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sexta-feira, outubro 07, 2005

Entrevista: Ricardo Berzoini

PELA CONVOCAÇÃO DO CONGRESSO INTERNO
Respostas de Ricardo Berzoini às perguntas dos leitores

CartaCapital: Na sua visão, concretamente, cite dois erros da relação partido/governo cometidos até aqui e diga como resolvê-los. (Nelson Ricardo da Costa e Silva, São Gonçalo, RJ)


Ricardo Berzoini: Um problema que tivemos principalmente em 2003, foi uma certa mistura dos elementos de governo com o partido, até por solidariedade para com os companheiros que passaram a ocupar cargos no Executivo. Outro problema foi não acertar na mediação entre governo, Parlamento e movimentos sociais. O PT deve estabelecer um diálogo muito franco e objetivo para balizar a distância entre governo, Parlamento e movimento social. A característica mais importante do PT é exatamente essa capacidade de se relacionar permanentemente com a vida real, não apenas com a vida parlamentar e com a de governo.

CC: Alguns deputados que fundaram o PT estão migrando para outros partidos. O senhor acha que isso é traição? (Marcelo Lucena da Silva, Brasília, DF)

RB: Lamento muito a saída desses companheiros, que poderiam compor uma Executiva mais democrática e plural, espaço conquistado por eles no primeiro turno. Por outro lado, é muito complicada a posição de deixar o partido após um resultado eleitoral adverso. Ainda que ele tenha sido aquém da expectativa, é uma posição antidemocrática. Tenho dito que o PT sempre conviveu com adversidades e sempre pôde debater e aprender com os momentos de crise. Os petistas de coração não deixam o barco na primeira tormenta. Quem abandona o barco mostra só ter vocação para navegar em águas calmas.

CC:O que o senhor pretende fazer para colaborar com a construção de um sistema de comunicação de massa alternativo? (Helio Marcio da Silva Carneiro, Conceição do Coité, BA)

RB: A crise foi desencadeada por erros de ex-dirigentes, mas foi claramente amplificada e instrumentalizada por setores da mídia e da oposição. O PT precisa chamar a sociedade para um debate sobre como democratizar os meios de comunicação, hoje concentrados nas mãos de seis famílias. Não é uma questão simples. O PT tem a liberdade de imprensa como uma bandeira, desde que não seja restrita a “liberdade de empresa”.

CC: O que o senhor pensa sobre práticas adotadas pelo PT nas últimas campanhas, como o excesso de marketing, a utilização de militância paga e alianças pragmáticas e não programáticas? (Leonardo Malta de Tolla, Porto Alegre, RS)

RB: Precisamos lembrar que o Campo Majoritário, ainda que reconheça erros no último período, teve papel fundamental na caminhada que levou o presidente Lula à Presidência da República. Erros foram cometidos e mecanismos precisam ser criados para que não possam se repetir. Sou defensor de mudanças nos mecanismos internos do partido, bem como na legislação eleitoral já para 2006. A proibição de cartazes e outdoors, e encurtamento do período para baratear a campanha são algumas dessas mudanças. Não é produtivo para o País uma campanha tão longa e custosa, além do que, o debate programático termina em segundo plano. O PT vai retomar a bandeira da ética na política e precisa voltar à vanguarda da discussão da Reforma Política.

CC: Gostaria de saber qual será sua postura em relação ao apoio ao governo, uma vez que o governo é do PT?(José Geraldo de Miranda, Conselheiro Lafaiete, MG)

RB: Costumo dizer que esse é o nosso governo, do nosso partido. Isso quer dizer que ele deve ser defendido dos ataques que vem sofrendo e da tentativa de nossos adversários de antecipar o calendário eleitoral. O governo do presidente Lula foi uma conquista estratégica para o plano do PT por um país mais justo e igualitário. Além disso, o governo é melhor do que os anteriores, com uma política econômica vitoriosa, os maiores investimentos no social da história, incentivo à agricultura familiar, criação de facilidades de microcrédito, geração de empregos e exportações recordes, entre outros avanços. Ainda que seja papel do PT fazer críticas pontuais, refletir e debater as políticas de governo, não podemos tergiversar em sua defesa.

CC: É difícil, para um simples filiado como eu, imaginar como o partido pôde ter sido tão ingênuo diante de tudo o que tem acontecido. O PT é assim “bobinho” ou tem um trunfo para dar a volta por cima e mudar de uma vez por todas este país? (Até a publicação desta entrevista, o autor desta pergunta não havia se identificado como solicitado pela redação)

RB: O trunfo do PT é a militância, sua verdadeira alma. O partido não é de uma liderança ou de um parlamentar, mas de toda a base. Isso foi demonstrado no dia 18 de setembro, quando 314 mil filiados compareceram às urnas para votar no primeiro turno PED, deixando claro que querem preservar o patrimônio político construído nos últimos 25 anos. Por erros de omissão ou atropelo de instâncias por parte de alguns ex-dirigentes permitiram que o partido fosse tomado de assalto. A base vai cobrar como nunca dos futuros dirigentes transparência e democracia nas decisões internas.

