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domingo, outubro 16, 2005

A Teoria dos Jogos, as guerras e a paz

Eduardo Matarazzo Suplicy*
Será que o presidente George Walker Bush teria iniciado a Guerra contra o Iraque, caso tivesse ouvido antes a análise e as recomendações dos novos laureados com o Prêmio Nobel de Economia, Robert J. Aumann e Thomas C. Shelling? Creio que provavelmente não, pelo que posso deduzir das justificativas da Academia de Ciências da Suécia ao laurear estes professores, respectivamente, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e das Universidades de Mariland e de Harvard, nos EUA.
Os dois realizaram trabalhos independentes no campo da teoria dos jogos, mas têm uma convicção comum e profunda: uma finalidade essencial das ciências sociais é a de compreender por que e como as interações entre os grupos humanos, as organizações, ou mesmo entre os países, podem conduzir tanto a estratégias conflituosas como a comportamentos cooperativos.
O professor David Encaoua, da Universidade de Paris-I, no “Le Monde” de 13 de outubro, ressalta que a comunidade científica recebeu bem a distinção do Nobel, em 1994, a três grandes professores, John Nash, John Harsanyi e Reinhard Selten, por terem desenvolvido teorias dos jogos. Mas muitos consideravam importante que fosse reconhecida a contribuição dos premiados deste ano.
Robert Aumann desenvolveu três contribuições fundamentais. A primeira analisa as situações de interação social que se repetem ao longo do tempo: se, com uma visão de curto prazo, um enfoque não-cooperativo conduz muitas vezes a estratégias que não são boas para todas, no longo prazo pode multiplicar os efeitos inadequados. A cooperação resulta do fato de que um comportamento agressivo de um autor, mesmo que favorável no curto prazo, pode acabar sendo desfavorável no longo prazo, devido à cadeia de reações que o seu comportamento induz.
Podemos considerar que o comportamento agressivo do governo Bush na Guerra do Iraque, mesmo que vitorioso no primeiro momento, induziu uma série de reações desde então, que resulta hoje numa enorme incerteza sobre o benefício daquela ação bélica.
A segunda contribuição mostra como a presença de um mediador, que se comunica com cada autor individualmente, pode contribuir para favorecer a cooperação. Um exemplo foi a iniciativa do governo do presidente Lula, quando houve a tentativa de golpe militar contra o presidente Hugo Chaves.
O presidente Lula então propôs fosse formado o Grupo de Amigos da Venezuela, que incluía países como os EUA, o Brasil e a Colômbia, que promoveram uma solução de transição e de apaziguamento daquele país que estava prestes a viver uma guerra civil.
A terceira grande contribuição de Aumann introduz o conhecimento comum como noção fundamental no funcionamento dos grupos sociais. Não é suficiente que cada agente seja racional para determinar como vai se desenrolar uma interação social. É necessário que cada agente pense que cada um dos outros seja racional, e assim por diante até o infinito.
Thomas Schelling tem como livro principal “A Estratégia do Conflito”, de 1960, em que desenvolve raciocínios sobre a utilização dos armamentos nucleares. Dispor de uma força nuclear pode ser uma forma de cooperação, ainda que imperfeita, desde que dentro de uma lógica de dissuasão. Evitar os custos das armas nucleares poderia ser certamente melhor, mas isso é praticamente inatingível em razão da falta de confiança mútua. Há dois aspectos a serem considerados: de um lado o engajamento irreversível, e de outro o seu custo.
Aumann e Shelling evocam os primeiros laureados pela Teoria dos Jogos, principalmente John Nash, cuja vida foi mostrada no filme “Uma Mente Brillhante”. Há uma cena notável em que, por volta de 1947, quando Nash fazia seus estudos de pós-graduação, na Universidade de Princeton, ele vai um dia a uma cervejaria com quatro amigos. Na mesa ele conversa a respeito de que não estava inteiramente satisfeito com a visão de Adam Smith, um dos formuladores do capitalismo, em “Um Inquérito sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações”, que era justamente por causa do interesse próprio do padeiro e do açougueiro que nós devemos o pão e a carne na nossa mesa. Foi então que entraram na cervejaria cinco moças, uma muito bonita, que fica de olho nele. Seus amigos conversam sobre como irem lá tirar aquela moça para conversar e dançar. Mas ele observa: se todos os cincos forem lá tira-la, as outras quatro vão se sentir rejeitadas, haverá um mal-estar e nenhum ficará com qualquer uma delas. “É melhor que cada um escolha uma, todas ficarão contentes, e nós também”. Em seguida, segue em direção àquela moça bonita e lhe diz:
“Muito obrigado. Você acaba de me levar a transformar a teoria econômica dos últimos cento e cinqüenta anos.” E daí seguiu para o seu escritório, para escrever a sua tese sobre como é importante levar em consideração a cooperação, mesmo numa economia de mercado.
* Eduardo Matarazzo Suplicy é senador pelo PT-SP

eduardo.suplicy@senador.gov.br