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sábado, abril 15, 2006

Varig, fechar ou não fechar

VEJA
Razões para não ajudar a Varig
Não é preciso gastar dinheiro público.
Concorrentes já ocupam a fatia de mercado deixada pela empresa
Chrystiane Silva e Victor Martino

A crise da Varig voltou aos noticiários na semana passada diante do risco iminente de seus aviões deixarem de decolar. Funcionários da empresa foram às ruas pressionar o governo a liberar dinheiro público para salvá-la. Um jato fretado levou manifestantes a Brasília, onde, depois, foi "abraçado" por um cordão humano. A Varig também recebeu um patético apoio da mesma classe artística que, nas últimas duas décadas, voou de graça em aviões da companhia e deleitou-se com patrocínios culturais concedidos por ela. O argumento dos manifestantes é basicamente o seguinte: a Varig é um patrimônio nacional que merece ser preservado não só por seus empregos, como também porque seu nome, projetado durante décadas no exterior, se confunde com a história recente do país. O raciocínio é anacrônico. Não se sustenta no mundo real. A Varig caminha para o desastre pelos próprios erros, e não é justo que a conta seja mandada para os brasileiros – cuja imensa maioria, ao contrário dos artistas, nunca se beneficiou da existência da companhia aérea. Algumas razões pelas quais a Varig não deve receber ajuda do governo:

• Se a empresa deixar de operar, a aviação civil brasileira não entrará em colapso. O setor vive sua melhor fase depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Cresce a uma taxa de 20% ao ano. As linhas da Varig estão sendo gradativamente absorvidas pelas concorrentes. Seus pilotos, comissários de bordo e pessoal de terra, conhecidos pela eficiência e formação, não devem encontrar problemas sérios de recolocação.

• Uma ajuda pública não resolverá o problema da Varig. Enquanto o combate aos desperdícios foi decisivo para sanear empresas do setor aéreo no mundo todo, a direção da Varig continuou operando como uma estatal. A companhia é controlada por um grupo de funcionários que sempre barram medidas administrativas indispensáveis, tais como restrição de salários e demissões. A origem dessa estrutura vem de 1945, quando o então presidente da companhia, Ruben Berta, criou a Fundação dos Funcionários da Varig – hoje Fundação Ruben Berta – para controlar a empresa. As raposas tomam conta do galinheiro.

• A Varig já é um cemitério de dinheiro público. A empresa tem uma dívida de 5 bilhões de reais com a BR Distribuidora, a Infraero, a Receita Federal e o INSS. Os malefícios que a Varig causa a todos os contribuintes superam quaisquer benefícios que concede a poucos. A companhia vem sendo ajudada artificialmente pelo governo há alguns anos, já que consome combustível e opera nos aeroportos quase de graça. A cada dia que passa, o contribuinte tira dinheiro do bolso para dar à empresa.

• Se o governo decidir injetar dinheiro na companhia, toda e qualquer empresa do país que tiver problemas financeiros se julgará no mesmo direito. Vasp e TransBrasil, que já deixaram o mercado por problemas de má gestão, podem exigir tratamento idêntico.

• A aprovação da nova lei de falências brasileira, no ano passado, foi adiada justamente para incluir as companhias aéreas e permitir que credores e devedores se entendessem numa negociação de mercado. Se o governo injetar capital na Varig, vai atropelar a própria lei, em um retrocesso inadmissível.

