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sexta-feira, setembro 02, 2005

Viver sem muros

Cristovam Buarque
continuação

Um país com renda nacional de R$1,7 trilhão precisaria de apenas R$40 bilhões anuais, pouco mais de 2%, para fazer um choque social que garantisse vida digna aos pobres e liberdade aos ricos. Mas o egoísmo estúpido se sobrepõe ao egoísmo inteligente. Como se a vida sem muros fosse impossível.

É possível viver sem muros no Brasil. Podemos construir uma sociedade com um grau razoável de justiça, uma sociedade pacífica. Não faltam recursos financeiros para a revolução de um choque social, o que falta é mudar a lógica. A segurança não virá de mais segurança, e sim de menos desigualdade. E a desigualdade não diminui com o aumento da riqueza, mas sim com políticas públicas que garantam os bens e serviços de que a parcela pobre da sociedade precisa, principalmente educação.

A sociedade opta pelos muros protetores porque a lógica social está presa a muros ideológicos que obscurecem a percepção, como uma cortina que impede a visão da realidade. A cortina do egoísmo estúpido e da lógica econômica. Esse casamento entre um sentimento perverso e uma racionalidade imperfeita produz a aberração da sociedade brasileira: a sociedade de muros.

Aquele jovem proprietário do fusca com os vidros fechados era uma metáfora perfeita do exibicionismo da sociedade brasileira. Mas sua estupidez tinha uma dose de ingenuidade, da boa intenção de conquistar meninas também exibicionistas. Seu gesto era muito mais puro do que o gesto da sociedade, que ano após ano mantém políticas públicas para agravar a desigualdade, construindo violência e investindo na proteção dos muros
Uma sociedade viciada nesses padrões de riqueza e concentração acredita que seus muros sejam um símbolo da riqueza e do progresso. E incentiva a disputa do muro mais alto, do equipamento mais sofisticado. Como se a vida sem muros fosse a prisão. A prisão do atraso. Não percebe a perda de liberdade que sua opção acarreta, porque um mundo sem muros não é mais uma hipótese possível, nem sequer uma lembrança.
* Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PT/DF
cristovam@senador.gov.br / www.cristovam.com.br