CC: Como o senhor pretende reverter o quadro de esvaziamento do partido devido aos escândalos das denúncias de Roberto Jefferson e também pela falta de atitude dos atuais dirigentes em esclarecer à sociedade o que realmente se passou? (Leonel Amaral, Porto Alegre, RS)

RB: A atual Executiva está cumprindo as etapas do processo de apuração de acordo com o estatuto do partido de todos os acusados para punir os que se mostrarem responsáveis por irregularidades. Tudo com garantia do direito de defesa. No caso do ex-tesoureiro, Delúbio Soares, já temos até o parecer da Comissão de Ética do partido favorável à cassação, que só não foi executada por causa de uma liminar judicial. Tão importante quanto apurar, e punir com justiça, é impedir que haja pré-julgamentos.

CC: Qual será a posição do PT com relação a assuntos como dívida externa e apoio ao presidente Lula, caso o senhor vença?(Sérgio Ricardo Braga da Silva, Primavera, SP)

RB: O apoio ao presidente Lula não está em discussão. Acredito que ele tem todas as condições para se candidatar à reeleição. Com relação à dívida externa, a discussão envolve toda a política econômica, que é vitoriosa, porque reverteu um cenário de adversidades e consegue hoje inflação controlada e crescimento econômico com geração de empregos. A condução a respeito da dívida externa apresenta uma melhora na relação dívida externa/PIB. Segundo dados do Banco Central, de 42,4% para 28,2%, o que é um avanço considerável para o País e para ampliar a confiança externa. Nossa discussão com relação à política econômica diz respeito à execução orçamentária e às metas de inflação, que poderiam acelerar o corte de juros.

CC: Por que o PT chegou à Presidência da República sem um plano de governo e sem pensar em aspectos fundamentais, e até óbvios, como, por exemplo, quem presidiria o BC? (Maurício Martins, São Paulo, SP)

RB: O PT tem sim programa de governo que vem sendo realizado dentro do possível. Tem também quadros para ocupar os cargos do Executivo federal. Ao mesmo tempo, o governo é o resultado possível de uma aliança com outros partidos e setores da sociedade, o que exige composição. O presidente Lula e o PT prepararam-se durante 25 anos para governar o País. Mas as mudanças não acontecem do dia para a noite, mesmo porque, é preciso dialogar democraticamente com a sociedade e com o Parlamento. O presidente do BC e os ministros foram escolhas do presidente, considerando diversas questões, desde as alianças até as políticas que seriam executadas.

CC: O que o senhor entende por uma política econômica de esquerda e em que medida esta é passível de ser posta em prática na sociedade brasileira? (Tiago Oliveira, Salvador, BA)

RB: É uma política que busque crescimento econômico com distribuição de renda. Dentro das condições históricas, esse tem sido um dos nortes do governo Lula, com medidas que vão muito além da política macroeconômica. Refiro-me aos incentivos à economia solidária, ao microcrédito, ao financiamento à agricultura familiar. É claro que desejamos mais distribuição de renda, porque o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo. Mas 500 anos de injustiças sociais só podem ser revertidos com uma luta incessante.

CC: Diante do processo de desconstrução da imagem do PT a que temos assistido, o que fazer e como fazer para se recuperar dos danos causados por um grupo de dirigentes que tratou o partido como propriedade particular?(Marcos Antonio de Faria, Barbacena, MG)

RB: Esse é um dos motivos por que queremos convocar o III Congresso interno do PT. Para fazer todas as mudanças que o partido precisa para redemocratizar e reorganizar suas relações internas e as ligações com a base, a legitimidade de um congresso constituinte é muito importante. Precisamos criar mecanismos de transparência para as relações e para as finanças, como o Orçamento Participativo (OP) no PT. A busca por inovações que sempre foi uma das marcas do modo petista de governar é uma das saídas. Queremos ainda promover cursos de formação de quadros permanentes em todas as instâncias, além de fortalecer os setoriais. São formas de aproximar o partido de sua base, ampliar o diálogo e a transparência, para impedir que dirigentes tomem o partido de assalto.

CC: O senhor vai, em conjunto com a Executiva, promover novamente um diálogo maior entre o comando e a base petista?(Thiago Candido da Silva, São Paulo, SP)

RB: Para este fim, o III Congresso também pode ajudar muito. Primeiro, porque os movimentos sociais terão papel ativo e de destaque. Poderemos também construir fóruns de discussão permanentes com a base, tanto com movimentos como com intelectuais. Outra medida é o fortalecimento das instâncias partidárias. As setoriais têm papel de destaque a exercer nessa reaproximação. Além disso, vários mandatos de parlamentares e prefeitos têm grande sucesso no diálogo com os movimentos sociais. Essas trocas precisam ser aproveitadas pelo partido como um todo, institucionalizando as relações para além do mandato em torno do qual se articulam.
Fonte: Carta Capital