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quarta-feira, outubro 29, 2008

Economia

Crises e Finanças

Do livro: Folha Explica - Karl Marx, de Jorge Grespan
Continuação
Em primeiro lugar, então, é preciso retomar o aspecto geral. No final do capítulo 3 foi citado um texto que pode servir muito bem nesse sentido: "O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, sugando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga". Vimos como essa passagem sintetiza bem a contradição constitutiva do capital em sua relação com a força de trabalho. Mas um aspecto central deve agora ser acrescentado. É que, ao comprar e incorporar a força de trabalho, o capital está também se apropriando da capacidade de medir o valor, que o trabalho abstrato possui numa sociedade de troca de mercadorias. O capital adquire com isso não só a propriedade de se valorizar como a de medir essa valorização; ele se valoriza e se mede.
Mas a sua relação com a mensuração é contraditória, como também sua relação com a valorização, porque ambas derivam da oposição entre capital e trabalho. Ao mesmo tempo que integra a força de trabalho, o capital também precisa negá-la, substituindo-a por máquinas; ou seja, ao mesmo tempo que adquire a capacidade de se medir, o capital reitera que essa capacidade pertence a um agente que ele mesmo põe como seu oposto. Perde então as suas medidas.
Em todos os níveis da apresentação das categorias de O Capital, aparece essa determinação contraditória da medida e da desmedida. É por ela que vão se definindo em cada nível os distintos conceitos de crise. Se algum deles for isolado dos demais, pode parecer que oferece a única definição possível, invalidando as outras - caminho seguido por grande parte das intérpretes de Marx. Mas, de fato, também o conceito de crise obedece à forma da apresentação que vai do mais geral ao mais complexo, também ele vai enriquecendo seu conteúdo junto com o conceito de capital.
Marx faz questão de indicar a possibilidade de crise já no nível da produção e circulação de mercadorias, refutando qualquer pretensão de que o mercado pudesse ser sempre harmônico. Aqui, a medida aparece na passagem fluida entre compras e vendas, quando há correspondência entre as quantidades do que se produz e do que se demanda; a desmedida, ao contrário, é quando não ocorre tal correspondência, interrompendo o movimento.
A forma desse movimento é descrita por Marx em termos que valem também para as fases seguintes da apresentação: "[] o percurso de um processo através de duas fases opostas, sendo essencialmente, portanto, a unidade das duas fases, é igualmente a separação das mesmas e sua autonomização uma em face da outra. Como elas então pertencem uma à outra, a autonomização [] só pode aparecer violentamente, como processo destrutivo. É a crise, precisamente, na qual a unidade se efetua, a unidade dos diferentes".
A compra e a venda de mercadorias, em primeiro lugar, são as "fases opostas" do processo em que se vende para comprar. Como se realizam pela mediação do dinheiro, elas assim se "separam e autonomizam uma em face da outra", podendo não coincidir. Mas a crise não assinala simplesmente o momento negativo, da não coincidência, e sim a impossibilidade de que essa situação permaneça por muito tempo.
Como as fases de compra e venda se diferenciaram por força de um processo único, que dialeticamente tem de se realizar mediante sua diferenciação em duas fases, chega um momento em que essa autonomia não pode prosseguir. A unidade do processo se afirma, mas como reação violenta à autonomização das fases. No mercado como um todo, a discrepância possível entre compras e vendas precisa ser corrigida e, quando isso acontece, verifica-se a incompatibilidade entre os valores daquilo que se comprou e agora tem de pagar com o dinheiro de uma venda que pode não ocorrer. Segue-se um ajuste violento de contas, e valores simplesmente desaparecem.
Essa forma geral da crise se reapresenta quando a finalidade é definida pelo capital como a de "comprar para vender". A discrepância ocorre no mercado de trabalho, ou nas compras e vendas recíprocas dos vários setores em que se divide a produção entre os capitalistas, ainda mais considerando que tudo isso se realiza pela concorrência. A discrepância de valores significa então que alguns terão prejuízo, talvez grande, vindo a falir. Parte do capital existente se desvaloriza, negando o próprio conceito de valor que se valoriza.


Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

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