Continuação
Esta é a única verdade. Não adianta investigar mais, apenas conferir denúncias, cruzar dados, pois as próprias investigações podem virar tapadeiras e rotas de fuga.
Esta verdade pode ser sufocada por milhares de meias-verdades secundárias (moralismos, alegações jurídicas, regimentais) que sobram nas CPIs.
Há um congestionamento de descobertas, lembrando um rio sem foz, onde as sujeiras vão se acumulando sem escoamento. O que denota a gravidade desta crise é que ela ficou óbvia. Ela está decifrada, sujamente clara, em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio com uma galinha, mas ela continua acontecendo.
E o pior é que não temos no Brasil nenhuma instituição, algum tribunal maior que vocalize o desejo social, nada que dê conta desses crimes descobertos. Quem vai punir? Quem vai reformar? Quem vai fazer a crítica prática disso tudo que estamos vendo? Quem? Este Congresso de vendidos? O Executivo culpado e agonizante? O Judiciário paralítico onde todos se refugiarão?
Os acusados estão sendo orientados por criminalistas, como o ministro da Justiça (!), a se ocultar na confissão de “dívidas de campanha” que configurem crimes comuns, que nunca condenaram ninguém neste país. Toda a tática é fugir da caracterização de “crimes políticos”, alegando “falta de provas”, como se provas fossem flagrantes ao vivo e a cores. Tudo está na cara, ao sol de meio-dia, demonstrado — como sabem os advogados — pela figura jurídica das “provas indiciárias”, suficientes, com esta abundância de evidências e denúncias inapeláveis.
O que angustia nessa crise é a sensação de um túnel que não acaba nunca. Na rua me perguntam: “E aí? Como isso vai acabar?” Ninguém sabe. E os dias vão passando, dando tempo para os canalhas se acertarem e fugirem da cana.
A própria idéia de “punição para os culpados” pode ser conservadora, pois parte do princípio de que houve um “desvio” da norma, quando a própria norma é que é criminosa, quando o desenho da política no país é que é desastroso.
Só uma radical reforma não só política e eleitoral, mas institucional, adiantaria, mas, se nem para a punição temos um tribunal eficiente, quanto mais para uma mudança modernizadora deste “passado colonial” em que vivemos.
É como uma grave doença diagnosticada, sem haver hospital preparado para combatê-la.
Assim, esta crise tende para dois destinos:
Ou para uma grande pizza suja que já está sendo preparada por Lula chorando nos braços do “povo”, por Dirceu comandando militantes obedientes, por Severino segurando as cassações das raposas e hienas que trabalham o tempo todo para escapar e confundir-nos. Ou então, se o desprezo pela opinião pública chegar a um ponto insuportável, pode acontecer uma ruptura violenta com a oposição, que tem sido tolerante. Inimigos e irresponsáveis populistas podem incendiar a indignação da sociedade, levando-a para as ruas, pedindo impeachment, contaminando a economia e criando um grave impasse institucional, com luta de facções. Será que teremos de passar por um desastre histórico mais grave, para que algo mude?
E realmente dá vontade de botar para quebrar quando intelectuais e analistas petistas com fé ou mesmo os desencantados dizem que os “neoliberais” criaram essa armadilha histórica para o PT, com a “direita” querendo derrubar o Lula como ao Jango. Dá vontade de virar homem-bomba quando vejo economistas já trabalhando para o neo-populismo evangélico dizerem que o único erro do governo Lula foi ter adotado a política do FHC, a única coisa que ainda segura o país.
É incrível também que “inteligentsia dialética” se diga surpresa com o acontecido; é incrível que não tenham desconfiado dessa possibilidade de lambança, que não tenham tido um pingo de visão realista em relação ao “ungido de Deus” da Academia, com seus santos bigodudos e oportunistas. Como podem se dizer “surpresos”, se um dos temas mais importantes para qualquer intelectual ocidental tem sido a reflexão sobre o lamentável fracasso do socialismo leninista? Onde estava essa gente nos últimos trinta anos? Fazendo o quê? Cavando a última trincheira de uma fé morta no mundo todo, mantendo vivas suas ilusões infantis? Como falar em “zelite” sobre um governo que errou sozinho, se sabotou, se destruiu por loucura, dogmatismo, burrice, falta de projeto e de caráter? E não se tratou de “coisa suja” também não, como disse Ciro, como se tudo fosse um pecado sexual. O que houve foi um plano minucioso, com a conivência do presidente, topando tudo que pudesse coroar seu deslumbramento de operário que virou rei.
Chega de nos escandalizarmos também. Está na hora dos homens sérios da política, da vida cultural, intelectual, jurídica se reunirem e pensarem algumas soluções institucionais e de reforma na Constituição para dar conta desse rio sem foz. Algo como semipresidencialismo ou (oh... sonho!...) parlamentarismo.