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sexta-feira, outubro 07, 2005

Entrevista: Raul Pont

POR UMA CONSTITUINTE PETISTA
Respostas de Raul Pont às perguntas dos leitores

CartaCapital: Na sua visão, concretamente, cite dois erros da relação partido/governo cometidos até aqui e diga como resolvê-los. (Nelson Ricardo da Costa e Silva, São Gonçalo, RJ)


Raul Pont: Na relação partido/governo, detectamos dois erros graves. O primeiro foi a ausência de autonomia do partido diante do governo, em que o Diretório Nacional tornou-se um mero homologador das políticas implementadas pelo governo, perdendo sua capacidade crítica e propositiva. O segundo erro foi que, com a chegada ao governo federal, o partido acentuou a ruptura com seus princípios e sua história. Essa ruptura vinha expressando-se em três pontos cruciais: na diluição dos valores socialistas na cultura petista; nas práticas políticas e alianças que perderam o sentido de enfrentamento com o neoliberalismo e de participação popular; e na dominação do partido por um “campo majoritário” que asfixiou a democracia interna e implementou uma organização partidária sem controle pela base.

CC: Alguns deputados que fundaram o PT estão migrando para outros partidos. O senhor acha que isso é traição? (Marcelo Lucena da Silva, Brasília, DF)

RP: Lamentamos a opção dos companheiros que hoje deixam o PT em direção a outra opção partidária. São companheiros que construíram a história do nosso Partido e optam pela desistência no exato momento em que a base rechaça o continuísmo. Essa atitude é equivocada. Um erro político que conduz à dispersão, à atomização da esquerda.

CC: O que o senhor pretende fazer para colaborar com a construção de um sistema de comunicação de massa alternativo? (Helio Marcio da Silva Carneiro, Conceição do Coité, BA)

RP: A elaboração de um sistema de comunicação alternativo no País, que nos tire da condição de reféns da grande mídia e da cobertura que esta faz das nossas ações é fundamental. Acreditamos que a comunicação alternativa e popular deve ser um dos temas de debate do Congresso do PT, que queremos realizar o mais rápido possível. Neste sentido, destacamos o importante papel que vem sendo cumprido pelas rádios comunitárias na democratização da informação no País.

CC: O que o senhor pensa sobre práticas adotadas pelo PT nas últimas campanhas, como o excesso de marketing, a utilização de militância paga e alianças pragmáticas e não programáticas? (Leonardo Malta de Tolla, Porto Alegre, RS)

RP: O problema que temos de enfrentar é o do atual sistema político brasileiro, movido pela lógica do financiamento privado das campanhas e do voto nominal, que estimula campanhas personalistas em que o marketing prepondera sobre o programa. O PT precisa enfrentar esse tema no Congresso Nacional para garantir a votação da Reforma Política. Com o financiamento público de campanhas, o voto em lista preordenada e a fidelidade partidária teremos a vitória do programa sobre o personalismo e a garantia do controle dos eleitos pelo partido. Com essas mudanças, a população vai optar pelo programa do partido e não pelo melhor slogan de campanha. Teremos campanhas mais baratas e melhores condições de disputa. Quanto à política de alianças, ela não pode estar alicerçada apenas em maiorias parlamentares. As derrotas que sofremos no Congresso Nacional durante o governo Lula confirmam isso. Defendemos alianças construídas em cima de compromissos programáticos, não só com partidos políticos, mas principalmente com os movimentos sociais, que possuem capacidade de mobilizar milhares de pessoas na sustentação das políticas públicas transformadoras deste país.

CC: Gostaria de saber qual será sua postura em relação ao apoio ao governo, uma vez que o governo é do PT? (José Geraldo de Miranda, Conselheiro Lafaiete, MG)

RP: Temos claro o papel estratégico tanto do governo Lula quanto da autonomia do partido perante o governo. As instâncias partidárias têm de ser ouvidas e têm de opinar sobre as ações de governo, apresentando propostas, projetos. Esse é o papel do partido. E é esse papel que nos propomos a resgatar e construir. Nossa disputa interna não visa enfraquecer nem o partido nem o governo, e sim, retomar e manter as bases sociais que nos deram a vitória em 2002 e podem ser verdadeiros sustentáculos das transformações que o País precisa, garantindo assim a reeleição do nosso projeto.

CC: É difícil, para um simples filiado como eu, imaginar como o partido pôde ter sido tão ingênuo diante de tudo o que tem acontecido. O PT é assim “bobinho” ou tem um trunfo para dar a volta por cima e mudar de uma vez por todas este país? (Até a publicação da entrevista, o autor desta pergunta não havia se identificado como solicitado pela redação)

RP: Como demonstra a participação dos filiados neste processo interno, a vitalidade do PT é imensa. As raízes que o PT tem na sociedade brasileira são fortes o suficiente para um movimento de reorganização partidária, de correção de rumos. Daí a nossa proposta de realizar um Congresso partidário com o caráter de Constituinte Petista.

