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quarta-feira, agosto 09, 2006

E a economia vai muito bem, ora, pois!

Continuação
O curioso é que, teoricamente, seria possível fazer com que estas finalidades deixassem de absorver a quase totalidade da receita fiscal, impedindo que maiores recursos pudessem ser destinados aos imprescindíveis investimentos públicos, propulsores do crescimento econômico - da riqueza, da renda, do emprego, do progresso. Falta, na exatidão da expressão, a tal “vontade política”, mas, também, capacidade gerencial para melhor uso dos recursos e uma visão mais moderna de sistemas de governos.
É sabido que o Brasil ostenta uma das maiores cargas tributárias do mundo entre as economias emergentes, atualmente beirando os 39 porcento do PIB, ou, mais de R$ 752 bilhões por ano. De cada 100 reais que produzimos o governo fica com 39 reais. Se avaliada essa carga tributária pelo conceito “custo-benefício” - a relação entre o que pagamos e o que recebemos em serviços públicos, em quantidade e qualidade, é de longe a mais alta do mundo, pois, educação, saúde, segurança, infra-estrutura pública, previdência social, serviços burocráticos, etc. estão muito, mas, muito aquém do compatível com o nível desse volumoso confisco tributário.
Esta pesadíssima carga fiscal é, além disto, a principal causa da deficiente competitividade de nossa economia, limitando nossa participação nos mercados mundiais e restringindo, internamente, o consumo, causando, em círculo vicioso, ociosidade ao parque industrial instalado, desestímulo a novos investimentos, menores escalas de produção e produtividade, refletindo-se em preços mais elevados, menos empregos e salários deprimidos.
Curioso é notar que o governo exulta ao aumentar a arrecadação fiscal e a população queda-se inerte diante de tamanha sanha avassaladora sobre os proventos de seu trabalho.
A formidável dívida pública interna brasileira que ao longo de décadas vem sendo acumulada, já ultrapassa R$1 trilhão de reais, cerca de 52 porcento do PIB. Só para o pagamento parcial dos juros dessa dívida teriam de ser aplicados os cerca de 4,5% do chamado superávit fiscal primário (a diferença entre receitas e despesas correntes menos os juros da dívida pública). Como, todavia, apenas parte dos juros devidos é paga, o volume total do principal cresce continuamente. Até hoje, nenhum governo conseguiu diminuir, consistente e continuamente, o crescimento dessa dívida. Ao contrário, no cerne do governo e em certos segmentos da sociedade há quem avente, como solução, o calote aos credores. Esquece-se que no caso brasileiro, diferentemente do argentino, a grande maioria dos financiadores, ou aplicadores em títulos da dívida pública, são brasileiros comuns e não estrangeiros, que veriam suas economias serem, de novo, destruídas, a exemplo do que fez, parcialmente, o governo Collor (dívida interna) e anteriormente o governo Sarney (dívida externa), ambos de triste memória e de terrível dano à economia e à credibilidade do País. Veja-se o exemplo atual do que ocorre na Argentina, país desacreditado internacionalmente, tendo de entregar sua alma ao caudilho venezuelano, o maior tomador atual dos títulos da dívida pública daquele país. Entretanto, o irresponsável contínuo crescimento da dívida pública brasileira provoca despesas crescentes com juros e estará levando o país, em pouco tempo, a um beco, provavelmente, sem outra saída.
A difícil questão dos déficits crescentes do Sistema da Previdência Social, é matéria complexa e de origem remota. Pode-se sintetizar a evolução desta questão referindo-a à decisões políticas e administrativas equivocadas e irresponsáveis, ao longo de décadas, que destruíram a liquidez do sistema, desde os anos 1950/60, com a extinção das Caixas de Aposentadoria classistas e a criação do Caixa único, a aplicação antieconômica (ex. construção de Brasília e outras obras faraônicas nos tempos da ditadura) dos recursos acumulados, a inclusão de largos segmentos do funcionalismo públicos federal e certos segmentos civis no sistema único, sem a correlata contribuição em bases atuariais compatíveis.
Este quadro de orgia atuarial e irresponsabilidade administrativa e política, a qualquer aluno de ciências atuariais denotaria, claramente, o inexorável fim falimentar do sistema. Aliás, só não faliu, ainda, por que os déficits vem sendo cobertos pelo orçamento fiscal da União, pelo Tesouro Nacional. Reformas homeopáticas havidas, principalmente em razão da reação demagógica da maioria dos Congressistas a qualquer solução mais eficaz, vêm empurrando o problema para o futuro. Este ano teremos um déficit de R$ 44 bilhões.
