Eduardo Suplicy
O termo francês “nepotisme” começou a ser utilizado em 1653 para definir uma prática que surgiu com a humanidade. Originalmente significava os favores de que gozavam os sobrinhos dos papas católicos, parentes mais próximos dos filhos que não podiam ter. Os privilégios se estendiam aos demais parentes de Suas Santidades.
O Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa também definem nepotismo como sendo o “favoritismo de certos governantes aos seus parentes e familiares, facilitando-lhes a ascensão social, independentemente de suas aptidões”. Atualmente significa a nomeação, sem prévia aprovação em concurso público, de cônjuge, companheiro ou parente do responsável pela nomeação, para cargo público em comissão - ou de confiança.
Um estudo das biólogas finlandesas, Minttunaaria Hannoen e Liselotte Sundström, da Universidade de Helsinque, que pesquisaram a vida da Formica fusca, uma formiga européia cujas colônias têm, em geral, mais de uma rainha, revelou que o hábito demasiado humano de dar aquele jeitinho para favorecer os parentes está presente até na disciplinada sociedade das formigas. O estudo foi publicado na revista científica Nature.
Não é de hoje que o nepotismo é considerado uma força poderosa por trás do comportamento dos animais e dos homens. Os estudiosos da evolução costumam supor que a luta pela sobrevivência se resume a uma batalha para passar adiante os próprios genes – algo que foi apelidado de “gene egoísta” pelo zoólogo e divulgador da ciência Richard Dawkins.
Proteger esses parentes próximos seria uma forma de garantir que os genes do próprio indivíduo tivessem uma chance a mais de sobreviver. Foi por isso que o geneticista inglês John Haldane (1892-1964) disse, brincando, que seria capaz de morrer para salvar pelo menos dois irmãos, ou oito primos, quantidade mínima de parentes para garantir uma chance de sobrevivência a todos os seus genes.
Formigas e brincadeiras à parte, o nepotismo, em alguns casos, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o "benemérito" e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de resguardar os interesses daquele. Essa vertente pode ser visualizada na conduta de Napoleão, que nomeou seu irmão, Napoleão III, para governar a Áustria.
No Brasil, segundo historiadores, a primeira prática de nepotismo ocorreu quando Pero Vaz de Caminha pediu um emprego para seu genro ao rei de Portugal, Dom Manuel. Do descobrimento aos dias de hoje o nepotismo se ampliou em todas as dimensões, apesar das tentativas da sociedade civil em barrar tal prática. Em termos estruturais, o nepotismo apresentou suas conseqüências, acabando infelizmente numa certa privatização do aparelho estatal.
Visando coibir tal prática o Supremo Tribunal Federal, por nove votos contra um, concedeu a liminar à Associação dos Magistrados Brasileiros, obrigando todas as Cortes do País a exonerarem imediatamente familiares de juízes e desembargadores nomeados sem concurso para cargos de confiança no Judiciário. A decisão confirma a proibição de contratação de empresas de prestação de serviços que empregam parentes de juízes e que foi imposta pela resolução antinepotismo baixada pelo Conselho Nacional de Justiça, no dia 14 de novembro do ano passado. Tal decisão merece os cumprimentos de todos os brasileiros.
Este é um passo importante para moralizar o Poder Judiciário e, sobretudo, para reconhecer as prerrogativas do Conselho Nacional de Justiça, órgão criado por decisão do Congresso Nacional com a Emenda Constitucional nº 45, que por nós foi chamada de Reforma do Judiciário, justamente com o intuito de fiscalizar as instâncias e setores da Justiça.
O artigo 37 da Constituição brasileira diz que a Administração Pública deve sempre se pautar pela obediência aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Seu cumprimento pleno evitaria os abusos que, muitas vezes, têm caracterizado os procedimentos nos diversos Poderes.
O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Rodrigo Collaço, empenhou-se em mobilizar os juízes de todo o Brasil para que essa decisão tivesse o apoio de sua categoria. Com isso, conseguiu também o respaldo da opinião pública brasileira. Acredito que essa decisão caminha na defesa dos princípios de investidura em cargo ou emprego público muito mais por concurso público de provas e títulos do que por livre nomeação.
Maior avanço virá, de acordo com o que anunciou o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, com a votação, no início de março, da Proposta de Emenda à Constituição que acaba com o nepotismo nos três poderes da república. Assim estaremos indo ao encontro do que a nação espera do Congresso Nacional.
Eduardo Suplicy é senador pelo PT-SP
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