Continuação
Em seu apartamento no bairro Bela Vista, Centro de São Paulo, Silvio disse que tentou contar tudo à nova direção do PT e que telefonou para o presidente do partido, Ricardo Berzoini, se pondo à disposição. Não conseguiu ser ouvido. Um ano depois das primeiras denúncias de corrupção nos Correios, que desaguaram no escândalo do valerioduto, o que Silvio conta são detalhes da operação comandada pelo empresário Marcos Valério e a antiga cúpula do PT, da qual fazia parte como secretário-geral, e também sobre o esquema de distribuição de cargos para petistas e aliados no governo, a operação da máquina do partido nas duas últimas eleições e sua visão sobre o envolvimento da cada personagem.
Segundo Silvio, o plano do empresário Marcos Valério com o PT era arrecadar o montante de R$ 1 bilhão, em quatro áreas, todas com pendências na atuação do governo: Banco Econômico, Banco Mercantil de Pernambuco e Opportunity, além de operações de passivos na área da agropecuária. As operações não teriam dado certo e por isso Valério teria passado a cobrar as faturas. O esquema foi investigado por duas CPIs (dos Correios e do Mensalão), pela Polícia Federal e pela Procuradoria Geral da República, que denunciou ao Supremo Tribunal Federal 40 autoridades, ex-autoridades e empresários envolvidos diretamente com a “sofisticada organização criminosa” que resultou na cassação dos mandatos de deputado de José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) - o primeiro, o todo-poderoso chefe da Casa Civil do governo Lula por dois anos e meio e o segundo, o antigo aliado que denunciou o mensalão.
Silvio afirma que existem outros partidos envolvidos e que “há cem Marcos Valérios por trás do Marcos Valério”, dizendo acreditar que o esquema todo pode ter voltado a funcionar, já que, apesar das CPIs, as estruturas de corrupção não foram modificadas. Segundo Silvio Pereira, a fonte dos recursos que foram injetados no PT, principalmente para campanhas eleitorais do próprio partido e do PTB, nas eleições de 2004, é basicamente oriunda de um pool de empresas, empenhadas em ganhar contratos com o governo e também em garantir o destino de emendas de parlamentares. Bastaria o governo não notar os pools, principalmente em consórcios, disse. Na versão do ex-secretário-geral do PT, Marcos Valério funcionaria como um dos emissários da arrecadação ilegal junto a em-presas de variados setores. Silvio contou ainda que foi feito um acordo com Marcos Valério logo depois de estourado o escândalo, que completa um ano este mês. A culpa ficaria mais centrada no PT e nos principais envolvidos. O empresário teria dito aos petistas que tinha três opções: contar tudo o que sabe e “derrubar a República”, por causa do envolvimento dos outros partidos, dos políticos e das empresas; calar-se e acabar assassinado como PC Farias (o tesoureiro do ex-presidente Collor); ou contar parcialmente o que sabe. O PT ficou com a última opção.
- Mas não há santo nessa história toda, em nenhum partido, nem na direção do PT, que pagou o pato todo - diz.
O ex-secretário-geral exime o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de responsabilidade no esquema e afirma que em 2004, já ministro, o ex-presidente do PT José Dirceu não recebia Marcos Valério, nem gostava da situação. O empresário teria tido um comportamento normal na campanha de 2002, mas em 2004 passou a ter acesso irrestrito à direção nacional do PT. A maior parte dos dirigentes sabia da influência de Valério e das dívidas do partido com ele, que chegaram a R$ 120 milhões, segundo o ex-secretário.
O poder de Valério se tornou tão grande que o próprio tesoureiro, Delúbio Soares, perdeu o controle da situação, segundo Silvio. Valério passou a ter contatos diretos com políticos petistas e não-petistas. No relato dele, os saques feitos no Banco Rural não foram autorizados pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Teriam sido acordos entre parlamentares e o empresário com toda a sua enorme rede de lobbies.
Segundo Silvio, o plano dos petistas seria ajudar as campanhas municipais de candidatos aliados em 2004 e cobrir as dívidas de R$ 32 milhões dos aliados nos estados em 2002. A dívida que restou do diretório nacional (com as campanhas para a Presidência e o Senado) teria sido de R$ 3 milhões, disse. No entanto, em vez de se preocupar em pagar as contas anteriores, já no poder federal, em 2004 a direção do PT optou por deixar Valério cobrir as dívidas e ainda financiar as campanhas eleitorais em cinco capitais, mais a campanha do PTB, e ainda implantar projetos para ampliação do partido. Silvio disse ainda que nenhum petista ficou com dinheiro para enriquecimento pessoal. E admitiu que foi um erro aceitar o Land Rover de presente do empresário César Roberto Santos Oliveira, da GDK, que presta serviços à Petrobras.