Felizmente, o presidente Lula não se curvou às pressões pró-salvação da Varig. "Não cabe ao governo salvar empresa falida", disse ele. Sem sucesso em sua viagem a Brasília, os funcionários deram sobrevida à Varig conseguindo uma liminar na Justiça do Trabalho. A medida lhes concedia a apreensão de todo o patrimônio da empresa como garantia do pagamento de dívidas trabalhistas. Isso assegura aos empregados e à própria companhia que os credores não tomarão os bens dela pelo não-pagamento das volumosas dívidas – oficialmente, 7 bilhões de reais, mas, na prática, calcula-se que gire em torno dos 10 bilhões. A Varig atribui sua crise às intervenções econômicas do governo e à demora no julgamento de uma ação judicial contra o congelamento de tarifas, que, segundo ela, poderia render-lhe até 3 bilhões de reais. Nenhuma palavra (é claro) sobre os inúmeros casos de fraudes que transformaram a empresa numa máquina de queimar dinheiro. Uma agência de viagens de nome Varig Travel foi criada em 2001 e dela foram desviados 100 milhões de reais. Estima-se que outros 10 milhões de reais tenham sido tomados por uma empresa terceirizada que digitava as milhas do programa Smiles. É nesse tipo de companhia que o governo deve investir dinheiro público? Claro que não.
Outra alegação dos funcionários é que 11.000 empregos serão perdidos. O sofrimento de cada um dos ameaçados de demissão merece toda a solidariedade. A Varig e os sindicatos da categoria devem a eles todo o esforço para recolocação que puderem fazer. As concorrentes da Varig já estão absorvendo parte dos funcionários da empresa. Há centenas de pilotos brasileiros trabalhando no exterior em jatos de companhias aéreas na Ásia, Índia e Oriente Médio. Nesses países, o crescimento da aviação civil dá-se em ritmo maior do que a capacidade das escolas especializadas em formar comandantes. "É mais eficiente e seguro contratar pilotos experientes estrangeiros do que esperar a formação de novos profissionais. Os brasileiros são muito adaptáveis e excelentes pilotos", disse a VEJA Julie Liu, diretora da EVA Air, empresa de Taiwan que emprega 36 pilotos brasileiros.
A Boeing, uma das maiores fabricantes mundiais de aviões, espera faturar 550 bilhões de dólares no Sudeste Asiático, na China e no Oriente Médio com a venda de 5.182 aeronaves nos próximos vinte anos. Mas não há pilotos suficientes para isso. A China precisaria de mais 1.200 pilotos a cada ano. A Índia, outra potência crescente na aviação civil após a desregulamentação do setor, necessitaria de 2.000 profissionais. Para os brasileiros, esse é o melhor dos mundos. As companhias aéreas internacionais oferecem a eles casa com até 250 metros quadrados em amplos condomínios com tudo pago, escola para os filhos e salário em dólar cerca de 50% maior do que os do Brasil. A crescente procura por pilotos estrangeiros fez nascer empresas especializadas em recrutar esses profissionais. O carioca Armindo Souza Viriato de Freitas criou uma dessas companhias em Macau depois que começou a trabalhar na empresa aérea chinesa Shenzhen Airlines, três anos atrás. "Desde 2004, já inserimos 25 pilotos em companhias chinesas, dez na Índia e cinco na Eslovênia", diz Freitas. Foi por meio dessa empresa que o ex-piloto da TransBrasil Rodrigo Oliveira, de 50 anos, chegou à China, um ano e meio atrás. Ele trabalha na Shenzhen Airlines, com outros vinte brasileiros. "Trabalhar aqui é uma maravilha, não há problema com o idioma, já que o inglês é a língua oficial da aviação. Meu filho estuda na escola americana e aprende mandarim. Não penso em voltar para o Brasil", comenta. Na Emirates Airlines, uma das companhias aéreas que mais crescem no mundo, há quinze pilotos brasileiros. Carlos Eduardo Hime, 44 anos, é um deles. Depois de trabalhar na Varig por quinze anos, ele mudou-se para Dubai com a mulher e a filha, de 7 anos. "Quero ficar aqui por dez ou quinze anos. É um lugar muito mais seguro do que o Rio de Janeiro", diz. A Varig não deveria receber mais ajuda pública por todas as razões acima. No Brasil e no mundo, a falência de companhias aéreas deve ser encarada como um fato da vida. Se o governo e a sociedade devem fazer algo a respeito, é impedir que a maioria pague pelo conforto de alguns.


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