O sistema apresenta-se tão distorcido que do total de cerca de 22 milhões de pensionistas, 70 % do déficit correspondem a 3,7 milhões de funcionários públicos federais aposentados. Estes, além de não haverem contribuído em bases atuariais compatíveis com seus proventos integrais, causam, ainda, pela disparidade entre suas pensões e a média geral de menos de 3 SM do restante dos pensionistas, uma enorme distorção na distribuição de renda no País, obra e graça de muitos dos que mais criticam tal distribuição infame.
Os gastos correntes do Executivo Federal, com o aumento do funcionalismo e dos salários, cresceram no governo Lula assustadoramente, numa inversão do que vinha ocorrendo até o fim do governo anterior. Só neste ano, as despesas de pessoal deverão registrar crescimento real, acima da inflação, de 10,2 %. Isto equivale a todo o aumento real acumulado entre 1995 e 2005. Até há pouco, os aumentos se concentravam no Legislativo e no Judiciário que, constitucionalmente, têm liberdade de realizar aumentos sem responsabilidade com o equilíbrio fiscal do país. Entre 1995 e 2005, as despesas com o pessoal do Judiciário cresceram 133% em termos reais. Até o final do governo FHC, esse crescimento desordenado e desigual dos outros Poderes vinha tendo menor impacto sobre o orçamento da União pela contenção de gastos do Executivo. Agora as coisas se inverteram e o Executivo federal está perdendo a única âncora dos gastos com pessoal. A generosidade do governo Lula, este ano, obviamente com fins eleitoreiros, deverá estimular os outros Poderes e o Ministério Público a agir do mesmo modo. A realidade atual é de uma enorme defasagem entre as médias salariais dos três Poderes da República e os do setor privado, por sinal, a avassaladora maioria de contribuintes de uma disfarçada “república” de nobres e plebeus.
O resultado previsível de toda esta orgia de gastos burocráticos será uma crise fiscal que já se espera a partir de 2007 - receitas insuficientes, com conseqüências nefastas sobre a economia do país, sua credibilidade e, portanto, sua capacidade de atrair investimentos privados, já que os públicos só tenderão a diminuir.
Em suma, considerando o quadro fiscal brasileiro, fosse o governo deste país uma empresa privada e estes problemas cruciais teriam de ser solucionados a curto e médio prazo, ou a falência seria inevitável – veja-se, em sentido ilustrativo, o emblemático caso da VARIG - uma empresa privada, tratada por seus funcionários dirigentes (Fundação), como se fosse pública. Produziu prejuízos por muitos anos, na evidente expectativa de que recursos públicos viessem a cobri-los (note-se a tentativa feita de colar na VARIG o prestígio internacional do país, o que, felizmente, não surtiu o efeito desejado). Mas, é enganoso pensar que um país não vai à falência. Vai, sim, e quem paga são todos os seus “acionistas” – cada um de seus cidadãos, pelo aumento da pobreza, da miséria, da queda no crescimento, da possível recessão, do aumento da violência e das crises sociais e políticas, do esgarçamento do tecido social. Eis por que este País perdeu “o bonde do progresso” no século XX, enquanto nações que há 30 e 40 anos eram miseráveis são e serão, neste século, as grandes vedetes mundiais da emergência econômica – Índia, China, Rússia, Tigres asiáticos, Indonésia. O Brasil, nas perspectivas atuais, nada mais será do que já é – uma nação de grande potencial humano e econômico, porém, acumulando seculares desenganos, frustrantes, impiedosos, desumanos, criminosos. O século XXI, nada indica que poderá ser nosso, tampouco.
Diante deste quadro, considerar que a economia deste país vai bem, é transmitir uma visão irresponsavelmente torpe. Como considerar saudável uma economia de tamanho potencial, crescendo pouco mais que o miserável e destruído Haiti?
Qual herança estará este governo transmitindo ao próximo, seja qual for? “Maldita”, por certo não será, pois, só o foi pela boca de quem amaldiçoou o que o próprio provocou. Será, simplesmente, terrível, pelas conseqüências nefastas e duradouras, provavelmente irreversíveis e não admitirá transferência de responsabilidade.


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