CC: Como o senhor pretende reverter o quadro de esvaziamento do partido devido aos escândalos das denúncias de Roberto Jefferson e também pela falta de atitude dos atuais dirigentes em esclarecer à sociedade o que realmente se passou? (Leonel Amaral, Porto Alegre, RS)

RP: Identificar e punir, rapidamente, os responsáveis é a resposta imediata que a nova Direção deverá realizar, sinalizando que o partido não concorda e não pratica esses métodos com os quais alguns dirigentes e parlamentares se envolveram. A demonstração que a militância do PT deu, com o comparecimento ao PED, é uma clara sinalização de que é preciso abrir o partido para um debate profundo, uma reflexão abrangente sobre a nossa história e sobre as perspectivas de futuro, com um Congresso partidário para reorganizar o PT.

CC: Qual será a posição do PT com relação a assuntos como dívida externa e apoio ao presidente Lula, caso o senhor vença? (Sérgio Ricardo Braga da Silva, Primavera, SP)

RP: O PT tem posição sobre dívida externa, expressa no documento aprovado como proposta de Programa de Governo, no 12° Encontro Nacional, em dezembro de 2001. Com base no nosso programa e na experiência do nosso governo, o partido nos seus encontros e congressos atualiza suas definições. O apoio do PT ao governo será mais eficiente quando, preservada a sua autonomia, volte a ser um centro elaborador de políticas e propositivo frente ao governo. Cabe também ao partido organizar uma aliança política e social, com bases programáticas, que num processo democrático e participativo garanta governabilidade.

CC: Por que o PT chegou à Presidência da República sem um plano de governo e sem pensar em aspectos fundamentais, e até óbvios, como, por exemplo, quem presidiria o BC? (Maurício Martins, São Paulo, SP)

RP: O PT chegou ao governo com um programa. Coube ao presidente Lula, a partir da aliança vitoriosa, e de acordo com aquele momento político, escolher os seus colaboradores diretos.

CC: O que o senhor entende por uma política econômica de esquerda e em que medida esta é passível de ser posta em prática na sociedade brasileira? (Tiago Oliveira, Salvador, BA)

RP: É perfeitamente possível baixar os juros sensivelmente e ter uma política de crescimento e maior incidência em outros mecanismos que impeçam a inflação. Por exemplo, os preços indexados das tarifas públicas (telefonia, energia elétrica, gás de cozinha e combustíveis) são elementos de pressão inflacionária assim como o caráter oligopolista das redes de distribuição de gêneros de primeira necessidade ou da falta de regulamentação e controle sobre os preços que atingem toda a população como os serviços de saúde e educação privados, os preços dos medicamentos, a especulação imobiliária. Este conjunto de questões sendo enfrentado pelo governo permitiria dispensar, sensivelmente, uma taxa de juro alta.

CC: Diante do processo de desconstrução da imagem do PT a que temos assistido, o que fazer e como fazer para se recuperar dos danos causados por um grupo de dirigentes que tratou o partido como propriedade particular? (Marcos Antonio de Faria, Barbacena, MG)

RP: É necessário distinguir duas situações. Uma coisa é a indignação e revolta contra alguns dirigentes e parlamentares, que foram responsáveis pelo envolvimento do partido em esquemas de financiamento de campanhas eleitorais e o uso desses recursos para alimentar, também, disputas internas no próprio PT . Para isso, precisamos ser exemplares na apuração das responsabilidades e punição dos culpados. Outra coisa é detectar o que é o preconceito e tentativa de liquidar com o partido pela cobertura de vários dos grandes órgãos de comunicação do País. Esse tratamento tendencioso e dirigido para atacar o PT como um todo é uma tônica permanente nas coberturas. Quebrar o preconceito criado pela mídia será mais difícil e demorado e necessitará, também, de iniciativas potentes em políticas públicas desenvolvidas pelo governo. Não há melhor superação do que iniciativas que alterem e melhorem as condições de vida da maioria da população.

CC: O senhor vai, em conjunto com a Executiva, promover novamente um diálogo maior entre o comando e a base petista? (Thiago Candido da Silva, São Paulo, SP)

RP: Defendemos um processo em que os militantes não apenas votem (e deleguem poderes a uma nova direção), mas também participem – um congresso de refundação do PT , uma constituinte petista, a ser realizado no menor prazo possível após as eleições internas. Ela deve ter papel e poder para reencontrar o partido com suas origens, seus militantes, seu programa e sua base social, e, assim, fazer frente aos desafios atuais de governo. Nossa postura será no sentido de garantir maior participação da base nas decisões partidárias, a sustentação financeira militante do PT e a proporcionalidade qualitativa nas direções do PT, onde uma mesma corrente não possa ficar com os principais cargos da Executiva.
Fonte: Carta Capital