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quarta-feira, julho 12, 2006

A política imita o futebol

Continuação
Como a seleção, nenhuma candidatura consegue empolgar. Petistas resignam-se com o Lula que têm; tucanos conformam-se com o candidato que lhes sobrou. As demais legendas vão à luta pelos motivos mais diversos, quase todos ligados à sobrevivência de pessoal e/ou partidária. Uma eleição, assim como a Copa, burocrática e monocromática, definida nos pênaltis. Exceção – a confirmar a regra – Cristóvão Buarque se dispõe a riscos, empunhando bandeira da utopia educacional. Como Zinedine Zidane, tende a encerrar o campeonato e a carreira com cabeçadas. O fato é que não será um ano para muita comemoração, qualquer que seja o resultado. Notoriamente, o país irá dividido para as urnas: Lula tem sua força no Nordeste, mas é fraco no Sul/Sudeste; colhe seus votos entre os mais pobres e menos escolarizados, mas dá urticárias nas classes média e alta. Não tem os modos, não expressa a elegância e desperta a repugnância ética e estética da elite.
Já Geraldo Alckmin é o negativo de Lula: desconhecido no Nordeste e uma interrogação para os mais pobres. Que bolsas manterá? Questões que o candidato ainda não conseguiu responder. Falta-lhe o carisma de Lula assim como falta a Lula a sua serenidade. Não são estilos que se complementem; antes, rejeitam-se. Qualquer que seja o vitorioso, não há possibilidade de o conjunto do país sair satisfeito. Nunca se agrada a todos, mas, desta vez, muitos ficaram descontentes.
Com isso, o ceticismo parece ter se apoderado de boa parte do eleitorado pelos motivos mais diversos. Em resumo, a verdade é que poucos, raríssimos, ainda acreditam na eficácia e na possibilidade de a política interferir e melhorar as suas vidas.
Executivos e parlamentares deram mais que motivos para isto; os candidatos não dão motivos para pensar diferente disto. O individualismo e o tradicional personalismo estabeleceram os postulados da ética do salve-se quem puder.
A política como arte da transformação social, do equilíbrio dos opostos e do desenvolvimento humano parece estar renegada ao terreno das ilusões, da retórica oficial e das más intenções extra-oficiais. A mídia, é claro, joga lenha na fogueira, promovendo o neo-populismo o neo-udenismo sem elevar o debate. Mas esse não é papel da mídia; a própria sociedade, apática e anestesiada, não olha para o futuro. Antes, a mídia e a sociedade são efeitos das elites sem projeto do que a causa da falta de projetos.
Assim, tudo ficará, mais uma vez, por conta das circunstâncias, dependente dos adversários, das condições em que o próximo governo assumir o mandato. São as circunstâncias, mais do que os projetos, a força motriz da política. Reformas e novos procedimentos administrativos dependerão, na verdade, daquilo que sair das urnas no que tange ao Congresso Nacional e aos governos estaduais. O eleitor votará sem saber o que esperar, logo, o que sairá das urnas só poderá ser mesmo algo aleatório, num universo de escolha de qualidades restritas. Geraldo Alckmin agrada alguns setores com o discurso do “choque de gestão” e com suas críticas à política econômica, especificamente, e ao governo Lula, no geral. Mas não consegue indicar o modo e os meios que acionará para promover as mudanças que tem em mente. Reconheça-se que nem teria como mesmo. Em primeiro lugar, é pouco provável que possa eleger consigo maioria estável e ainda por cima programática. Como todo o governo, desde José Sarney, terá que recorrer ao PMDB, à composição no governo e ao loteamento de ministérios.
Reformas profundas dependerão (como no governo FHC) de intensa negociação na própria base que tende a resistir a interesses contrariados por essas propostas de reforma. Avança-se, sim, como se tem avançado, a passos de cágado. São os graus imperceptíveis do gradualismo brasileiro.
Com Lula, tampouco a situação mudará muito. Três cenários são possíveis: 1) a continuação da crise, com o PFL forçando o desgaste do governo e o impeachment; 2) a formação de maioria a partir da divisão do governo com o PMDB (em detrimento do PT); e 3) a depender da situação de um PSDB derrotado e fracionado, a tentativa de uma composição mais ampla, apontando para um realinhamento partidário. Vistos com os olhos de hoje, pode-se dizer que o primeiro e o terceiro cenários são menos prováveis, sobrando a Lula alternativa similar a de Alckmin. Sem pressão social, pouco poderá ser feito. Para estimulá-la, no entanto, os candidatos precisariam demonstrar objetivos claros. Mas fazê-lo significaria, por outro lado, perder apoios de antemão, numa eleição disputadíssima e refém de um sistema político divorciado da sociedade. Mantém-se a temperatura morna, que é a melhor forma de não queimar ninguém. Pede-se à sorte que traga com as urnas algo qualitativamente diferente. Algo improvável diante das candidaturas e das chapas apresentadas pelos partidos.
Não há Didi para pegar a bola no fundo do gol (1958). Assim como no futebol de 2006, também na política inexistem quadrados mágicos. As esperanças de transformações substanciais ficarão, mais uma vez, para 2010, a depender de uma nova geração surgida do desalento de derrotas e de uma longa fase de transição.
Carlos Alberto Furtado de Melo, Cientista Político, doutor pela PUC-SP, Professor de Sociologia e Política do Ibmec São Paulo.
Carlos.melo@isp.edu.br

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