, de “esquerda”, têm de abandonar a “religiosidade” messiânica que levou Lula ao poder, sem levar em conta sua deficiência cultural, seu oportunismo, seu deslumbramento consigo mesmo, sua incompetência hoje visível. Temos de acabar com categorias ideológicas clássicas e alistar Freud na análise das militâncias. Levar em conta a falibilidade do humano, a mediocridade da “porcada magra” que se escondia debaixo dos bigodudos “defensores do povo” que tomaram os 19 mil cargos no país.
Além de “aventureirismo”, “vacilações”, “obreirismo”, “sectarismo” e outros caracteres ideológicos, temos de utilizar conceitos como narcisismo, paranóia, burrice, nas análises mentais dos “militantes imaginários”. É impossível repensar uma “esquerda” mantendo os velhos conceitos como: democracia burguesa, fins justificam meios, superioridade moral sobre os pequenos burgueses, luta de classe clássica etc...
Na análise do que nos aconteceu, somos vítimas de um desequilíbrio psíquico. Muito mais que “de esquerda” ou “ex-herói guerrilheiro”, Dirceu é um psicopata e Genoino, um narcisista simplório.
Estamos vivendo uma preciosa mudança histórica. Não a desperdicemos.
Os dogmáticos se agarram a pedaços do barco, mas o importante não é punir ou não Lula ou sei lá quem. O fundamental é mudarmos a nós mesmos. Alguma flor vai surgir desse vexame.
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