Os principais trechos da entrevista:
Marcos Valério e seus interesses no governo
“Foi o Virgílio Guimarães (PT-MG) quem apresentou Marcos Valério ao Delúbio. Em 1998 ele operava para o PSDB. Marcos Valério é um homem muito, muito inteligente. Ele atuou na campanha do Lula (em 2002) na normalidade. Depois foi crescendo. Ele tinha quatro pontos de interesse com o governo. Não se esqueça que ele vem do Banco Central, foi funcionário de lá. Por que você acha que acharam ele 17 vezes acionando o BC? Não tem essa história de propaganda, isso é bobagem. O plano era faturar R$ 1 bilhão. Eles iam ganhar R$ 1 bilhão. Em quatro áreas: Banco Econômico, Banco Mercantil de Pernambuco e Opportunity. Tinha ações dele lá que renderiam dinheiro. Mas nenhum dos quatro esquemas rolava. Valério trabalhou com o Dantas (Daniel Dantas), mas o governo era dividido com essa história. O quarto ponto eu não sei bem, mas eram uns passivos na área de agropecuária. Mas não deu certo, o BC não acertou as coisas para ele.”
Encontro com a cúpula do PT depois do escândalo
“O PT virou refém do Marcos Valério, não tinha mais jeito. O Marcos Valério estabeleceu canais próprios com petistas e com não-petistas. Tem muita gente, muitos partidos (estão envolvidos). Só que tudo caiu na nossa conta. Não tinha jeito de ser diferente. Quando estourou (o escândalo), nos encontramos com ele. Marcos Valério disse três coisas: ‘Olha, tenho três opções: entregar todo mundo e derrubar a República, ficar quieto e acabar como o PC Farias, ou o meio termo’. Foi isso.”
A origem do dinheiro arrecadado por Valério
“Empresas. Muitas. Não vou falar nomes. As empresas entre si fraudam as coisas. Às vezes o governo não persegue, e é só isso. Elas se associam em consórcios, combinam como vencer (licitações). O Delúbio começou a usar o Marcos Valério para pagar as contas. Agora, da lista do Banco Rural, o Delúbio não sabia, não. O que aconteceu é que o Delúbio perdeu o controle. Ele só sabia de três ou quatro deputados do PT. O resto, que recebeu no Banco Rural, não era esquema do Delúbio. Tudo o que foi sacado não tinha a ver com o Delúbio. Quem mais sacou? Há muita hipocrisia.”
A distribuição dos cargos para petistas e aliados
“Quando assumi os cargos, fui muito abordado. Ganhei uma dimensão que não tinha, trânsito com todo mundo. Essa gente não é fácil, tentou tudo. Mas eu não ia a festas com eles. Por isso nunca vão provar nada, porque nada fiz de errado. Meu papel era convencer os ministros do PT a liberarem cargos para os aliados. Porque tenho palavra. Quando o PMDB veio, em abril, e já estava tudo ocupado no governo, fiquei com o abacaxi. E muitos da base aliada de fato não entraram por questão ética, os ministros do PT são sérios. Não me conformo de o PT pagar todo o pato. Se investigassem a fundo realmente, veriam isso. E o governo nada fez de errado. Mas não há interesse porque quase todo mundo está envolvido. Foi uma grande mística (a distribuição dos cargos). De 7.900 pessoas que se inscreveram no sistema que eu montei, para toda a base aliada, com cargos e perfis técnicos, ficaram mais de 90% de fora. Foi um sistema legítimo. Cada deputado da base queria um cargo (federal) nos estados. Tinha ainda que dar uma cesta para o PMDB. Seriam 50 cargos. Mas em 2004 atuei só no rescaldo disso. Roberto Jefferson inventou que eu era o gerente dos cargos em 2004.”
“É um mecanismo que continua no país”
“A verdade do PT não tem como ser digerida pela mídia. Como o Delúbio consegue, com uma assinatura dele mesmo, R$ 50 milhões? Olha, eu acho que o Delúbio não parou e olhou a coisa como um todo. Ele não é corrupto. Não é. Quem decidia tudo isso? Não havia uma decisão, não é como vocês pensam. Atrás do Marcos Valério deve haver cem Mar-cos Valérios. É um mecanismo, e que agora continua no país.”
“Nem traficante usa mais malas de dinheiro”
“É mentira (sobre as malas de dinheiro denunciadas por Roberto Jefferson). Não houve nenhuma mala de dinheiro. O dinheiro não passava pelo PT. Era um esquema cômodo. Nem traficante usa mais mala de dinheiro. Isso é Al Capone. Agora, o PT deu muito dinheiro ao PTB.”
Acusações e o esquema nos Correios
“Cadê a Skymaster? Cadê as minhas empresas que os jornais falaram? Disseram até que a HHP era minha. Estive uma vez apenas na Sky, a pedido de um líder da base aliada, cujo nome eu vou preservar, porque segundo ele a empresa estaria sendo prejudicada pelo governo. Fui ouvir e não fiz acordo. Nos Correios, quem operava de fa-to era o PMDB. Eduardo Medeiros não foi indicado por mim.”
Tentou falar, mas o PT preferiu não ouvir
“Se a direção do PT me chamar para ser ouvido, eu vou. Por que não me chamam? Eu liguei para o Berzoini e disse a ele que gostaria muito de ser ouvido para que minhas informações ajudassem nas investigações internas. Eu disse a ele e repito agora: estou à disposição. E à disposição mesmo. Inclusive se quiserem fazer um depoimento aberto à imprensa. Ou sob sigilo, gravado, eu falo. Mas coloco só uma condição: que avaliem a postura de quem recebeu. Aliás, quem recebeu? Sabe qual é o problema? Eu nunca fui ouvido pelo PT. Nunca quiseram saber. Mas deveriam. Ou talvez saibam.”
Fonte: Blog do Moreno
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