Total de visualizações de página

sexta-feira, abril 07, 2006

Eu, o Lápis: Minha Árvore Genealógica

Continuação
Ernesto F. Cardoso Jr.
Segue-se o carregamento e descarregamento dos troncos em caminhões, trens e navios, dotados de guinchos especiais. A escolha do transporte é feita através de estudos de logística, por analistas de nível superior, que definem os melhores trajetos, os meios de transporte mais adequados, adaptando veículos, estimando as quantidades ótimas, calculando o tempo e custo do trajeto de modo a otimizar toda a operação.
Até agora, notem bem, diz o lápis, só falei da madeira de que é constituída a minha estrutura. Além dela, na minha fabricação, entram outras milhares de pessoas com diversas especialidades e habilitações, por exemplo: na extração do minério para fabricação do aço, do cobre e de outros minerais que são as matérias básicas das serras, dos machados, das moto-serras, dos caminhões e dos guindastes. Chegadas as toras a seu destino - as serrarias, são elas transformadas em ripas que são levadas às fábricas de lápis.
Agora, diz o lápis, olhem para o meu interior. É feito de um minério cuja melhor qualidade é extraída lá no antigo Ceilão, hoje Sri Lanka. Após vários e complexos processos produz-se o grafite, com dureza específica e alto grau de pureza, definidos por técnicos e trabalhadores especializados.
O anel metálico que se situa em minha parte superior para encaixe da borrachinha - o casquilho, é de uma liga metálica estanhada que vem de uma usina siderúrgica, onde outros tantos milhares de trabalhadores qualificados atuam. A borrachinha, que se encaixa nesse casquilho, que todos acham que é feita de látex, não o é. É um produto sintético, semelhante à borracha, com idêntica capacidade de apagar riscos de lápis e que se obtém do óleo de colza, extraído na Indonésia, em reação com o cloreto de enxofre.
Finalmente, a pintura de esmalte externa, a gravação da marca do fabricante e do calibre do grafite, empregam pequenas prensas, tipos e tintas especiais, produzidos por outros milhares de trabalhadores.
Depois de tudo isto, sorri o lápis, deseja, ainda, alguém, por em dúvida o que eu havia dito que nenhuma pessoa, sobre a face da Terra, sabe como chego a ser feito? Se ainda duvida, então, proponho-lhe o seguinte: você acha que a grande maioria dos trabalhadores, dentre os milhares envolvidas na produção das máquinas e dos materiais que entram em minha fabricação, jamais pensou que estaria fabricando um lápis? Não é fato que todas executaram seus diversos e múltiplos trabalhos como meio de ganhar a vida para obter os bens e serviços que desejavam, ou necessitavam? Toda a vez que alguém vai a uma papelaria para me adquirir, conclui o lápis, essa pessoa esta trocando um pouco do valor de seu trabalho pelo ínfimo valor dos inúmeros serviços que milhares realizaram para que eu viesse a existir. Não é, pois, espantoso como é que cheguei a ser feito? Um pedacinho roliço de madeira, perfurado com minério purificado, um anel de metal estanhado e borracha sintética formando a minha cabeça, tudo empregado em quantidades definidas para que haja o menor desperdício possível e máxima eficiência de produção, para definição do menor preço aceitável pelo comprador e do maior lucro desejado pelo fabricante?
E, ninguém, concluímos nós, aboletado num burocrático escritório refrigerado, membro respeitado de um super Ministério de Planejamento, deu ordens a essas milhares de pessoas, nem coordenou essas dezenas de operações, nem qualquer força policial obrigou-as a fazer o seu trabalho. Essas pessoas vivem em países diversos, falam línguas diferentes, praticam religiões que até as fazem se odiar (aliás, odeia-se mais por questões religiosas do que por qualquer outra), todavia, nenhuma delas impediu que houvesse a necessária cooperação e coordenação, o preciso entrosamento para o lápis fosse produzido, nas quantidades que o mundo precisa, a preços que todos acham razoável e à disposição de todos que dele necessitam, no lugar e na hora desejada.
Esta estória, na sua singeleza, encerra uma das mais importantes lições da Economia moderna de mercado. Mas, deixemos o sábio e perspicaz analista, que viveu há mais de duzentos anos explicar, então, como foi que tudo isto aconteceu, sem que houvesse qualquer planejamento centralizado dirigindo os milhares de pessoas envolvidas na fabricação desse lápis. Seu nome é Adam Smith, um dos pais da Economia moderna. Filósofo como era, buscava entender como é que "os interesses particulares e as paixões dos homens são levados na direção do que é mais agradável aos interesses de toda a sociedade". Concluiu, então, que, "se a troca de bens e/ou serviços entre duas partes for livre e voluntária, ela não ocorrerá a menos que ambas as partes considerem que podem tirar benefício para si próprias dessa troca"
A maioria das falácias econômicas e da derrocada das teorias políticas centralizadoras e autoritárias, fundamentadas na pretensiosa capacidade do Estado de tudo poder planejar para o suposto bem de seus cidadãos, tem origem na ignorância desta percepção, aparentemente simples, de que uma "mão invisível", mas, poderosa e muito sábia, determina o que deve ser feito, onde, quando, de que modo, em que quantidades e preços.
O seu lápis, a um preço irrisório, disponível em abundância em toda parte e no momento preciso, é exemplo eloqüente de como as forças livres do mercado são muito mais sábias e eficientes do que todo o complicado e supostamente técnico processo de planejamento macroeconômico centralizado.
O sistema de preços é o mecanismo que desempenha essa tarefa, sem direção centralizada, sem exigir que pessoas se falem, ou se gostem e muito menos sem ditar-lhes suas vidas e suas ocupações. O sistema de preços, deixado a flutuar livremente, para a maioria dos bens e serviços produzidos, permite que pessoas cooperem, pacificamente, numa determinada fase da vida, enquanto cada uma delas trata de seus próprios interesses no tocante a tudo o mais.
Sabe, caro leitor, que nome se dá a esta doutrina econômica? Chama-se "Liberalismo Econômico" - as sociedades mais ricas e cultas praticam-no, por inteiro, ou parcialmente; as mais pobres e incultas deitam-lhe xingação.