Continuação
Era admirado por seu otimismo e amor à vida. “A vida é um dom”, dizia. Internado no Hospital Casa de Portugal no último dia 21, Apolonio morreu ao lado da mulher, Renée, e dos filhos, René e Raul. Segundo os médicos, permaneceu lúcido até o fim e acreditava que iria melhorar.
O corpo de Apolonio será velado na Câmara dos Vereadores a partir das 8h de hoje. Amanhã, às 11h, será cremado no Crematório do Caju.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou para a viúva ontem, assim que soube da morte do amigo.
Nascido em 1912 em Corumbá, então Mato Grosso, Apolonio dizia que o amor pela democracia fora inoculado nele e nos cinco irmãos pelo pai, Candido Pinto de Carvalho Junior, o seu Candoca, oficial do Exército influenciado pelos ideais da Revolução Francesa. Apolonio queria ser médico, mas os poucos recursos da família obrigaram-no a seguir a carreira militar.
Entrou para a Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, em 1930, período em que a República Velha vivia séria crise. Quatro anos depois, já aspirante a oficial, seguiu para Bagé (RS). Encantou-se com o livro de John Reed, “Dez dias que abalaram o mundo”, sobre a Revolução Russa, e com as primeiras obras de Marx e Engels.
Homenagens do governo francês
Foi preso em 1935 por seu envolvimento com a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e por sua participação na Intentona Comunista, levante contra Getúlio Vargas. Foi expulso do Exército quando ainda estava preso em Bagé, em 9 de abril de 1936, “sem processo, sem ser ouvido”, como relata em seu livro de memórias “Vale a pena sonhar”, de 1997. Na prisão, conviveu com o escritor Graciliano Ramos e com a mulher do dirigente comunista Luiz Carlos Prestes, Olga Benário.
Libertado, filiou-se “no dia seguinte” ao Partido Comunista Brasileiro. Foi mandado para a Espanha, junto com outros 18 jovens do PCB, para lutar contra o general Franco, em defesa da República. Após a vitória de Franco, Apolonio não quis voltar ao Brasil e enfrentar as prisões do Estado Novo, o regime ditatorial de Getúlio Vargas. Foi para a França e integrou-se à Resistência francesa.
Responsável por ações de guerrilha contra as tropas de Hitler, chegou a comandar dois mil homens. Jorge Amado, que o chamava de “o herói das três pátrias”, contou essa história no livro “Subterrâneos da liberdade”: ele é o personagem Apolinário. Em 17 de agosto deste ano, Apolonio foi homenageado pelo cônsul da França em São Paulo, Jean-Marc Laforêt, num jantar em que as quatro mesas simbolizavam as cidades francesas que ele ajudou a libertar do nazismo.
Na França, em 1942, conheceu a mulher, Renée. Apolonio militou da seção de Imigrados do Partido Comunista Francês (PCF) e perdeu o contato com o PCB, só retomado ao fim da Segunda Guerra. O pintor Candido Portinari, que iria expor em Paris, foi o portador da mensagem dos comunistas brasileiros para ele: volte o mais rápido possível. Com Renée, grávida de Raul, e o filho mais velho, René-Louis, de 2 anos, voltou ao Brasil em dezembro de 1946. O partido vivia então breve período de legalidade.
Em 1947, o PCB entrou novamente na ilegalidade e Apolonio iniciou um longo período de militância clandestina, por exigência do partido: era na casa dele que as reuniões do comitê central aconteciam. A família era obrigada a trocar de endereço a cada seis meses. As discordâncias com a direção começaram em 1964, após o golpe militar, quando o PCB decidiu “confiar e esperar”. Em 1968 funda o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) com Mário Alves e Jacob Gorender, entre outros.
Apolonio foi novamente preso em janeiro de 1970, pela ditadura militar. Torturado na sede do DOI-Codi, saiu da prisão para o exílio na Argélia ao ser trocado, com outros 39 presos políticos, pelo embaixador alemão, seqüestrado por guerrilheiros. Depois foi para a França. O filho René foi para o Chile, num grupo trocado pelo embaixador suíço, e Raul passou três anos preso. Nos quase dez anos de exílio, reavaliou a ação da esquerda no Brasil e começou a pensar na formação de um partido de massas.
Voltou ao Brasil com a Anistia, em 1979, e ajudou a fundar o PT, em 1980. Em 1981, foi anistiado e promovido a coronel da reserva. Em 2003 passou a receber R$ 8 mil por mês, renda equivalente à de general-de-brigada. Mas a homenagem maior nunca aconteceu: o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, quis promovê-lo oficialmente a general, mas perdeu a queda-de-braço com o comando do Exército.
Ciça Guedes e Toni Marques em O Globo